A cor do pergaminho nas iluminuras do manuscrito BM Cambrai 528 (século XII)

The color of the parchment in the illuminations of the BM Cambrai 528 manuscript (12th century)

Pamela Wanessa GodoiLaboratório de Teoria e História das Mídias Medievais, Brasil

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> autores

Pamela Wanessa Godoi

orcid logo https://orcid.org/0000-0002-0084-3417

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  Pesquisadora do LATHIMM, é doutoranda pelo PPG-HIS da USP, no Brasil, sob orientação da doutora Maria Cristina Pereira, com estágio no exterior pela Université de Dijon, na França. É licenciada em História e Mestra em História Social pela UEL, com publicações na área de história das imagens medievais, sendo a mais recente um capítulo do livro Encontros com as imagens medievais: volume II.

Recibido: 26 de mayo de 2023

Aceptado: 7 de septiembre de 2023





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> como citar este artículo

Pamela Wanessa Godoi, «A cor do pergaminho nas iluminuras do manuscrito BM Cambrai 528 (século XII)«, caiana. Revista de Historia del Arte y Cultura Visual del Centro Argentino de Investigadores de Arte (CAIA). N° 23 | Primer semestre 2024, pp. 25-42.

 

 

 

 

 

 

 

> resumen

O objeto deste artigo é a cor do pergaminho nas iluminuras do manuscrito litúrgico de cota BM Cambrai 528, feito entre o final do século XI e o início do século XII, que esteve sob posse da abadia de Saint-André-du-Câteau. Durante a análise cromática das imagens, a cor do pergaminho – levemente amarelada, uniforme e opaca – mostrou desempenhar funções específicas na elaboração de sentidos delas. Partindo da consideração de Michel Pastoureau de que as cores são objetos da história, analisam-se aqui as relações entre as cores encontradas nas imagens desse códice, demonstrando que a cor do pergaminho fez parte da paleta de cores usadas conscientemente pelo(s) iluminador(es), servindo como escolha cromática para determinadas áreas e funcionando analogamente às cores provenientes das tintas.

Palabras clave: cores, pergaminho, manuscritos, BM Cambrai 528, Homiliário de Saint-André-du-Câteau

> abstract

The object of this article is the color of the parchment in the illuminated liturgical manuscript BM Cambrai 528, made between the end of the 11th century and the beginning of the 12th century, which was in the possession of the abbey of Saint-André-du-Câteau. During the chromatic analysis of the images, the color of the parchment – slightly yellowish, uniform and opaque – was shown to play specific roles in the elaboration of their meanings. Based on Michel Pastoureau’s consideration that colors are objects of history, the relationships between the colors found in the images of this codex are analyzed here, demonstrating that the color of the parchment was part of the color palette consciously used by the illuminator(s), serving as a chromatic choice for certain areas and functioning analogously to the colors coming from paints.

Key Words: colors, parchment, manuscripts, BM Cambrai 528, Homiliary of Saint-André-du-Câteau

A cor do pergaminho nas iluminuras do manuscrito BM Cambrai 528 (século XII)

The color of the parchment in the illuminations of the BM Cambrai 528 manuscript (12th century)

Pamela Wanessa GodoiLaboratório de Teoria e História das Mídias Medievais, Brasil

“Cor” é uma noção complexa, ainda que seja perceptível como um fenômeno cotidiano.[1] Manlio Brusatin, explicou que muitos trabalhos não tratavam da cor como um tema e estavam mais preocupados com questões relativas à luz.[2] John Gage, apontava para as dificuldades de um estudo acadêmico das cores, pois, até então, não havia um campo com o tratamento acadêmico adequado para essa temática.[3] Porém, alguns novos estudos tem abertos importantes caminhos como a coleção de dicionários elaborados pela linguista Annie Mollard-Desfour e a coleção, que vem sendo publicada por Michel Pastoureau.[4] O autor compartilha da proposta de Mollard-Desfour e apresenta em cada livro a análise de uma cor; no entanto, em vez de enfatizar questões de semântica, ele tem como objetivo refletir sobre as cores como objetos da História.[5]

Apropriamo-nos dos estudos de Pastoureau para identificar as funções e os modos de funcionamento referentes à cor do pergaminho nas iluminuras de um manuscrito conservado na Biblioteca Municipal de Cambrai, catalogado com a cota 528 (BM Cambrai 528). O trabalho foi feito com fotografias digitais e análises organolépticas. A plataforma BVMM disponibiliza fotografias em preto e branco do microfilme integral do códice, além de fotografias coloridas de fólios que contêm imagens.[6] Também 1120 fotografias podem ser consultadas em nosso acervo pessoal, feito durante a realização de análises codicológicas, em três ocasiões de trabalho de campo (2014, 2019 e 2023).

O manuscrito tem sido estudado apenas recentemente, e ainda há diversas lacunas a seu respeito. Os primeiros dados sobre ele foram publicados no Catalogue descriptif et raisonne des manuscrits de la bibliothèque de Cambrai, organizado por André J. G. Le Glay, em 1831.[7] Depois disso, outras observações foram feitas por Achille Joseph Durieux, em 1861 e 1874.[8] O Catalogue général des manuscrits des bibliothèques publiques de France, organizado por Auguste Moliner, em 1891, revisou as informações e modificou a numeração do manuscrito de 487 para 528.[9] Em 1948, André Boutemy publicou alguns apontamentos que chamaram a atenção de Jean Porcher, sendo que em 1954 ele realizou uma exposição na qual o códice figurou como um dos exemplos de manuscritos românicos.[10] Em 2000, foi publicado o Manuscrits datés des bibliothèques publiques de France, de Denis Muzerelle, que revisou algumas das informações e serviu de fonte para os catálogos online BVMM e Initiale.[11]

Algumas pesquisas apontam descrições de imagens isoladas do BM Cambrai 528, como os trabalhos de Jonathan J. G. Alexander e Walther Cahn, Ursula Wolf, Leslie Ross, François Avril, Claudia Rabel e Isabelle Delaunay, Yolanda Zaluzka, Charlotte Denoël, Lawrence Nees, Isabelle Renaus-Chamska e Maria Cristina Pereira.[12] Em 1994, Carolina Roudet realizou um master pela Universidade de Paris X, com o objetivo de descrever o códice.[13] Recentemente um trabalho de divulgação de informações tem sido feito por Fidel Pascua Vílchez, que publicou artigos com descrições e análises de alguns fólios.[14]

Esses trabalhos dedicaram-se a análises diversas, entre elas estão indicações iconográficas, que tem poucas divergências. Também em nosso trabalho, fazemos indicações sobre a iconografia que partem de análises feita anteriormente por nós. Sobre a datação, há apontamentos que indicam o século XI ou XII. O estilo artístico pode ser é o românico, e a grafia a minúscula carolíngia. Uma lista cronológica de Papas escrita no último fólio, na qual a última data, apresentada em branco, é 1200 também foi usada para datar o códice. Além disso, existe uma hipótese de que o manuscrito seria um códice inaugural da biblioteca de Saint-André-du-Câteau, que teria sido fundada em 1025.[15]

Até o momento, o que parece mais plausível é a localização do códice como tendo sido produzido entre o final do século XI e o início do século XII, considerando as comparações iconográficas e paleográficas, além do contexto referente à região de produção e uso do códice, visto que a lista com a cronologia papal pode ter sido inserida posteriormente à produção do manuscrito, e a datação da fundação de Saint-André-du-Câteau pode ser um pouco posterior.

Sobre a destinação do códice, o mais aceito é sua posse pela abadia beneditina de Saint-André-du-Câteau, que esteve localizada, até o século XVIII, na cidade de Le Câteau, na região norte da atual França. Como vestígios dessa posse foram consideradas duas inscrições que nomeiam a abadia (ff. 273r e 275v) junto à imagem de abertura que apresenta Cristo entre santo André e santa Maxelenda –uma santa local que teve as relíquias enviadas a Saint-André-du-Câteau (f. 2r). No entanto, não há documentação sobre o scriptorium de produção. Nossa análise do códice discute a fatura realizada na região, podendo apontar Saint-Sepulcre de Cambrai ou Saint-Amand como possíveis abadias responsáveis pela cópia e a iluminação do códice.

O manuscrito mede 445 mm por 338 mm e possui 273 fólios em pergaminho. A encadernação é em couro marrom e não há nenhum registro de quando foi feita. Por suas características (tipo de couro, costura, conservação, inscrições etc.), aparenta ser moderna. Houve a desencadernação e a intervenção de alguns fólios, com o acréscimo de adesivos de pergaminho em áreas de deterioração, como as margens. Além disso, houve o aparamento dos fólios, tanto na sua margem inferior quanto na superior, danificando algumas das imagens.

Encontram-se duas foliotações: uma pintada em números romanos, com sistema francês, no centro do verso dos fólios –que não é original, mas é anterior ao aparamento dos fólios– e outra feita com grafite, em números arábicos, na margem superior esquerda, no lado reto do fólio. As duas têm erros de sequência (a romana salta do C para o CII, e a arábica do 175 para o 178), que não se confirmam quando observada a continuidade do texto, sendo que a primeira também não considera o primeiro e o último fólio do códice. Baseamo-nos na foliotação em números arábicos, pois ainda que haja um erro, essa sequência considera todo o códice, além de ser mais visível nas imagens digitais, facilitando a localização do conteúdo.

Atualmente são 35 cadernos, em sua maioria compostos por quatro bifólios cada –sendo o primeiro um singulário, e o décimo oitavo um quinterno–, e mais cinco fólios volantes (ff. 1, 141, 163, 274 e 275). Nossas análises apontam que o fólio 1r, que possui uma imagem no reto e um Caligrama no verso, pode ser sido acrescido no final da produção; o fólio 141 faz parte da produção original, por seguir o mesmo estilo de grafia e a sequência do texto; o fólio 163 é uma inserção mais recente percebida por diferenças no tipo de letra e na continuidade do conteúdo; e os fólios 274 e 275 podem ser parte de um mesmo bifólio, mas foram divididos por uma intervenção de restauro moderna.[16]  O conteúdo do fólio 274 liga-o à produção original e é a continuidade do fólio 273, já o conteúdo do fólio 275 –a lista de Papas no reto e um sermão final no verso– pode ser uma inserção feita pouco depois da produção.

O texto copiado em minúscula carolíngia foi dividido em duas colunas, variando entre 42 ou 43 linhas. Identificamos pelo menos dois copistas, sendo que um deles foi responsável pela maior parte do texto e pelas rubricas. O conteúdo é de textos litúrgicos que compõem as leituras do Temporal de Verão, incorporando as celebrações que ocorrem durante o tempo pascal: começando no sábado da Semana Santa e percorrendo o Domingo de Páscoa, o Pentecostes e alcançando a festa da Santíssima Trindade. Essa seção prossegue com as celebrações sequenciais do Tempo Comum.

A segunda parte do códice, iniciada no fólio 120v, contém leituras destinadas para as celebrações do Santoral. Esse começa pelas leituras referentes a Santo Estêvão, realizadas no dia 26 de dezembro, e estendendo-se até as leituras concernentes a Santo André, celebradas em 30 de novembro, finalizadas no fólio 208r. Além disso, abrange o Comum dos Santos, com leituras para os dias dedicados a santos, como apóstolos, mártires, confessores e virgens. Por fim, o códice também incorpora leituras destinadas às celebrações de Dedicação da Igreja. Sua função litúrgica não é dissociada nas análises das cores, além disso, a compreensão do contexto litúrgico de uso do manuscrito também é relevante na identificação das funções e modos de funcionamento das imagens.[17] A ornamentação é bastante profícua. O manuscrito conta com 300 iniciais coloridas e 45 iluminuras pintadas, entre elas duas imagens de abertura de página inteira (ff. 1r e 2r), duas imagens nas colunas de textos (ff. 38v e 71v) e 41 iniciais contendo imagens decorativas, narrativas e ostensivas.

Para a análise cromática desse códice foi fundamental identificar a paleta de cores usada na fatura das imagens e uma questão importante colocou-se: o pergaminho –que tem uma cor característica– faz parte dessa paleta de cores, ainda que não seja uma tinta? Ou seja, a cor levemente amarelada da pele faz parte das escolhas cromáticas tomadas quando da fatura das imagens? Ponderamos que sim: o aspecto uniforme, claro e sem brilho do pergaminho parece ter sido elemento importante na formação cromática das imagens, pois as formas sem tinta que se caracterizam pela cor opaca e levemente amarelada foram deixadas em áreas específicas das imagens, como as regiões das mãos e dos rostos dos personagens; além disso, essas áreas estabelecem relações próprias com outras em que se empregaram tintas.

A cor do pergaminho não foi inserida nas imagens por meio de técnicas ou substâncias, ela vem do próprio material: a pele do animal. Não é comum nos estudos de manuscritos, do ponto de vista da História da Arte, que essa cor seja considerada como pertencente à paleta de cores. Em geral, a cor, a flexibilidade e a textura são elementos usados para caracterizar o pergaminho durante a descrição codicológica. Essa também é nossa preocupação. Em nossas análises codicológicas, constatamos que a pele usada para o pergaminho tem uma espessura levemente grossa e uniforme em todo o códice. Em alguns locais, o pergaminho está um pouco enrijecido, principalmente nas margens superiores e inferiores, sendo que, em alguns casos, todo o fólio apresenta certa inflexibilidade, que parece fruto de um ressecamento. Quanto à cor, de modo geral, o pergaminho apresenta a tonalidade levemente amarelada, sendo que, em alguns fólios, há um escurecimento mais pujante, com manchas irregulares, que indica a incidência de reação fotoquímica na área. Também é possível identificar ataque de pequenos parasitas que magoam a pele, restando marcas e manchas em vários fólios.

Isidoro de Sevilha, no livro VI das Etimologias, denomina o pergaminho como “membrana” e lembra que a cor era amarela (coloris lutei) no início, mas que, depois, exemplares mais claros foram encontrados em Roma.[18] O que Isidoro chama a atenção é para as diferentes nuances que a pele do animal pode apresentar. Para refletir sobre a cor do pergaminho, consideramos sua condição natural, orgânica, e não descartamos as ações posteriores em relação ao uso do códice e as gradações da cor que podem existir por essas ações. Muitas são as variantes que podem modificar as características da pele e estas têm sido continuamente objeto de estudo de diversos pesquisadores.[19]

Também há análises que consideram a cor relacionada ao uso da pele. Marie Aschehoug-Clauteaux, por exemplo, lembra que: “[…] o pergaminho não é um espaço neutro, puramente utilitário, mas sim um espaço necessário, base sobre a qual repousarão todas as outras cores. Não só tem seu lugar na imagem, mas também tem sua função no sistema de cores do manuscrito”.[20]

Outro dado significativo diz respeito ao próprio animal usado. O tamanho dos bifólios do BM Cambrai 528 (c. 445 mm x c. 676 mm) e sua textura apontam para um animal de porte médio, cabras ou ovelhas, talvez pequenos bezerros. Além disso, as bordas côncavas encontradas nas laterais, como as dos fólios 52, 76 e 77, podem ser identificadas como regiões dos membros, axilas ou caldas dos animais. Isso confirma o aproveitamento máximo das dimensões e é uma forte evidência para estabelecer o tipo de animal usado. No entanto, Zerdoun alerta que:

[…] a observação dos manuscritos dificilmente permite o reconhecimento do animal que teve sua pele usada: as fibras da derme não apresentam diferenças suficientes entre um tipo de animal e outro, e elas não guardam praticamente nenhum traço do tratamento químico ao qual foram submetidos.[21]

Observa-se que há pouca diferença em relação às características organolépticas do lado pelo e do lado carne, apenas alguns vestígios de pelo e de poros podem ser visualizados. O manuscrito parece seguir a Regra de Gregory,[22] segundo a qual as faces do pergaminho são coincidentes, mas não há uma preferência por um dos lados na construção das imagens. Em relação à cor, também não há diferenças significativas e os dois lados do fólio apresentam uma tonalidade bem próxima.

Adentramos na questão da cor do pergaminho para além das análises codicológicas a fim de confirmar se as características da cor levemente amarelada da pele usada como pergaminho na produção do BM Cambrai 528 foram relevantes nas escolhas cromáticas das imagens. As cores estão presentes em todo o manuscrito: o marrom predomina na mancha do texto, mas também foi usado no traçado das imagens; as iniciais foram coloridas com tinta vermelha ou verde, e muitas delas foram decoradas com o azul e o amarelo. As cores, portanto, funcionam não apenas como ferramenta de inserção de informação, mas também como organização e ornamentação do manuscrito.

Ao identificar quando determinadas cores foram usadas juntas, separadas, em contato com outras cores ou quando são preferidas ou preteridas dependendo da forma, do espaço, da quantidade etc., compreendem-se as funções e os modos de funcionamento de cada uma delas. Nossa abordagem considera a importância das possíveis relações existentes, que podem ser visualizadas hoje, para entender como a cor que não é proveniente de uma tinta –a do pergaminho– pode ser listada na paleta de cores. Assim, temos um quadro com a paleta de cores, identificando-as com base em pequenos recortes de fotografias do manuscrito BM Cambrai 528; um nome para a cor visualizada, sem distinção de tonalidades; suas características materiais; e as principais zonas ocupadas por cada cor, considerando todo o manuscrito (Tab. 1).

Ao questionarmo-nos sobre a função da cor do pergaminho do BM Cambrai 528, observamos seu uso intenso em todas as imagens. Compreende-se que não havia falta de tinta para a ornamentação do códice, pelo contrário, tinha-se uma abundância de quantidade e de variedade, que pôde ser trabalhada pelo(s) iluminador(es). Mas as relações estabelecidas entre a cor do pergaminho e as outras cores são a chave para compreender o uso consciente dessa cor. É a partir da conexão entre cores que buscamos compreender o papel de cada uma delas.

No entanto, ainda que bons alicerces tenham sido construídos, a análise cromática pode ser uma tarefa cheia de armadilhas. Assim, é imprescindível apontar que, segundo Pastoureau, três grandes desafios colocam-se ao historiador das cores[24]. Primeiro o documental: na Idade Média não há como medir as perdas e avaliar questões quantitativas, por exemplo. No caso, no BM Cambrai 528, não temos uma relação de manuscritos destinados à mesma biblioteca, e não sabemos exatamente o scriptorium de produção do códice, dificultando comparações documentais assertivas. Além disso, os desgastes são incontornáveis: a oxidação dos materiais e as consequências das manipulações ao longo do tempo podem modificar consideravelmente as cores visíveis. Da mesma maneira, condições de iluminação alteram a percepção do efeito das cores. Ademais, há ainda as questões de visualização digital, pois a tela do computador difere as cores, e esse meio possibilita manipulações em diferentes camadas, envolvendo luz, brilho, saturação etc. em segundo lugar as dificuldades epistemológicas onde desafio reside em evitar a projeção de sentidos, as classificações e os conceitos bem-definidos na atualidade para as cores utilizadas na Idade Média. Nesse sentido, segundo Pastoureau, no contexto da Idade Média por exemplo, seria equivocado considerar o azul uma cor primária e fria, por exemplo.[25] O terceiro refere-se ao vocabulário utilizado: não existe uma paleta universal que possa servir de parâmetro confiável. As cores são diversas e variadas e, de acordo com Pastoureau, é desnecessário para o pesquisador nomear com exatidão inúmeras nuances e tonalidades, pois isso pode gerar confusão e erros. Além disso, identificar a cor por meio de adjetivos complexos ou associados ao tipo de pigmento acarreta riscos de fazer-se julgamentos de valor ou de utilizar-se expressões incompreensíveis para leitores de outras línguas. O melhor é identificar a cor-base e, se necessário, simplificar a adjetivação ou numerar as variações, como: azul brilhante, azul-escuro ou azul 1, azul 2 etc.[26] Segundo Pastoureau:

Na Idade Média ocidental se conhecem onze [cores]: branco, amarelo, vermelho, verde, azul, preto (cores principais, às quais se somam por vezes o dourado, que apresenta problemas particulares); roxo, cinza, marrom, rosa e laranja (cores de segunda ordem). O resto são apenas sombras e nuances, pouco interessantes para o historiador. Se se quiser ser preciso, deve-se usar adjetivos simples que todos possam entender: claro/escuro, fosco/brilhante, saturado/insaturado.[27]

As dificuldades de vocabulário, junto ao desafio do anacronismo, demostram a impossibilidade de propor uma estrutura única que compreenda a função e os modos de funcionamento das cores durante a Idade Média, em muito pela pluralidade de parâmetros percebidos em estudos específicos. Do ponto de vista epistemológico, parece mais relevante refletir sobre as variações com base em uma série e compreender os processos culturais e sociais ocorridos na Idade Média, visíveis nos usos das cores em determinados objetos.

As dificuldades metodológicas concentram-se na escassez de trabalhos gerais, mas também podem ser superadas pelo enfoque no objeto. Os manuscritos tornam-se importantes instrumentos para o desenvolvimento dos estudos sobre as cores, uma vez que a análise cromática de alguns deles possibilita estabelecer relações entre várias cores, devido à diversidade encontrada nesse tipo de suporte. Segundo Pastoureau:

Uma cor nunca vem sozinha, apenas assume o seu significado, apenas “funciona” e plenamente significa na medida em que é associada ou oposta a uma ou mais outras cores e colocada num contexto. São essas associações ou oposições que compõem o sistema e ajudam a entender as diferentes funções da cor na imagem.[28]

Portanto, a cor nunca tem um significado por si só. Dessa forma, construir uma série para análise cromática, como fazemos nesse estudo, é fundamental, e esse tipo de ferramenta metodológica não é novidade. Jérôme Baschet apontava a necessidade da adoção de séries para o estudo das imagens desde a década de 1990.[29] Pastoureau complementou que, do mesmo modo que o estudo das imagens, o estudo das cores precisa estabelecer relações seriais.[30]

Outro ponto diz respeito ao que Baschet chamou de inventividade: ainda que houvesse certas regras, a construção da imagem medieval concedeu espaço para a criatividade do artista.[31] A escolha das cores das iluminuras foi, em grande medida, uma das práticas próprias dos iluminadores durante a fatura do códice. Essa prática pôde desenvolver um caráter individual, pois, ainda que seja possível perceber certos padrões, eles não são constantes. Enquanto o texto estava, muitas vezes, restrito a cópias, e a grafia precisava seguir regras padronizadas para ser valorizada –pois, segundo Bischoff, quanto mais padronizada a letra, melhor era visto o copista–[32] a fatura das imagens seguia menos diretrizes e permitia um maior espaço para a inventividade.

Assim, a análise cromática do códice BM Cambrai 528 foi feita considerando as recomendações dadas por Pastoureau: começar por uma análise interna e identificar as relações das cores entre si para apontar um sistema de códigos que determina as possíveis funções e os modos de funcionamento das iluminuras.[33] Nesse processo, a cor do pergaminho mostrou-se, ela também, importante na construção das imagens.

Também foi relevante ressaltar a distinção que deve ser feita entre cores, pigmentos e tintas. A cor pertence ao espectro visível, pode ser definida como um fenômeno de percepção que envolve fatores naturais ou físicos relacionados a uma fonte de luz sobre determinado objeto, conforme a definição moderna. O pigmento é uma substância que pode ser encontrada na natureza ou produzida quimicamente por meio de uma grande diversidade de elementos vegetais, animais e minerais, além de sintéticos. Tinta, por fim, é a substância constituída de um corante (feito de pigmento) e de um aglutinante e que é usada para a pintura. Essas são definições que acompanham o que se sabe sobre as cores atualmente.

As discussões teológicas medievais também abordaram a questão das cores. No século VI, Isidoro de Sevilha informava que as cores eram chamadas color por nascerem do calor do fogo;[34] e o Papa Gregório Magno criticava aqueles que se apegavam à cor quando olhavam as imagens[35]. Alguns séculos depois, a disputa intensificou-se e dois importantes intelectuais posicionaram-se em polos opostos: o abade Suger defendeu que as cores faziam parte da luz e que a luz era divina, recomendando que, quanto mais luz/cor houvesse, mais perto de Deus estaríamos; o abade Bernardo de Claraval criticou vigorosamente o uso da cor e de imagens, pois elas seriam apenas matéria e distanciariam os homens de Deus.[36]

Além disso, as cores mantiveram uma forte relação com os componentes materiais. Estudar as cores das iluminuras exige uma aproximação de práticas muito particulares da produção dos manuscritos iluminados medievais: a produção das tintas. As tintas eram feitas de modo artesanal e o uso de pigmentos em receitas diversas fazia com que fosse possível uma marcante variação na tonalidade resultante, dependendo não apenas da matéria-prima, mas também do processo de produção.[37] Não restaram muitos documentos sobre o processo de fabricação de tintas, mas alguns tratados, como o do pintor Cennino Cennini, demonstram que eram necessárias habilidades para transformar pigmentos em tintas:

Para fazer azul, pegue lápis-lazúli, lave-o bem com água quente e, em seguida, moa-o bem em uma pedra com água. Depois, coloque a pasta em uma tigela e deixe secar ao sol ou em um lugar quente. Quando estiver seco, coloque-a em um vaso com água e deixe descansar por algum tempo; em seguida, coloque-a em um saco de linho e aperte bem para extrair todo o suco. Então, coloque o suco em um vaso de vidro e cozinhe em banho-maria até que engrosse. Deixe esfriar e, em seguida, misture com um pouco de goma arábica e reserve em um frasco de vidro bem fechado.[38]

Do ponto de vista analítico, Pastoureau aconselha a estudar os pigmentos e os colorantes primeiro com base nas concepções medievais dos materiais, mas, sempre que possível, avançando nas análises e utilizando novos conhecimentos, como o uso de equipamentos e de técnicas de laboratório. Nesse campo, a área de Restauro e Conservação tem feito grandes avanços. Michelle P. Brown, em sua análise do Evangeliário de Lindisfarne, propôs uma importante alternativa para a análise de iluminuras. No trabalho realizado por uma equipe multidisciplinar durante a desencadernação do códice, foram usados microscópios, raio X, assim como outros equipamentos de alta tecnologia, para filmar, fotografar e fazer testes químicos e físicos nos fólios, apresentando um conjunto de informações antes não conhecidas, como alguns dos tipos de pigmento utilizados para a coloração. Ao analisar as questões materiais das tintas usadas nesse códice, Brown acrescentou elementos sobre sua história e o cenário de sua produção, contribuindo para as discussões historiográficas.[39] Contudo, Bernard Guineau, especialista em estudos químicos de pigmentos, alertou que alguns obstáculos ainda distanciam os estudos de pigmentos feitos nos laboratórios dos estudiosos teóricos, como a linguagem:

Sérios obstáculos, no entanto, impedem essa evolução e o primeiro deles é o de uma linguagem comum a todas essas disciplinas para designar, quantificar, levar em conta a informação colorida. A lacuna está longe de ser preenchida entre a fórmula desenvolvida do químico que identifica um edifício poliatômico, um cristal colorido ou uma função cromófora e a terminologia específica do filólogo e do gramático que estuda textos ou inscrições antigas ou a análise descritiva e às vezes subjetiva do historiador da arte ou do cientista da computação. A dificuldade ainda existe, de fato, para designar o resultado das observações e para comunicá-lo de forma inequívoca a todos os ramos da comunidade científica, independentemente das restrições de espaço e tempo.[40]

No Brasil, a dificuldade da padronização dos termos soma-se à deficiente formação e à ainda menor estrutura física e de equipamentos para os trabalhos realizados em solo nacional. Contudo, as lacunas têm sido preenchidas com o crescente diálogo de pesquisadores, como é o caso da conservadora-restauradora da Fundação Biblioteca Nacional do Brasil Isamara Lara de Carvalho, que tem feito um trabalho cuidadoso de investigação de pigmentos no manuscrito conhecido como Livro de Horas dito de D. Fernando (50,1,1), da Fundação da Biblioteca Nacional do Brasil, durante o desenvolvimento de sua tese de doutorado na Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais.

Consideradas a importância e as dificuldades dos estudos materiais, é preciso reafirmar que eles exigem um aparato tecnológico e um maior financiamento, por vezes impossíveis de serem dirigidos a alguns tipos de manuscritos. Portanto, salientamos que, no estudo aqui apresentado, as características materiais visíveis hoje foram observadas de maneira organoléptica, e não houve exames técnicos, ou seja, ocupamo-nos da cor como espectro visível. Nossa proposta atribui às cores a função de objetos históricos, em que sentidos e significados estão atrelados às condições de produção e de utilização do manuscrito e podem ser percebidos nas associações que foram estabelecidas entre elas. A interação entre as cores e o pergaminho importa-nos mais.

Nesse sentido, também salientamos que as reações que podem alterar a cor do pergaminho foram consideradas, mesmo que não tenham sido identificadas. A cor, assim como outras características materiais, está diretamente relacionada à qualidade e/ou à idade do animal. Após a finalização dos processos de preparo, outras reações podem modificar a tonalidade do pergaminho, tais como reações foto-oxidativas, que estão relacionadas à incidência de luz e oxigênio, além de reações de temperatura, principalmente o calor e a umidade. Isso pode escurecer o pergaminho e, em casos mais raros, alterar sua cor. Dessa forma, cientes do papel do tempo e de modificações ambientais, as características materiais percebidas na análise organoléptica do códice BM Cambrai 528 são fundamentais para compreender as relações das cores.

 

Análise cromática

Em um primeiro momento, observamos o quadro de cores do códice (Tab. 2) e constatamos que o amarelo-pálido está presente em todas as imagens, mas outras cinco cores também foram muito utilizadas nas iluminuras do códice BM Cambrai 528. Esses dados demonstram que há nas imagens uma variação das cores. O(s) iluminador(es) elaborou(aram) imagens multicoloridas e, assim, o uso da cor do pergaminho como parte da paleta foi uma ferramenta que contribuiu para a variação. O amarelo-pálido participa como uma cor possível, que, junto às tintas, agrega pluralidade cromática às iluminuras, independente de ter havido variação de cor por degradação. Ou seja, mesmo que o pergaminho fosse mais claro, ou mais branco, por exemplo, sua função no auxílio à variação seria a mesma.

Sobre a diversidade de cores nas imagens do códice BM Cambrai 528, dois modos de funcionamento principais podem ser observados: 1) o uso de tintas no reforço do contorno das figuras; 2) o uso das cores como fundo das imagens. Observar como a policromia foi aplicada nas imagens demonstra que o amarelo-pálido não foi usado despropositadamente, mas considerado intencionalmente como parte da paleta de cores disponíveis.

No primeiro modo de funcionamento identificado, pode-se perceber que a diversidade cromática das imagens foi aplicada por meio da técnica de reforço do contorno feita com tinta. A aplicação dessa técnica, que valoriza o traçado e, ao mesmo tempo, economiza tinta, argumenta em defesa de um sistema cromático variado e reforça a consideração do suporte como uma cor. A imagem feita pelo contorno ocupa uma área, quando há traços de tinta o volume é destacado, quando essa área não tem aplicação de tinta o que predomina não é a identificação do vazio, mas a cor do pergaminho.

Uma ressalva importante sobre essa técnica é que, apesar da diversidade de cores e da grande quantidade de imagens desse manuscrito, não se pode falar em um importante montante de tinta utilizada. Nenhuma das imagens foi totalmente coberta por tinta. Além disso, a multiplicidade de modos de fazer reforça que, durante a elaboração das imagens, foi possível fazer escolhas sobre o uso das tintas e, possivelmente, das cores.

Um importante exemplo do uso das tintas para reforçar o traçado e dar volume às formas é a imagem de Cristo no fólio 11r (Fig. 1).

Na iluminura que forma a inicial I, pode-se ver o contorno marrom e vermelho que delineia a figura de Cristo e os traços de tinta verde e vermelha que seguem o contorno. Nesse caso, as tintas funcionam para dar textura e volume às roupas e aos acessórios do Cristo. Recorre-se ao uso sólido da tinta apenas na pintura da auréola, em que a tinta amarela cobre todo o espaço e a tinta verde preenche a cruz. Mas, no corpo de Cristo, ainda que se possa ver o claro e pálido pergaminho, as formas são coloridas de verde e vermelho. A textura densa e o brilho dessas tintas diferenciam as áreas sem nenhuma tinta no espaço das margens e ornamentam a iluminura.

O uso da pintura, em geral por meio de traços, atribui a essas áreas uma cor. Portanto, houve a intenção de designar cor a tais formas, mas sem preenchê-las por completo. O amarelo-pálido não cumpre propriamente uma função, mas ele também não foi coberto: a cor do suporte foi trabalhada em conjunto com as tintas para construir a imagem. O manto que Cristo usa é vermelho e verde, não é da cor do pergaminho, mas a técnica usada para colorir esse acessório, que economiza tinta, considera também o contraste entre a tinta e o suporte.

A segunda questão identificada no modo de funcionamento do sistema cromático que objetivava a variação das cores é seu uso alternado para a delimitação de espaços da imagem. Nesse caso, é possível notar uma abundância maior na quantidade de tinta disponível, sendo depositadas em maior proporção, cobrindo todo o pergaminho e criando uma camada de cor que serve para determinar a área da iluminura. Além disso, esse uso mais intensificado da tinta evidencia que a técnica de traçado foi uma escolha do(s) iluminador(es), e não uma necessidade por falta de material.

Um importante exemplo do uso da tinta como fundo de letra pode ser verificado na inicial I do fólio 125r (Fig. 2). São João é figurado em pé com uma volumosa túnica vermelha, e a tinta amarela marca o espaço e a forma da letra I junto ao traço vermelho. Esse uso sólido da tinta para demarcar o fundo da imagem é verificado em 41 das 45 iluminuras do manuscrito. A variação maior pode ser observada no uso das cores azul, amarela e verde, mas também da vermelha na pintura de alguns fundos.

Reconhece-se também o uso da cor do pergaminho, exercendo a mesma função das tintas para a delimitação da imagem. A inicial H, no fólio 120v, além das tintas vermelha, verde e azul, apresenta também a cor do pergaminho como parte da composição do fundo (Fig. 3). Na letra, houve uma hierarquização dos espaços acima da haste horizontal do H: Cristo, em uma mandorla, observa o martírio de Santo Estevão, que está sendo apedrejado abaixo da haste da letra. O fundo foi feito com 22 linhas que se alternam entre vermelho, verde e amarelo-pálido, sendo que uma das linhas é azul, a qual foi pintada mais grossa na parte de baixo da imagem em contraste com o azul da mandorla do Cristo, acima. É o fundo que une as duas cenas da imagem e que delimita o espaço da inicial. A cor do pergaminho é parte da composição desse espaço, sendo evidentemente usada da mesma forma que a cor das tintas.

Portanto, a cor amarelo-pálida serviu ao(s) iluminador(es) como parte da paleta disponível na elaboração dessa imagem, funcionando da mesma maneira que as cores provenientes das tintas: alternando os espaços de cor que reúnem as cenas narradas na iluminura. Havia a possibilidade de usar a tinta amarela ou mesmo as tintas rosa e roxa disponíveis, mas optou-se pelo uso da cor do pergaminho para fazer variar as cores da iluminura. Assim, a cor do pergaminho contribui para a diversidade cromática do códice.

Ao observar as áreas em que a cor do pergaminho foi usada, observamos que a cor também exerceu funções específicas em formas preferenciais. Assim, na tabela 3, foram relacionadas as áreas das imagens onde o amarelo-pálido foi utilizado (Tab. 3).

A tabela mostra-nos que há uma grande quantidade de categorias (no total, 16) nas quais a cor do pergaminho foi escolhida para permanecer à mostra, sem nenhuma inserção de tinta. Isso apresenta uma questão fundamental para compreender que essa cor não exerceu uma única função. A lógica do uso da cor não está ligada à área da imagem que ela ocupa. Ou seja, a cor do pergaminho não foi destinada a representar um determinado objeto ou forma. O(s) iluminador(es) escolheram deixar um orbe sem tinta, mas também um códice, pombos, instrumentos de escrita, asas, enfim, figuras variadas que mostram que as áreas sem tinta vão desde objetos até a carnação de personagens.

Por vezes, a relação entre a pele do animal e a pele das personagens parece tentadora. No manuscrito BM Cambrai 528, há várias áreas de carnação mantidas sem tinta, figurando apenas com o desenho e preenchidos pela cor amarela-pálido. Segundo Aschehoug-Clauteaux:

A pele da figura mantém laços estreitos com a superfície do pergaminho. Esses links são cromáticos, materiais e iconográficos. A superfície reservada à pele, como a do pergaminho, está longe de ser um espaço neutro e secundário.[41]

No entanto, nesse manuscrito, a carnação também recebe cor, ora uma tinta sólida rosa, no fólio 2r, ora pequenas manchas de tinta verde ou vermelha depositadas na área de face, mãos, e pés de personagens, dando-lhes cor e não validando a relação entre pergaminho nu e pele. Assim, não há um padrão, uma sistematização para essa cor ao longo da construção das imagens. A tabela 3 apresenta as várias categorias identificadas com ausência da tinta e mostra que a cor do pergaminho não funcionou em correspondência com um referencial único.

A análise de um exemplo demonstra que a lógica é muito mais interna à imagem: a observação do fólio 244v, em que o orbe, o rosto, as mãos e os cabelos de Cristo exibem somente o contorno, sem aplicação de tinta (Fig. 4). As roupas do Menino e da Virgem Maria – ao fundo –, foram desenhadas de marrom com traços de tinta vermelha, assim com a auréola de Cristo, que ainda ganhou pequenas pinceladas de tinta amarela, hoje um pouco desgastadas (Fig. 5). Mas o rosto, as mãos, o cabelo de Cristo e o orbe que Ele segura não têm nenhum traço de tinta. O amarelo-pálido está um pouco escurecido, fruto de algum tipo de degradação do pergaminho. A cor em si não cumpre uma função específica de destacar ou significar exatamente, mas a ausência da tinta nesses locais confirma uma escolha feita pelo(s) iluminador(es), novamente atestando ao amarelo-pálido o status de cor disponível para a elaboração das imagens.

Em geral, esses contornos representam área pequenas, mas podem ser encontrados em 22 das 45 imagens do códice. A profusão de imagens que apresentam essas áreas sem tinta (quase metade do total delas) endossa a intencionalidade de manter assim tais áreas. Essas não teriam sido deixados sem pintura porque foram esquecidos pelo(s) iluminador(es), nem mesmo pode-se falar em perda de pigmentos, pois não há evidência de desgaste nesses locais. A ausência de tinta em lugares específicos também contribui para a confirmação da intenção: alguns deles foram escolhidos para não ter tintas, figurando como formas de cor amarelo-pálida.

Para além de pequenas áreas deixadas sem tinta, três personagens também podem ser identificadas pela cor do pergaminho. A análise destas contribuiu para afirmar que o amarelo-pálido exerceu funções cromáticas, assim como as tintas. A primeira imagem em que podemos visualizar uma personagem totalmente sem tinta é a cena pintada na inicial Z do fólio 128v (Fig. 6). A imagem mostra a narrativa do Massacre dos Inocentes. A letra divide a cena em dois espaços: de um lado, sete corpos decapitados nus apresentam pequenas manchas vermelhas junto ao contorno marrom, pescoços e cabeças foram manchados de vermelho, indicando o sangue que sai da separação que acaba de ser feita; do outro, três personagens foram desenhadas em marrom. A mulher central e o homem à sua esquerda têm algumas manchas vermelhas pouco perceptíveis (na mulher, aparecem nas mangas da túnica; no homem, em seu braço esquerdo e na barriga), no homem abaixado que segura uma cabeça não há nenhuma tinta cobrindo o desenho (Fig. 7). Seria até possível cogitar um desgaste: a personagem que aparece na parte inferior da imagem poderia também ter tido pequenos traços vermelhos, assim como seus companheiros. No entanto, a ausência de tinta e a discrição indicam uma intencionalidade: a escolha de manter as três personagens predominantemente na cor amarelo-pálida. A estratégia dá destaque às personagens, pois, sem tinta, elas contrastam com o fundo que ocupam, o qual foi dividido em três cores: verde, vermelho e amarelo. Cada personagem ocupa uma área pintada de maneira sólida e com tinta bastante saturada. Com isso, a diferença entre a cobertura sólida e brilhante do fundo e a cor opaca dos personagens é bastante marcada.

Há também um outro personagem sem nenhuma pintura: um homem na miniatura com o tema da Ascensão de Cristo no fólio 38v (Fig. 8). Ele está no topo da imagem, à direita de Cristo, entre um homem aureolado e um grande anjo. Sua imagem é recortada pela linha vermelha que forma o semicírculo carregado pelos anjos. Nessa posição, ele fica quase escondido, sendo um pequeno detalhe em uma grande imagem (Fig. 9). Verifica-se um jogo de cores nessa imagem, uma sequência alternada do uso do vermelho e do verde. Pode-se observar isso no homem aureolado ao lado da personagem sem tinta, pois suas roupas estão pintadas de verde e sua auréola foi toda coberta com tinta vermelha. A ausência de policromia no único homem traz uma variação ao padrão. Ainda que, perto dele, haja áreas sem pintura, as roupas, a auréola do homem ao seu lado e a linha vermelha que o recorta contrastam com o espaço opaco que ele ocupa. Assim, ele não passa despercebido, participando da lógica da imagem ao ser o elemento de variação da cor.

Outra personagem que nos interessa é o carrasco da cena do Martírio de Santa Inês, no fólio 132v (Fig. 10). A letra d inicia o texto com a narrativa sobre a santa. Na imagem, o homem que corta a garganta da santa é destacado por seu tamanho, por sua posição lateral fora da letra e pela ornamentação de sua roupa, feita com pontos marrons. Nesse caso, a cor do contorno foi usada para identificar a vestimenta do carrasco – que lembra uma cota de malha romana. O uso de apenas uma cor de tinta diferencia o lugar ocupado pelo carrasco do espaço no interior da letra, que é pintado com quatro cores, e também da santa, que, além do contorno em marrom, tem traços vermelhos no panejamento de suas vestes, em suas mãos, no rosto e na auréola. O pergaminho tem uma mancha que marca uma degradação, mas é o opaco proveniente da pele que contrasta com o brilho existente do lado oposto da imagem. A característica da cor do pergaminho serviu ao(s) iluminador(es) para construir a imagem. É interessante notar que um fino traço vermelho foi feito na região superior da mão do carrasco, representando o sangue de Santa Inês. A única área policromada do corpo do carrasco é aquela que comete o martírio, criando um certo prolongamento da espada, em uma área circundada de tinta amarela, que é brilhante (na imagem digital, o brilho não é claramente visualizado, mas ele diferencia as áreas) (Fig. 11).

Com esses três exemplos, observa-se, assim, que a cor amarelo-pálida também foi escolhida para áreas em que a ausência de tinta se opõe a áreas com tinta. No primeiro, as personagens destacam-se em contraste com o fundo colorido. Ainda que pequenas manchas possam ser vistas em duas delas, a pigmentação é muito sutil, fazendo com que as figuras se sobressaiam. No segundo, o homem que não foi pintado coloca-se em um espaço de transição entre o anjo e o homem colorido. Mesmo ocupando um pequeno lugar, essa personagem permite que a cor do pergaminho seja usada para a variação da imagem. No terceiro, o carrasco distingue-se na cena devido à maneira como as tintas foram usadas: ele é diferente da santa e da área que ela ocupa, que, por estar coberta de tinta, é muito mais brilhante.

 

Considerações finais

Considerar as cores como objetos da história, como sugeriu Pastoureau, identificando os modos de funcionamento do sistema cromático do códice BM Cambrai 528, permitiu-nos considerar a cor levemente amarelada do pergaminho como parte da paleta de cores disponíveis. Percebemos que ela exerceu funções cromáticas importantes na elaboração de sentidos das iluminuras. No conjunto das imagens desse códice, a cor do pergaminho funciona como uma cor “comum”, como as feitas com pigmentos, primeiro por contribuir com o objetivo de variação, servindo do mesmo modo que as cores provenientes de tintas, e depois como cor escolhida para áreas específicas, funcionando de acordo com a lógica interna de cada imagem, e principalmente como ferramenta para o destaque de áreas mais brilhantes a partir do contraste com áreas mais opacas.

A ausência de tinta em áreas determinadas nesse códice evidencia um uso da cor do pergaminho que nos parece consciente. As análises aqui apresentadas tiveram em conta as especificidades do BM Cambrai 528 e são iniciativas potenciais de exploração do uso da cor do pergaminho pelos historiadores, mas não abarcam todas as diversidades das cores que a pele usada como pergaminho pode apresentar nos inúmeros códices existentes. Mesmo considerando variações de tonalidades decorrentes do envelhecimento ou degradação do pergaminho, e ainda que essa cor não seja uma adição feita pelo(s) iluminador(es), como aquelas provenientes das tintas, o pergaminho do códice aqui estudado, com sua tonalidade levemente amarela e sua característica opaca, serviu para auxiliar o trabalho de elaboração das iluminuras.

A cor do pergaminho não desempenha uma única função utilitária ou neutra. Longe de propor um tratamento único para as iluminuras medievais e para os pergaminhos que lhes servem de suporte (que apresentam características diferentes), esse estudo demonstra que as cores do medievo vão muito além daquelas produzidas pelas tintas e que a função do pergaminho se expande. Também agrega aos estudos das cores muito mais do que apenas questões relacionadas à luz. A continuidade e o alargamento de estudos que considerem as características do pergaminho como potenciais para além de um uso prático é fundamental para ampliar o conhecimento sobre as cores medievais e sobre o uso do pergaminho. Nas imagens do BM Cambrai 528 o pergaminho foi além do simples uso como suporte da imagem, sua tonalidade serviu para a construção cromática das imagens, sendo, portanto, uma cor da paleta de cores usada conscientemente pelo(s) iluminador(es).

 

Notas.

[1] Nos dicionários de português, o substantivo feminino é definido como a aparência produzida no olho pela luz. Cf. Dicio. Dicionário Houaiss, Disponível https://houaiss.uol.com.br/corporativo/apps/uol_www/v6-1/html/index.php#1 (acesso: 22/05/2023). Também Dicio. Dicionário online de Português. Disponível: https://www.dicio.com.br/cor/ (acesso: 22/09/2023)

[2] Manlio Brusantin, Histoire des couleurs. Paris: Champs, 1986. p. 10.

[3] John Gage, Color y Cultura. La práctica y el significado del color de la Antigüedad a la abstracción. Madrid: Siruela, 2001, p. 7.

[4] Annie Desfour-Mollard, Le Rouge. Paris: CNRS, 2000; Le Rose. Paris: CNRS, 2002 ; Le Bleu. Paris: CNRS, 2004 ; Le Noir. Paris: CNRS, 2005; Le Blanc. Paris: CNRS, 2008; Le Vert. Paris: CNRS, 2012. Le Gris. Paris: CNRS, 2015 ; Le Violet (em curso).

[5] Michel Pastoureau, Blue. Paris: Seuil, 2000 ; Noir. Paris: Seuil, 2008 ; Vert. Paris: Seuil, 2013 ; Rouge. Paris: Seuil, 2016. Jaune, 2019 ; Blanche. Paris: Seuil, 2022.

[6] Disponível em: https://bvmm.irht.cnrs.fr/consult/consult.php?reproductionId=10312 (acesso: 22/09/2023).

[7] André Joseph Ghislain Le Glay, Catalogue descriptif et raisonne des manuscrits de la bibliothèque de Cambrai. Cambrai: Des Presses de A. F. Hurez, 1831.

[8] Achille Durieux, Les miniatures des manuscrits de la bibliothèque de Cambrai. Cambrai: Impr. de Simon, 1861. E, Achille Durieux, Les artistes cambrensiens du IXe au XIXe siècle et l’école de dessin de Cambrai. S/d, 1874.

[9] Auguste Molinier, Cambrai (CGM 17): Manuscrits 1-1398, em: Catalogue général des manuscrits des bibliothèques publiques de France. Paris : Imprimerie Nationale, 1891.

[10] André Boutemy, “Notes de voyages sur quelques manuscrits de l’ancien archidiocèse de Reims” em: Scriptorium [s I.], v. II, n. 1, 1948, pp. 126-127. Jean Porcher. Les manuscrits à peintures en France du VIIe au XIIe siècle. [Exposition]. Paris: Bibliothèque nationale, 1954, n° 176. Depois disso o autor fez nova publicação em: Jean Porcher. L’enluminure française. Paris: Arts et Métiers graphiques, 1959. Jean Porcher. French miniatures from illuminated manuscripts. New York: H. N. Abrams, 1960.

[11] Denis Muzerelle, “Cambrai”, em: Manuscrits datés des bibliothèques publiques de France. Paris: C.N.R..S, 2000. Disponível em: https://bvmm.irht.cnrs.fr/consult/consult.php?reproductionId=10312 (acceso: 20/09/2023). Disponível em: http://initiale.irht.cnrs.fr/codex/1168?contenuMaterielId=3370 (acceso: 20/09/2023). Outras bases também são: Medium: Disponível em: http://medium-avance.irht.cnrs.fr/Manuscrits/Voir?idFicheManuscrit=100002239 (acceso: 20/09/2023). CCfr: Disponível em:

https://ccfr.bnf.fr/portailccfr/jsp/index_view_direct_anonymous.jsp?record=eadcgm:EADC:D23011778 (acceso: 20/09/2023).

[12] Jonathan J. G Alexander; Walter Cahn, “An eleventh century gospel book from Le Cateau”. Scriptorium, [s I.], v XX, 1966, nº 2, pp. 248-264. Alexander também trabalhou com outras imagens do BM Cambrai 528 em: Jonathan J. G. Alexander, Norman illumination at Mont St Michel 966-1100. Oxford: Clarendon Press, 1970. Jonathan J. G Alexander, La Lettre ornée. Paris: Chêne, 1979. Ursula Wolf, Die Parabel vom reichen Prasser und armen Lazarus in der mittelalterlichen Buchmalerei. München: Scaneg, 1989, p. 74, fig. 35. Leslie Ross, Text, image, message, Saints in medieval manuscript illustrations. London: Greenwood, 1994. François Avril; Claudia Rabel; Isabelle Delaunay, Manuscrits enluminés d’origine germanique, T. 1, Xe-XIVe siècle, Paris: Bibliothèque Nationale de France, 1995, n° 62, p. 77. Yolanta Zaluska, L’évangéliaire de Remiremont, Une œuvre canoniale des années 1200. Turnhout: Brepols, 1996, p. 22, 57 ; ill. 2. Charlotte Denoël, Saint André, Culte et iconographie en France (Ve-XVe siècle). Paris: École Nationale des Chartes, 2004, p. 179. Lawrence Nees, “Between Carolingian and Romanesque in France” in: The Cambridge Illuminations. The Conference Papers. London: Harvey Miller. 2007, pp. 31-43. Isabelle Renaus-Chamska, Marie Madeleine en tous ses états: typologie d’une figure dans les arts et la littérature (IVe-XXIe siècle). Paris: Les éditions du cerf, 2008. pp. 29-33. Maria Cristina C. L Pereira, As letras e imagens: iniciais ornamentadas em manuscritos do Ocidente medieval. São Paulo: Intermeios, 2020.

[13] Caroline Roudet, Le lectionnaire ms. 528 de la Bibliothèque municipale de Cambrai. Paris: Université de Paris X, 1994. A autora também publicou o artigo: “L’homeliaire Saint-Andre-du-Câteau”, Jadis en Cambrésis. Cambrai, nº 63, 96, Juin 1996, pp. 71 y ss.

[14] Fidel Pascua Vílchez, “El Liber Sancti Andreae de Castello: descripción y análisis del manuscrito ms528 de la Bibliothèque Municipale de Cambrai”, Revista Medievalis, v. 8, 2019, n. 1, pp. 1-27, 2019; Fidel Pascua Vílchez, “A imagem do copista no Liber sancti Andreae de castello”, in: Roda da Fortuna. Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo, vol. 8, 2019, nº 1, pp. 111-130; Fidel Pascua Vílchez, “El caligrama del Liber Sancti Andreae De Castello”, in: Cadernos do IL, Porto Alegre, nº 59, outubro 2019, pp. 370-385; Fidel Pascua Vílchez, “El Pantocrátor del Liber Sancti Andreae de Castello: un estudio del Folio 2r del manuscrito Ms528 De Cambrai”, Revista Tempos Históricos, vol. 24, 2020, n. 1, pp. 303-333; Fidel Pascua Vílchez, “Sermo de sepulchro Domini: un estudio sobre los folios 3v y 4r del manuscrito BM ms. 528 de Cambrai”, in: Romanitas – Revista de Estudos Grecolatinos, n. 16, 2020. pp. 247-273; Fidel Pascua Vílchez, “Sermo de vinculis sancti Petri apostoli: un estudio sobre los folios 165v y 166r del manuscrito Ms528 de Cambrai”, in: LaborHistórico, Rio de Janeiro, vol. 6, set./dez. 2020, nº 3, pp. 295-316; Fidel Pascua Vílchez, “Sermo de nativitate sanctae mariae: un estudio sobre el folio 191 del manuscrito BM ms528 de Cambrai”, in: Revista InterteXto, vol. 14, 2021, nº especial, pp. 334-357.

[15] Uma densa discussão bibliográfica sobre o manuscrito será apresentada em nossa Tese de Doutorado que está sendo desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo.

[16] Caligrama é um jogo de palavras que forma um poema. Mais sobre o Caligrama do BM Cambrai 528 pode ser encontrado em: Fidel Pascua Vílchez, “El caligrama del…”, op.cit.

[17] Para compreender melhor as questões litúrgicas ver: Eric Palazzo. Histoire des livres liturgiques. Le Moyen Age des origines au XIII siècle, Paris: Beauchesne Éditeur, 1993.

[18] No original: XI. DE PERGAMENIS. [1] Pergameni reges cum carta indigerent, membrana primi excogitaverunt. Vnde et pergamenarum nomen hucusque tradente sibi posteritate servatum est. Haec et membrana dicuntur, quia ex membris pecudum detrahuntur. [2] Fiebant autem primum coloris lutei, id est crocei, postea vero Romae candida membrana reperta sunt; quod apparuit inhabile esse, quod et facile sordescant, aciemque legentiuni laedant; cum peritiores architecti neque aurea lacunaria ponenda in bibliothecis putent neque pavimenta alia quam e Carysteo marmore, quod auri fulgor hebetat et Carystei viriditas reficiat oculos. In: Isidoro Sevilha. Etimologias. Livro VI. Disponível em: https://www.thelatinlibrary.com/isidore/6.shtml (acesso: 19/09/2023).

[19] Para citar importantes exemplos são: O projeto desenvolvido na Université de Bourgogne que considera estudos genéticos. Mais informações disponíveis em: https://artehis.u-bourgogne.fr/du-parchemin-a-l-adn-xive-xviiie-s-histoire-genetique-environnement/ (acesso: 17/09/2023). Também o trabalho feito em conjunto com a l’Université Paris-Saclay, do CNRS, de l’Ecole polytechnique e do Ministerio da Cultura da França que resultou na publicação: Margaux Schmeltz, Laurianne Robinet, Sylvie Heu-Thao, Jean-Marc Sintès, Claire Teulon, Guillaume Ducourthial, Pierre Mahou, Marie-Claire Schanne-Klein et Gaël Latour, “Noninvasive quantitative assessment of collagen degradation in parchments by polarization-resolved SHG microscopy”, Science Advances, vol. 7, julho 2021, nº 29. Disponível em: https://www.science.org/doi/epdf/10.1126/sciadv.abg1090 (acesso: 16/09/2023). Além disso, os estudos sobre o pergaminho estão inseridos em diversas publicações na área de Codicologia como Paul Géhin (Dir), Lire le manuscrit médiéval. Observer et décrire. Paris: Armand Colin, 2017; Marilena Maniaci; Paola Munafò, Ancient and medieval book materials and techniques. Citta del Vaticano: Erice, 1992; 1993; Maria Luisa Agati, Il libro manoscritto. Introduzione alla codicologia. Roma: Studia archeologica, 2003; etc.

[20] No original: […] le parchemin n’est pas um espace neutre, uniquement utilitaire, mais plutôt um espace nécessaire, la base sur laquelle toutes les autres couleurs vont se poser. Non seulement il a sa propre place dans l’image, mais aussi il a sa propre fonction dans le système des couleurs du manuscrit. Marie Aschehoug-Clauteaux, Les couleurs du corps. Pour une méthodologie de la couleur dans le manuscrit enluminé (X – XII siècle). Paris: Léopard d’Or, 2018, p. 107.

[21] No original : […] l’observation des manuscrits permet difficilement de reconnaître l’animal dont la peau a été utilisée : les fibres du derme ne présentent pas de différence suffisante d’un type d’animal à l`autre, et elles ne gardent pratiquement pas de trace du traitement chimique qu’elles ont subi. Monique Zerdoun, “Les matériaux support et encre”, in: Paul Géhin (dir). Lire le manuscrit médiéval: observer et décrire. Paris: Armand Colin, 2018, p. 23.

[22] Gaspar René Gregory, “Les cahiers des manuscrits grecs”, in : Comptes rendus des séances de l’Académie des Inscriptions et Belles-Lettres, année 29, 1885, nº 3, pp. 261-268.

[23]As cores utilizadas na tabela 2 são meramente indicativas, retiradas de uma paleta atual e não correspondem em sua plenitude às cores usadas de fato no manuscrito. Um exemplo das cores do manuscrito pode ser visualizado na tabela 1.

[24] Michel Pastoureau, “La couleur”, in: ​Jérôme Baschet; Pierre-Olivier Dittmar (dir.), Les images dans l’Occident médiéval. Turnhout: Brepols, 2015,​ pp. 227-238.

[25] Michel Pastoureau, Blue, op.cit.

[26] Michel Pastoureau, “La couleur”, op. cit.

[27] No original : Le Moyen Âge occidental en connaît onze : blanc, jaune, rouge, vert, bleu, noir (couleurs principales, auxquelles s’ajoute parfois l’or qui pose des problèmes particuliers) ; violet, gris, brun, rose et orangé (couleurs de second rang). Le reste n’est que nuances et nuances, sans guère d’intérêt pour l’historien. Si l’on veut apporter une précision, il faut recourir à des adjectifs simples, compréhensibles par tout le monde : clair/foncé, mat/brillant, saturé/désaturé. Michel Pastoureau, “La couleur”, op. cit., p. 231.

[28] No original : Une couleur ne vient jamais seule, elle ne prend son sens, elle ne ‘fonctionne’ et ne signifie pleinement que pour autant qu’elle est associée ou opposée à une ou plusieurs autres couleurs et replacée dans un contexte. Ce sont ces associations où ces oppositions qui font système et qui aident à comprendre les différentes fonctions de la couleur dans l’image. Michel Pastoureau, “La couleur”, op. cit., p. 232.

[29] Jérôme Baschet, “Inventivité et sérialité des images médiévales. Pour une approche iconographique élargie”, in: Annales. Histoire, Sciences Sociales. 51ᵉ année, 1996, nº1, pp. 93-133.

[30] Michel Pastoureau, “La couleur”, op. cit., p. 232.

[31] Jérôme Baschet, Inventivité et sérialité… op.cit.

[32] Bernhard Bischoff, Paléographie: de l’Antique romaine et du Moyen Âge Occidental. Paris: Picard, 1993, pp. 9-14.

[33] Michel Pastoureau, “La couleur”, op. cit., pp. 227-238.

[34] Colores dicti sunt, quod calore ignis vel sole perficiunntur,  in Isidoro de Sevilha. Etymologiae. Livro XIX, cap XVII. Apud. Michel Pastoureau, Une histoire symbolique du Moyen âge occidental, 2004. p. 411. As cores são chamadas assim porque elas nascem do calor do fogo ou do sol (tradução nossa).

[35] Stultus est qui sic picturae coloribus inhaeret, ut res, quae pictae surit, ignoret. Gregório Magno, Homilia II do Comentário aos Cântico dos Cânticos. Bélanger, Paris 1984, p. 72. (Souces chétiennes, vol. 314). Estúpido é aquele que é tão apegado às cores de uma imagem, como se ele não soubesse do que é feito a tinta (tradução nossa).

[36] Michel Pastoureau, Une histoire symbolique… op. cit., pp. 153-156.

[37] Institut de Recherche et d’Histoire des Textes (Dir.) ; Centre de Recherche sur les Collections (Dir.) ; et Équipe Étude des Pigments, Histoire et Archéologie (Dir.). Pigments et colorants de l’Antiquité et du Moyen Âge : Teinture, peinture, enluminure, études historiques et physico-chimiques. Nouvelle édition [en ligne]. Paris: CNRS, 2002. Disponível em: http://books.openedition.org/editionscnrs/8116 (acesso: 17/09/2023).

[38] No original: Per fare lo azzurro, prendi lapislazzuli, lavali bene con acqua calda, e poi pestali bene sopra una pietra con acqua. Poscia metti la pasta in una scudella, e fa’ seccare al sole o in luogo caldo. Quando sarà secco, mettilo in un vaso con acqua, e fa’ riposare un poco; poscia mettilo in un sacchetto di lino, e strizza bene a trarne tutta la sua acqua. Poi metti l’acqua in un vaso di vetro, e cuoci in bagno maria tanto che s’infoltisca; poi fatti raffreddare, e poscia mischia con poca gomma arabica, e serba in un vasetto di vetro ben chiuso. In: Cennino Cennini, l libro dell’arte o trattato della pittura di Cennino Cennini Libro dell’Arte. Florença: Giunti, 1990, p. 68.

[39] Michelle Brown, The Lindisfarne Gospels: Society, Spirituality, and the Scribe. Toronto: University of Toronto, 2003. “”

[40] No original: De sérieux obstacles cependant freinent cette évolution et le premier d’entre eux est celui d’un langage commun à toutes ces disciplines pour désigner, quantifier, prendre en compte l’information couleur. Le fossé est loin d’être encore comblé entre la formule développée du chimiste identifiant un édifice polyatomique, un cristal coloré ou une fonction chromophore et la terminologie propre au philologue et au grammairien étudiant des textes ou des inscriptions anciennes ou à l’analyse descriptive et parfois subjective de l’historien de l’art ou de l’informaticien. La difficulté existe toujours en effet, pour désigner le résultat des observations et pour le communiquer d’une manière univoque à toutes les branches de la communauté scientifique, indépendamment des contraintes d’espace et de temps. Bernard Guineau, “Avant-Propos”, in: Institut de Recherche et d’Histoire des Textes; Centre de Recherche sur les Collections et Équipe Étude des Pigments, Histoire et Archéologie (dirs.). Pigments et colorants de l’Antiquité et du Moyen Âge: Teinture, peinture, enluminure, études historiques et physico- chimiques. Paris: CNRS, 2002. Disponível em: http://books.openedition.org/editionscnrs/8116. (acesso: 19/09/2023).

[41] No original: La peau figure entretient avec la surface du parchemin des liens étroits. Ces liens sont d’ordre chromatique, matériel et iconographique. La surface réservée à la peau, tout comme celle du parchemin, est loin d’être un espace neutre et secondaire. Marie Aschehoug-Clauteaux, Les couleurs du corps. Pour une méthodologie de la couleur dans le manuscrit enluminé (X – XII siècle). Paris: Léopard d’Or, 2018, p. 138.