Ficções sobre o (in)imaginável: representações sobre a ditadura brasileira
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> autores
Rita Luciana Berti Bredariolli
Realizou pós-doutorado na Columbia University, como bolsista CAPES. É doutora e mestre em Artes pela ECA-USP e docente do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho". É autora dos livros Ao revés do pós: variações sobre temas de arte e educação (Editora Unesp, 2013) e Das lembranças de Suzana Rodrigues: tópicos modernos de arte e educação (Edufes, 2007).
Fecha de Recepción: 20 de julio de 2016
Fecha de Aceptación: 11 de noviembre de 2016
Esta obra está bajo una Licencia Creative Commons Atribución-NoComercial-CompartirIgual 4.0 Internacional.
> como citar este artículo
Rita Luciana Berti Bredariolli ; «Ficções sobre o (in)imaginável: representações sobre a ditadura brasileira». En Caiana. Revista de Historia del Arte y Cultura Visual del Centro Argentino de Investigadores de Arte (CAIA). N° 9 | Año 2016 en línea desde el 4 julio 2012.
> resumen
A produção cinematográfica sobre a ditadura brasileira iniciou-se quase que concomitante a instauração desse regime, transformando-se ao longo de sua história. Algumas dessas ficções serão temas desse texto, selecionadas pela intenção de observar as diferenças de representações em relação a três marcações temporais: o final de 1960 e início de 1970, anos de instauração e recrudescimento do regime militar brasileiro; do início dos anos de 1980, momento da “reabertura” política; e, por fim, filmes integrantes de uma produção recente, realizados entre o final dos anos de 1990 e 2012.
Palabras clave: ficção, representação, imagem, história, política
> abstract
The production of the film regarding Brazilian dictatorship began concomitant with initiated of this regime and has been transformed throughout over the history. Some of these fictions are subject of this text, selected by the intention of observing the differences in representations regarding three temporal markers: the late 1960s and early 1970s, years of establishment and intensification of the Brazilian military regime; the early1980s, moment of «reopening» policy; and, finally, members of a recent film production, conducted between late 1990s and 2012.
Key Words: fiction, representation, image, history, policy
Ficções sobre o (in)imaginável: representações sobre a ditadura brasileira
[…] ninguém pode imaginar tal experiência:
por isso que ele a conta apesar de tudo,
até que nossa alma esteja habitada pelas imagens
– precisas mas parciais, soberanas mas lacunares
[…]
“Inimaginável” é uma palavra trágica:
ela designa a dor intrínseca ao acontecimento
e a dificuldade em ser transmitido.[1]
Tudo o que pode parecer imaginário é de fato verdadeiro.[2]
Na descrição de um movimento reativo, uma produção cinematográfica é criada, desde os anos iniciais da década de 1960, para dar visibilidade à violência instaurada pelo regime militar ditatorial brasileiro. O arranjo de imagens em diferentes montagens narrativas, junto a outras ficções imagéticas, originou, como perturbação de um certo curso normal,[3] representações, tornando em visualidades cometimentos atrozes derivados dos abusos de um sistema político apoiado na força e na sujeição. Período de tempo findado oficialmente em 20 anos, mas cujas consequências sobrevivem em nosso cotidiano, perpetuadas também pela ausência de espaços para a elaboração de suas memórias.[4] Lugar que se mantém em abertura para a insidiosa presença de uma forma perversa de repetição, preservando a permanência desse sistema, o da ditadura militar, “em nossas práticas políticas, em nossa violência cotidiana, em nossos traumas sociais”.[5]
Essa produção fílmica, essas ficções[6] visivas da ditadura militar, geradas concomitantes a esse período ou em sua posterioridade, não deixam de atuar como elaborações sobre os acontecimentos desse passado presente. No entanto, tais representações não podem ser tomadas como a versão especular de uma realidade toda, ou como via de acesso ao conhecimento de algo que está para além delas.[7] Tais ficções são entendidas aqui como visualidades derivadas e consumadas pelos atos, simultâneos e indissociáveis, de produção e recepção, mobilizados pelas implicações temporais e espaciais, pelas histórias e memórias, portanto, que as constituem. Formas fabricadas para tornar visível ou imaginável aquilo que seria (in)imaginável, gerando imagens de um mundo em transe, suspenso em um espaço apenas sugerido, movido por um tempo crítico – à maneira de Brecht– propício à reflexão política e não à sua identificação;[8] ou aquelas que atuam em literalidade, cumprindo sua tarefa política pelo exagero didático em convenções narrativas, assumindo o romance como via de acesso; ou ainda, imagens que criam histórias enredadas pelo movimento constelacional da memória, engendrando narrativas descritas em rupturas geradas na eclosão sintomática do passado, tomando como lugar de ação os espaços íntimos, e as intimidades, aonde são expostas as subjetividades, políticas,[9] nos intervalos criados pelos silêncios, pelos não-ditos, pelas metáforas, ambivalências, ironias, tédio, ressentimentos.
Um tempo crítico à maneira de Brecht, o tempo da suspensão, do assombro, é o que mobiliza Terra em Transe (1967) de Glauber Rocha (Fig. 1). O teatro épico-crítico de Brecht está em sobrevivência no cinema didático-épico experimentado por Glauber como refutação do cinema do psicologismo e do moralismo.[10] Brecht apresentava-se como uma referência recorrente nos textos de Glauber Rocha. Em uma entrevista à revista Positif, declarou a importância fundamental da descoberta tardia do teatro de Brecht, como algo que realmente o transformou.[11]
Terra em Transe é definido pela contradição, figurada, especialmente pela personagem Paulo Martins, “um cara que vai à direita e à esquerda, que tem má consciência dos problemas políticos e sociais”.[12] Em Paulo Martins, a revolução seria encontrada “recorrendo às contradições”. E isso o leva à morte. Essa personagem, segundo Glauber Rocha, se faz como “parábola sobre a política dos partidos comunistas na América Latina”.[13] O caminho para a superação das alienações e contradições do intelectual do mundo subdesenvolvido, até a sua lucidez revolucionária, seria traçado pelo exame crítico de uma produção reflexiva sobre a justaposição do subdesenvolvimento e sua cultura primitiva, e do desenvolvimento e a influência colonial de uma cultura sobre o mundo subdesenvolvido. Desse confronto dialético de informação, análise e negação, irromperiam duas formas concretas de uma cultura revolucionária, que deveriam funcionar simultaneamente no processo revolucionário: a didática e a épica. A alfabetização, a informação, a educação, a conscientização das “massas ignorantes” e das “classes médias alienadas”, congregariam a didática, enquanto a épica seria definida por uma “prática poética” voltada à provocação do “estímulo revolucionário”. Uma não poderia prescindir da outra, caso contrário, se transformariam em “informação estéril”, degenerando-se em “consciência passiva nas massas e em boa consciência nos intelectuais”. A épica sem a didática, segundo Glauber Rocha “gera o romantismo moralista e degenera em demagogia histérica”.[14]
Glauber Rocha enunciava um cinema, pretensamente revolucionário, e por isso antimoralístico, criado pelas tensões das contradições de tema e avesso ao romantismo e ao oportunismo revolucionário. Terra em Transe pode ser identificado como a experimentação desse projeto. Um filme antidramático, que se destrói, com uma montagem de repetições, apresentando-se em fragmentos, cada qual, e em sua relação, em sua montagem, potencializando a história arruinada de um lugar metafórico, em um tempo também metafórico. A montagem, para Glauber, era aliada e resultante de um discurso crítico sobre a história, sobre a acumulação de fatos, de conflitos, ao mesmo tempo subjetivos e objetivos. Fazer um cinema político significava abrir espaço para a discussão pela montagem desses acúmulos. Além de Brecht, Sergei M. Eisenstein, Vsévolod I. Pudovkin, Aleksandr Dovjenko e Dziga Vertov eram suas referências declaradas.[15]
Todos os planos de Terra em Transe eram feios, teria dito Glauber Rocha ao seu montador, pois o filme “tratava de pessoas prejudiciais, de uma paisagem podre, de um falso barroco”.[16] Terra em Transe foi feito sob a busca por um tom documentário”, filmado com a câmera na mão, de modo flexível, pela tentativa de alcançar a sensação da pele dos personagens. Imagens de arquivos serviram como orientação para a construção dessas imagens: “Tudo o que pode parecer imaginário”, em Terra em Transe, “é de fato verdadeiro”.[17]
Uma experiência vital, criada como ruptura – a mais radical possível – da “demagogia estética em face de uma arte política”, na tentativa pela conquista de uma “expressão complexa, indefinida, mas própria e autêntica” de um cinema latino americano.[18] Terra em Transe se constitui por essa busca, e por isso, situado pelo autor, em contrapartida a Deus e o Diabo na terra do sol, lançado em meados de 1964.
Terra em Transe foi dito por Glauber Rocha, como um filme resultante de sua observação pessoal, ligado diretamente à sua realidade, sem qualquer outro apoio na tradição cultural, diferente de Deus e o Diabo na terra do sol, um filme “conservador”.[19] Terra em Transe teria sido criado em aversão à reação romântica e demagógica, desencadeada, especialmente em exibições de Deus e o Diabo na terra do sol para um público que se diz de esquerda. Glauber Rocha anuncia Terra em Transe como um filme de impacto, na contrapartida de um filme acadêmico, romântico, vinculado à cultura estabelecida no Brasil, afirmando seu interesse pela provocação de uma desordem intelectual, que obrigaria seus espectadores ao pensamento, contrário ao entusiasmo gerado por Deus e o Diabo na terra do sol. Os defeitos de Terra em Transe eram justificados pela própria práxis de um filme sobre o transe da América Latina. Um filme que trata de ruptura, de crise, teria de ser tão pobre quanto seu próprio tema. Dessa forma, realizar-se-ia como um todo integrado, sem estabelecer diferenças entre seu conteúdo e forma, uma velha discussão acadêmica. Para Glauber Rocha, Terra em Transe era a
«expressão totalizante, neurótica, política, social, pessoal, sexual de tudo o quê, como latino-americano de 31 anos, posso expressar vivendo nessa realidade e numa atividade radical em relação a ela, em relação à minha maneira de expressá-la.»[20]
Uma bomba a ser lançada contra os preconceitos de uma esquerda acadêmica conservadora, assim Glauber Rocha definiu as aspirações sobre Terra em Transe. Num primeiro momento seu lançamento foi proibido pela censura brasileira, sendo liberado depois de um protesto internacional e nacional, segundo seu autor. Suas intenções foram alcançadas, conforme seu relato, pois o filme gerou aversão, especialmente entre uma esquerda oficial, que o teria taxado como fascista. Reação transformada em ópera atonal-surrealista pelo texto Perseguição e Assassinato de Glauber Rocha pelos intelectuais do hospício carioca, sob a direção de Salvyano Cavalcanti de Paiva,[21] ironicamente escrito por Glauber Rocha no mesmo ano de 1967. O riso, se houver, é bílis, eis uma das frases que antecipam o texto em uma epígrafe que denota, em síntese, certa amargura que o tinge.
Dois anos depois, em 1969, Terra em Transe é relançado no Brasil, mesmo ano de seu lançamento na Argentina. Mantendo-se permanente e atual, segundo seu diretor, ainda um assunto para a imprensa. Para Glauber Rocha, nesse momento, começava a tomada de consciência sobre o filme, tanto por aqueles que não o compreenderam, quanto por aqueles que o rechaçaram.
Terra em Transe foi considerado epitáfio de uma época. Filme autocrítico, que procurava a explicação para a derrota.[22] Afirmações que talvez possam encontrar sua evidência na oposição estabelecida por Glauber Rocha entre Terra em Transe e Deus e o Diabo na Terra do Sol, pela repulsa a uma estética do entusiasmo. Terra em Transe busca o choque criado pela contradição e inacabamento. Um filme que não poderia deixar de ter defeitos, caso contrário não realizaria seu tema, distanciando-se da proposição de Brecht, citada por Glauber: “para novas ideias, novas formas”.[23] O transe da América Latina não poderia ser estetizado, não seria possível dar-lhe uma forma acabada. Há nesse transe uma estética própria que determinou a estética de Terra em Transe, filme feito sob o estigma da polêmica e do desencanto, criado pela montagem de imagens que determinam sentidos pelo choque do contraponto entre as ações da política de esquerda e direita, representadas nas personagens de Felipe Vieira e Porfírio Diaz. Ambos abraçados aos seus emblemas. Vieira mobilizando o povo; Diaz, empunhando um crucifixo e uma bandeira, coroado rei, soberano de Eldorado. Ambos equivalem-se, harmonizam-se em contraponto. Paulo Martins, a personagem atormentada pela contradição, sucumbe, fenecendo lentamente, clamando justiça em vômitos, em brados histéricos e estéreis, enquanto Diaz, em coroamento, discursa violentamente: “Aprenderão! Aprenderão! Dominarei esta terra! Botarei essas histéricas tradições em ordem, pela força, pelo amor na força, pela harmonia universal dos infernos e chegaremos a uma civilização!”. Eis o que nos resta. Da Terra em Transe. Do filme de uma cineasta que dizia não se interessar em ser cineasta, em fazer carreira artística, ou alcançar sucesso com o seu cinema. Interessava-se em criar polêmica, em tornar-se parte e tomar parte de uma atividade cultural e política, procurando fazer da melhor forma que pudesse.[24]
A estética da polêmica, do inconcluso e do contraditório, definida pelas formas poética e alegórica configuradas no choque de imagens e no discurso em vômito de Terra em Transe, sustentada pela leitura dos Contos de Maldoror de Lautréamont[25] e das sobrevivências do teatro da crueldade de Artaud, e do teatro épico-didático de Brecht, inscrevem um cinema que, pela experimentação poética da própria linguagem, era criado como manifesto político.
Terra em Transe não transforma em romance a história de um país e de sua população, mantendo sua narrativa em suspensão, ao tensioná-la entre forças, aparentemente antagônicas, equalizadas por interesses comuns e uso de meios, também comuns, para alcançá-los. É certo que há em Terra em Transe, o herói Paulo Martins, atormentado pela ambivalência e contradição, condenado pela tomada de consciência e depois salvo pela morte. A morte é salvação. Uma posição neo-romântica, ponderada por Glauber Rocha, mas muito didática também. Uma “guerrilha não é uma aventura romântica, mas epopeia didática”.[26]
A montagem atormentada de Terra em Transe evoca o experimentalismo, enlaçado pelos referenciais e posicionamento político e estético de Glauber Rocha, mas também a convulsão dos acontecimentos que integravam o tempo presente da produção filme, concomitante aos anos iniciais do golpe militar. Período de emergência de outras produções como O Desafio (1965) de Paulo César Saraceni; A Derrota (1966) de Mário Fiorani; Jardim de Guerra (1968) de Neville d’Almeida e A Vida Provisória (1968) de Maurício Gomes Leite. A continuidade da produção fílmica sobre o tema da ditadura foi mantida durante os anos de permanência desse regime, encontrando espaços de resistência como a “Boca do Lixo” em São Paulo. Em 1979, David Cardoso produz E agora, José? Tortura do Sexo, roteirizado e dirigido por Ody Fraga. O filme conta a história de José Zurin, preso por ter se encontrado com um velho amigo, considerado uma liderança subversiva. Filme um tanto obscurecido pela história, também censurado, e ofuscado por outra produção com um roteiro em comum, Pra frente Brasil (1982).
Pra frente Brasil de Roberto Farias, é um filme que ganhou visibilidade, primeiramente, pelas páginas de jornais, por ter sido proibido pela censura. Proibição que gerou manifestações de artistas, produtores, técnicos e cineastas por meio de suas associações e sindicatos, convergindo, entre outras manifestações, para um telegrama enviado em 8 de abril de 1984, ao então ministro da justiça, solicitando sua liberação em nome da consolidação da democracia, realizada também pela análise dos traumas do passado. A proibição do filme foi mencionada nesse texto como um desserviço à democracia e um impedimento à “continuidade plena da proposta de abertura política, em que se empenha toda a nação brasileira”.[27] Em nota publicada em 16 de abril de 1982, no mesmo Jornal do Brasil, mencionava-se a tentativa de apreensão do filme no dia anterior devido a uma denúncia anônima sobre sua exibição. O discurso em torno do filme se manifestava como a reverberação de sua própria estrutura narrativa, formatada pelo romance melodramático. Filme considerado “notório como primeiro filme de ficções sobre os horrores reais da ditadura do começo dos anos 70”.[28] É certo que Pra frente Brasil cumpria um papel didático e mesmo que romanesco, tanto o filme como os discursos que o envolveram, trouxeram à pauta assuntos de necessário debate. Sua narrativa denunciava a arbitrariedade de um regime político fundado e fundamentado na violência, que envolvia a todos, mesmo aqueles que o desconheciam. No entanto, o excesso didático, delineado em apelo sentimentalista que enreda as personagens e suas situações de conflito, junto ao texto literal, cria um invólucro ideológico que declina o filme ao dilema. A hipertrofia dos sentidos, pelos excessos de didatismo e sentimentalismo, bem como pelas convenções da estrutura narrativa e uso da imagem como ilustração, arriscam a densidade do impacto do encontro entre o público e aquilo ao que assistem, podendo incorrer em certo esvaziamento de sentido, justamente por seu excesso.[29]
A pertinência de Pra frente Brasil às convenções da grande indústria cinematográfica, seria justificada pela preocupação de acessibilidade ao público. Ismail Xavier denomina esse movimento de naturalismo da abertura, uma tendência comum, seguindo sua afirmação, aos países “recém-saídos ou em vias de sair de regimes militares”.[30] A sedução pelo naturalismo e a adequação aos esquemas dramáticos da grande indústria, marcavam a produção cinematográfica brasileira em meados dos anos de 1970 e 1980. Tais convenções determinavam um cinema preocupado em atingir um grande público, mantendo-se como pedagogia, mas então “menos ambiciosa no plano político, porque mais apressada e ‘segura’ em seus efeitos”.[31] Em um texto de 1968, Glauber Rocha comenta o cinema de Roberto Farias, usando da comparação de um de seus filmes, Selva Trágica (1963), com as suas demais produções até então realizadas, como contestação de uma tendência do cinema nacional a oferecer ao público aquilo que ele quer. E isso, expõe em questão, seria “uma forma de conquista ou de aproveitamento comercial do condicionamento cultural do público?”.[32] Seguindo esse “caminho mais fácil, que é utilizar as formas americanas”, o cinema brasileiro, segundo Glauber Rocha, seria “apenas um gerador em maior potência da cultura da dominação”. Esse seria o desafio do cineasta brasileiro: “como conquistar o público sem usar as formas americanas, hoje já diluídas em outras subformas europeias”.[33]
Dois anos depois do lançamento de Pra frente Brasil, é exibido Cabra Marcado pra Morrer (1984) do documentarista Eduardo Coutinho. Documentário, que nas palavras de Ismail Xavier é filme-síntese, pois, “recapitula todo um processo de debate do cinema brasileiro com a vida política nacional”.[34] Cabra Marcado pra Morrer condensa os quase vinte anos de ditadura militar em uma densidade definida pela coincidência entre a história do próprio documentário, e das pessoas que o integram, com as histórias que compõem o regime militar brasileiro. [35]
Cabra Marcado pra Morrer foi iniciado em 26 de fevereiro de 1964 para contar a história de João Pedro Teixeira, fundador e líder da Liga Camponesa de Sapé, município do interior de estado brasileiro da Paraíba, distante 50 km da capital do estado, João Pessoa. João Pedro Teixeira foi morto em uma emboscada em 1962. Estavam envolvidos em seu assassinato, dois policiais militares e um vaqueiro que trabalhava para o latifundiário Agnaldo Veloso Borges. Considerado o mandante do crime, Agnaldo teve sua prisão decretada, porém, como estratégia, conforme era informado pela narrativa em off que acompanhava as imagens de Cabra Marcado pra Morrer, assumiu o cargo de deputado, livrando-se assim da prisão. Cargo assumido pela desistência de um deputado e outros quatro suplentes. Todos renunciaram aos seus cargos ao mesmo tempo, o que viabilizou Agnaldo, como quinto suplente, a assumir tal lugar. Todos os envolvidos no assassinato de João Pedro Teixeira foram absolvidos.
As Ligas Camponesas constituíam o lugar de convergência para as reivindicações dos trabalhadores rurais. Essas associações de trabalhadores rurais tem sua história vinculada a do Partido Comunista Brasileiro (PCB), considerado o incentivador desse movimento, cuja origem é estabelecida em meados da década de 1940, outro período de redemocratização política brasileira, após o Estado Novo instaurado pelo então presidente Getúlio Vargas. Ao final dos anos de 1940, o movimento esmorece pela interdição do PCB. Como marco de reorganização das Ligas Camponesas, é mencionado o ano de 1955, quando da fundação da Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco, SAPP, no Engenho Galileia, localizado no município de Vitória de Santo Antão, interior do estado de Pernambuco. Em 1964, o Engenho Galileia seria escolhido como o lugar de locação de Cabra Marcado pra Morrer.
Inicialmente o filme teria como locações os lugares “próprios” à história de João Pedro Teixeira, sendo que cada um dos participantes dessa mesma história, assumiria seu próprio papel. O filme seria então criado pela interpretação de personagens “reais”, assumindo-se como personagens de uma história que era deles. No entanto, um conflito perto de Sapé envolvendo policiais, empregados de uma usina e camponeses, em dias próximos ao início das filmagens, obrigou a mudança de planos. As locações de Cabra Marcado pra Morrer foram transferidas então para o Engenho Galileia e outros trabalhadores rurais assumiram as personagens. Como na ideia original, apenas a viúva de João Pedro Teixeira, Elizabete Teixeira, interpretou-se a si. Quarenta por cento do filme havia sido feito quando o Engenho Galileia foi invadido pelo exército em 1 de abril de 1964. Os principais líderes camponeses foram presos, assim como parte da equipe de filmagem. O material da filmagem foi apreendido e considerado como subversivo. Dezessete anos depois, em 1981, dois anos depois de promulgada a lei de anistia e um ano antes das eleições diretas para governadores de estados brasileiros, o diretor do filme Cabra Marcado pra Morrer, retorna à história, revisitando lugares de locação e personagens, para criar o então transformado em documentário, Cabra Marcado pra Morrer (1984).
Cabra Marcado pra Morrer, o documentário, expõe a história do filme que não foi realizado. Ao narrá-la, Coutinho recupera a história de João Pedro Teixeira, de sua esposa Elizabete e de seus filhos. Ao recompor a trajetória dessas pessoas, relata a história das Ligas Camponesas e dos trabalhadores rurais que dela faziam parte. Todas essas histórias, a do filme, a de João Pedro e sua família e a das Ligas Camponesas, são narradas em sua relação com a história da ditadura militar brasileira. Ao mencionar os motivos da interdição do filme, Eduardo Coutinho, inscreve em seu documentário as consequências sociais, culturais e históricas dos acometimentos políticos ocasionados pelo golpe de 1964.
As imagens iniciais desse documentário tinham sido coletadas em abril de 1962, quando da viagem de membros da União Nacional de Estudantes (UNE) e do Centro Popular de Cultura da UNE, pelos estados brasileiros, da qual fazia parte Eduardo Coutinho. Foi durante esse período em abril de 1962 que a história de João Pedro se tornou conhecida aos membros dessa expedição, motivando, a princípio o longa-metragem Cabra Marcado pra Morrer, que começaria a ser filmado dois anos depois, em momento coincidente a instauração do regime de ditadura militar. Junto às imagens de 1962, Coutinho insere imagens de jornais de 1962 e 1964, ilustrando eventos citados tanto pela narração em off, quanto pelos entrevistados. Artigos sobre a repercussão da morte de João Pedro, então tratado como herói; artigos sobre a apreensão do material de filmagem de Cabra Marcado pra Morrer no engenho Galileia e imagens mencionadas como da morte do líder camponês e das onze pessoas mortas no conflito que obrigou a mudança das locações, formavam o conjunto dessas imagens. Outros artigos de jornal foram usados como ilustrações das falas de outros líderes e pessoas envolvidas com a história das Ligas Camponesas e de João Pedro Teixeira. Além dessas imagens, apresentadas como ilustrações, o documentário integra outras da reação dos participantes assistindo à própria atuação nas cenas sobreviventes do longa-metragem de 1964.
Cabra Marcado pra Morrer conserva um lugar de importância dentre as representações de parte da história política brasileira. Especialmente, por manter registrado o relato da comunidade camponesa sobre a ditadura militar, algo diferente do que comumente assistimos em relação a esse período. Seu lugar como “filme-síntese”, tal qual definido por Ismail Xavier,[36] é justificado pela própria estrutura de sua narrativa, sintetizando acontecimentos políticos de um período de quase vinte anos. Mas também podemos tomá-lo como síntese de acontecimentos cinematográficos, gerados ao longo dessa distância temporal que reúne o início de sua produção em 1964 à sua recriação em 1981. Nessa síntese, Cabra Marcado para Morrer não deixa de assumir o fundo didático da produção cinematográfica do momento de “abertura” política, preservando como predominante, a linearidade da narrativa, tonalizada em algumas de suas sequencias por certo apelo ao sentimentalismo.
Uma das últimas cenas de Elizabete Teixeira no documentário, recolhida de dentro do carro da equipe de filmagem, apresenta-a motivada por um discurso que não parece ter sido derivado, naquele momento, pelas perguntas do entrevistador ou dito para uma câmera à sua frente. Nesse momento emergia a história de seu engajamento político, por vezes sobreposta no documentário pela história da mãe, viúva, que perdeu seus filhos pela necessidade de assumir a clandestinidade como forma de sobrevivência. Uma imagem significativa desse documentário: a assunção de Elizabete, emoldurada pelo interior de um carro em partida, mantida em contraposição à imagem de Eduardo Coutinho. As últimas palavras de Elizabete Teixeira, incluídas no documentário, expunham a sua indignação quanto ao discurso democrático, então pronunciado como contraditório em relação a uma realidade de baixos salários e ausência de direitos trabalhistas. Uma imagem que poderia ter sido descartada, mas que acabou escolhida para ser preservada. A intenção desse ato de edição não é sabida, ao certo, mas, a presença dessa imagem, a da eloquência de Elizabete, preserva não somente as ambivalências de certa democracia, naquele momento em reinício, mas também, as da realização de um documentário.
Coutinho, em seu documentário Cabra Marcado pra Morrer, estabelece o enlace de tempos, relacionando passado e presente, ativando memórias, mas predominantemente, tomando-as como fonte para a escrita de uma história, única, criada pela relação de várias outras.
Nos anos subsequentes à restauração do regime democrático, assistiremos em parte da produção cinematográfica brasileira, a outro tipo de relação temporal entre passado e presente. O passado não seria mais tomado como fonte ou documento, mas como sobrevivência, atualizando-se como interferências na mobilização de ações das personagens em seu tempo presente, nos apresentando histórias criadas pela inseparabilidade da “psique e sua carne”.[37] Caso, por exemplo, de filmes como Ação entre Amigos, filme de Beto Brant lançado em 1998, ou de Corpo, de Rosana Foglia e Rubens Rewald, exibido em 2007, “um filme doente, expressão nítida do estado da vida mortificada, de um tempo e um progresso que aconteceu sem acontecer”. Assim o interpreta Tales Ab´Saber em comparação a Terra em Transe, um “filme trágico, barroco, no limite da morte em vida”, que ainda pensava a história. Corpo faria “um último esforço, antes de ser totalmente sugado para o campo doentio e impotente do mero cotidiano, degradado como ele é”.[38]
Mesmo quando o tempo presente nos filmes coincide com o da ditadura, como os filmes Cabra Cega, filme de 2005 de Toni Venturi ou O ano em que meus pais saíram de férias de Cao Hamburguer, lançado no ano seguinte, não são construídos mais como a representação de uma história, mas como a “re–(a)presentação”[39] das interferências de uma história sobre as subjetividades. Mesmo nesses filmes, a memória é uma presença determinante, mas como sobrevivência, atuando na relação das personagens com o seu presente, em irrupções, acalantos nostálgicos ou ressentimentos. As imagens que compõem esses filmes re–(a)presentam, predominantemente, os interiores das casas, os objetos e as relações íntimas, pessoais, das personagens entre si, com esses seus ambientes.
Nessas produções do final dos anos de 1990 e anos de 2000, a repressão de um regime político aparece como sintomas.[40] Diferente de um conceito semiológico ou clínico, o sintoma, tal qual exposto por Georges Didi-Huberman, denotaria ao menos um duplo paradoxo: visual, o da aparição; e temporal, o anacronismo. A emergência de um sintoma, sua aparição, provocaria uma interrupção no “curso normal das coisas segundo uma lei – tão soberana como subterrânea” – que resistiria à observação “banal”. Essa “imagem-sintoma”, em nada mais estaria atuando do que sobre o curso “normal” da representação. Mas essa contradição à representação seria também a sustentação da “imagem-sintoma”, que pode ser reconhecida como um inconsciente da representação. Não somente o curso “normal” da representação seria afetado pelo sintoma, mas também o curso “normal” do tempo. Um sintoma “jamais emerge no momento correto, aparece sempre a contratempo como uma velha enfermidade que volta a importunar nosso presente”.[41] Essa emergência do “sintoma-tempo”, assim como a da “imagem-sintoma”, também se daria segundo uma lei que resistiria à observação “banal”, uma “lei subterrânea” que geraria “durações múltiplas, tempos heterogêneos e memórias entrelaçadas”, interrompendo o curso da história cronológica. E aqui outro paradoxo denotado pelo sintoma seria estabelecido: aquilo que contraria, novamente, seria sua sustentação, pela possibilidade de “pensá-lo sob o ângulo de um inconsciente da história”.[42] Apesar dessa distinção, foi conservada aqui a dubiedade desse conceito quanto a sua aproximação com a semiologia ou clínica, por reconhecer sua pertinência a algumas das imagens que compõem as ficções ora mencionadas.
Imagens criadas como re–(a)presentações das íntimas reverberações da atuação repressiva sobre a subjetividade de cada um daqueles que direta ou indiretamente experimentavam acontecimentos que moviam uma história da qual todos, inclusive nós, os espectadores, fazíamos parte. História essa que não é criada por fontes ou documentos, mas por sensações e reminiscências. Criada, portanto, por cada uma das subjetividades que a integram. Uma história, revelada em sintomas, reverberada em ressentimentos, ausências, silêncios, não ditos e contraditos; nos lapsos, nas veladuras, nas incompletudes, no medo, na incompreensão, no desconhecimento. Na euforia de um gol, misturada com a ansiedade de um menino em espera pela chegada dos pais que “saíram de férias”; o mesmo menino que assiste atônito à prisão de estudantes pelos soldados da cavalaria, em uma sequencia composta por um conjunto de imagens criadas em fragmentos, cujo ritmo determinado como captação de instantâneos, insere o espectador na turbulência.
Nesses filmes, as imagens não se configuram como eloquentes ilustrações didáticas de fatos passados, ou sua representação. Ao contrário são elas, bem como em sua relação estabelecida pela montagem, estruturadas pelo silêncio das sensações, apresentando-se como aberturas para geração de sentidos. Em Cabra Cega (2005), por exemplo, convivemos com o tormento de um militante pela impotência diante da necessidade de se manter escondido, aliada ao medo de ser descoberto, às memórias recentes da perseguição e mortes de seus companheiros, e ao encontro com as memórias de uma vizinha, marcadas pela perda de seu filho para outra ditadura, em outro tempo e lugar. Nesses filmes, a história vai se desenhando sutilmente, revelada nas reações, nos objetos, nos lugares, nos encontros e nas memórias de cada uma das subjetividades que participam desse desenho.
Começamos esse texto por Terra em Transe, filme de 1967, nos anos iniciais de um regime que duraria vinte anos. Terra em Transe apresenta o tormento de uma subjetividade política em conflito, situando-a junto ao desenvolvimento de uma história, cuja culminância alegórica se realiza pela convergência entre o coroamento de Porfírio Diaz e o fenecimento agônico de Paulo Martins. Pra frente Brasil, exibido em anos de reabertura, se sustenta por uma estrutura narrativa própria ao romance, descrita em uma organização de fatos sucessivos em um tempo determinado, enredados pela relação entre a história individual e coletiva. Um homem é preso, torturado e morto, enquanto o Brasil ganha a copa do mundo. A história camuflada é revelada. O momento de restauração da democracia era propício a revelações, cuja demanda fez valer o exagero didático, transformando a história em romance. Contemporâneo a esse período, Cabra Marcado pra Morrer, expõe a articulação entre a memória individual e coletiva, criando uma história no entrelaçamento de vários e diferentes tempos e espaços. Nesses dois últimos filmes, embora pertinentes a gêneros diferentes, há como ponto em comum, a predominância da construção e reconstrução histórica, realizada sob a preocupação pedagógica, e por isso, a criação de evidências em auxílio mútuo às explicações.
Também nos quatro últimos filmes mencionados encontramos os enlaces entre histórias e memórias individuais e coletivas. No entanto, diferentemente dos anteriores, suas narrativas são definidas pelos deslocamentos temporais. Neles a cronologia é rompida por imagens que emergem como sintomas. Sintomas de uma época reverberada na turbulência das emoções e ações. Talvez pela distância no tempo e pela necessidade de elaboração de um passado recalcado, pois silenciado, não dito ou distorcido, encoberto por veladuras que amenizam o choque e a identificação, ou mesmo apagado, esquecido sem nunca ter sido lembrado, porque ignorado, assistimos a produções que abordam a história pela “espessura de memórias múltiplas”,[43] mantendo o que a define em sua complexidade: a heterogeneidade de tempos e a permanência de lacunas, jamais resolvidas senão em aparições sintomáticas, não raro, nefastas, como muito temos, continuamente, experimentado, ainda em transe.
Notas
[1] Georges Didi-Huberman, Imagens apesar de tudo, t. Vanessa Brito e João Pedro Cachopo,Lisboa, KKYM, 2012, pp.86-87.
[2] Glauber Rocha, Revolução do Cinema Novo, São Paulo, Cosac Naif, 2004, p.123.
[3] Walter Benjamin, Origem do Drama Trágico Alemão, t. João Barrento, Lisboa, Assírio & Alvim, 2004, p. 32.
[4] Jean-Marie Gagnebin, “O preço de uma reconciliação extorquida”, en Edson Teles y Wladimir Safatle (coords.), O que resta da ditadura, São Paulo, Boitempo, 2010, pp. 177-186.
[5] Edson Teles y Wladimir Safatle (coords.), O que resta da ditadura, op. cit., p.9.
[6] Ficção aqui entendida como forma fabricada para dar “sentido ao mundo e a nós mesmos, para tornar visível o invisível, aquilo que não vemos, que não nos é dado a ver ou aquilo que nos escapa”. Ulpiano Toledo de Bezerra Meneses, “Entrevista concedida ao jornal Cores Primárias”, documento electrónico: http://www.coresprimarias.com.br/ed_10/ulpiano_imp.html, acceso 20 de julio de 2016.
[7] Georges Didi-Huberman, Devant L´Image, Paris, Les éditions de minuit, 1990, p.11.
[8] Georges Didi-Huberman, Imagens apesar de tudo…, op. cit., p.169.
[9] Edson Teles, Brasil e África do Sul: paradoxos da democracia,São Paulo, 2007, 78f, Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007, p. 42.
[10] Glauber Rocha, op. cit., p. 297.
[11] Ibíd., p.117.
[12] Ibíd., p. 118.
[13] Idem.
[14] Ibíd., p. 123.
[15] Idem.
[16] Idem.
[17] Idem.
[18] Idem.
[19] Ibíd., p. 173.
[20] Idem.
[21] Op. cit., p. 87-98.
[22] Ismail Xavier, O Cinema Brasileiro Moderno, São Paulo, Paz e Terra, 2001, p.70.
[23] Glauber Rocha, op. cit, p. 172.
[24] Idem.
[25] Ibíd., p.121.
[26] Idem.
[27] “Cineastas pedem filme liberado”, Jornal do Brasil, 10/04/1982, p. 5.
[28] Marcos de Sá Corrêa, “Pra frente Brasil”, Jornal do Brasil, 02/04/1982, p. 11.
[29] Georges Didi-Huberman, O que vemos, o que nos olha, t. Paulo Neves, São Paulo, Editora 34, 2010, p. 77.
[30] Ismail Xavier, O Olhar e a Cena, São Paulo: Cosac Naif, 2003, p. 131.
[31] Idem.
[32] Glauber Rocha, op. cit., pp. 127-150.
[33] Ibíd., p.130.
[34] Ismail Xavier, O Cinema Brasileiro Moderno, op. cit., p.36.
[35] Idem.
[36] Idem.
[37] Georges Didi-Huberman, L´image survivante: histoire de l´art et temps des fantômes selon Aby Warburg, Paris, Les éditions de minuit, 2002, p. 307.
[38] Tales Ab´Saber, “Brasil, a ausência significante política (uma comunicação)”, en Edson Teles y Wladimir Safatle (coords.), op. cit., pp. 198.
[39] O conceito de “re-(a)presentação” é exposto por Paul Ricouer ao definir a “lembrança secundária”, como a reprodução de um “objeto temporal”, desprendido da sua percepção original. Ele já é passado, mas, o seu desencadeamento mantém um lastro com o “presente e sua cauda de cometa”. Nesse movimento próprio à memória, passado e presente vinculam-se por um lapso temporal. Paul Ricouer, A memória, a história, o esquecimento, t. Alain François [et al.], Campinas, Editora Unicamp, 2008, pp.52-53.
[40] Georges Didi-Huberman, Ante el tiempo: história del arte y anacronismo de las imágenes, t.Antonio Oviedo, Buenos Aires, Adriana Hidalgo, 2008, pp. 63-64.
[41] Idem.
[42] Idem.
[43] Ibíd., p. 62.