«Uma escultora de génie«? Variações na recepção crítica da obra de Maria Martins
"Uma escultora de génie" [a genius woman sculptor]? Variations on the critical reception of Maria Martins’s artwork
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> autores
Marina Mazze Cerchiaro
Doutora em Estética e História da Arte pelo Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Desenvolveu doutorado-sanduíche na École Normale Supérieure, em Paris. Possui graduação em Ciências Sociais pela USP (2012).
Recibido: 16 de diciembre 2019
Aceptado: 8 de junio 2020
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> como citar este artículo
Mazze Cerchiaro, Marina, “‘Uma escultora de génie’? Variações na recepção crítica da obra de Maria Martins”, en caiana. Revista de Historia del Arte y Cultura Visual del Centro Argentino de Investigadores de Arte (CAIA) n° 17 | segundo semestre 2020, pp. 33-48.
> resumen
O objetivo deste artigo é refletir sobre os processos de reconhecimento artístico e de construção social do prestígio da escultora Maria Martins. O foco específico são as divergências entre a recepção crítica francesa e a brasileira sobre o trabalho da artista durante as décadas de 1940 e 1950. Que aspectos da produção de Maria Martins chamaram a atenção dos críticos ou foram negligenciados e por quais motivos? Quais os impactos da recepção crítica em seu processo de reconhecimento? Busca-se refletir também sobre como os estereótipos de gênero perpassam e ajudam a construir essas valorações. Por fim, levantam-se algumas hipóteses sobre as variações do reconhecimento da artista ao longo de sua carreira e após a sua morte, visando demonstrar quais aspectos levaram à sua entrada tardia na história da arte.
Palabras clave: reconhecimento artístico; gênero; crítica de arte; escultura brasileira; Maria Martins
> abstract
The aim of this paper is to discuss the process of artistic recognition and the social construction of the sculptor Maria Martins’s prestige. Our specifically focus are the variations between the French and Brazilian critical reception of the sculptor’s artworks during the 1940s and 1950s. Which aspects of the artist’s production caught the attention of the critics or were neglected? What were the reasons behind it? What are the impacts of the critical reception on Maria’s recognition process? The paper also seeks to discuss how gender stereotypes influence and help to build these valuations. Finally, some hypotheses about the variations on the artist’s recognition throughout her career and posthumous are raised. This aims to demonstrate which aspects led to her late entry into art history.
Key Words: artistic recognition; genre; art criticism; Brazilian sculpture, Maria Martins
«Uma escultora de génie«? Variações na recepção crítica da obra de Maria Martins
"Uma escultora de génie" [a genius woman sculptor]? Variations on the critical reception of Maria Martins’s artwork
Considerada a mais importante escultora surrealista brasileira, Maria Martins (1894-1973) tem uma trajetória bastante singular.[1] Em plena década de 1920, separase de seu primeiro marido passando a viver com o diplomata Carlos Martins, o que lhe possibilita morar em diversos países. Inicia seus estudos em escultura em Bruxelas com Oscar Jespers, em 1936, e desenvolve carreira nos Estados Unidos, onde reside de 1939 a 1947. Nesse período, tem aulas em Nova York com o escultor Jacques Lipchitz e conhece artistas surrealistas franceses exilados, entre eles André Breton e Marcel Duchamp. Apresenta suas obras em exposições que tinham como objetivo estreitar as relações culturais entre Brasil e Estados Unidos, sendo algumas delas adquiridas por museus norteamericanos. Também realiza mostras individuais em galerias de Nova York e Paris na década de 1940, acompanhadas por textos de críticos importantes, como André Breton, Michel Tapié e Clement Greenberg, muitos deles elogiosos. A artista retorna ao Brasil em 1950 em razão da aposentadoria de Carlos Martins e realiza exposições retrospectivas em espaços importantes, como os Museus de Arte Moderna de São Paulo e do Rio de Janeiro, além de participar de mostras de artistas brasileiros no exterior. Expõe e é premiada nas Bienais de São Paulo. Apesar de sua intensa atividade e visibilidade no Brasil, as principais biografias sobre a escultora[2] indicam que a rejeição à sua produção artística foi a tônica dominante dos artigos críticos nacionais.
De modo geral, o objetivo deste artigo é refletir sobre os processos de reconhecimento artístico e de construção social do prestígio de Maria Martins. Mais especificamente analisaremos as diferenças entre a recepção crítica de franceses e brasileiros sobre a obra da artista durante as décadas de 1940 e 1950, buscando compreender os diferentes critérios valorativos e os parâmetros de gosto que nortearam sua promoção ou rechaço. Para isso, examinamos as críticas dos franceses André Breton, Michel Tapié, Benjamin Péret, Christian Zervos e Amédée Ozenfant e as dos brasileiros Flávio de Aquino, Mario Pedrosa, Murilo Mendes, Antônio Bento e Jayme Maurício. Nossa intenção é entender por que a mudança geográfica levou a outra recepção crítica. Que aspectos da produção da artista chamaram a atenção ou foram negligenciados. Por quais motivos? Quais os impactos da recepção crítica na obra da escultora e em seu processo de reconhecimento? Considerando que, em grande parte dos textos, a persona da artista é mobilizada, sendo muitas vezes deslocada do papel de criadora para tornar-se objeto de julgamento crítico masculino, buscamos também refletir sobre como os estereótipos de gênero perpassam e ajudam a construir essas valorações.[3]
Metodologicamente, este artigo dialoga com abordagens relacionadas à sociologia do reconhecimento artístico. Tomamos como base a proposição do historiador da arte Vicenç Furió,[4] que define o reconhecimento artístico como fruto de um processo social em que intervêm diversos agentes e instâncias inseridos em diferentes redes de sociabilidade e contextos geográficos. Como muitos critérios e juízos são emitidos, isso leva à produção de valorações bastante heterogêneas. A crítica, portanto, seria apenas uma das instâncias de reconhecimento. De acordo com Nuria Peist,[5] é possível definir também dois momentos de reconhecimento dentro da trajetória de um artista. O primeiro se dá por meio de pares, críticos, marchands ou colecionistas próximos em termos espaciais e de relação com os artistas. O segundo momento é o da consagração, que garante a entrada do artista para a história da arte por meio do êxito de mercado, inclusão nos museus e nas publicações especializadas. Assim, nos propomos no escopo deste artigo a analisar a recepção crítica de Maria Martins em seu primeiro momento de reconhecimento para depois tecer algumas hipóteses sobre seu ingresso tardio no segundo momento.
Maria Martins e a crítica francesa
No exterior, a recepção crítica dos trabalhos de Maria Martins se dá em grande parte dentro do círculo de escritores e intelectuais surrealistas residentes em Paris e Nova York. André Breton, em seu artigo publicado pela primeira vez no catálogo da exposição Maria: Recent Sculptures, realizada em 1947 na Julien Levy Gallery, defende que a solução para a crise em que se encontrava o mundo ocidental, assim como as artes, estaria na reconexão com a natureza e na busca da alteridade. O crítico surrealista sugere que artistas dos trópicos, tal como Maria, seriam capazes de renovar a arte europeia. Desde a década de 1920, artistas surrealistas buscavam inspiração nas culturas e na arte autóctone. Para André Breton, os objetos pré-colombianos, ameríndios ou aborígenes possuíam uma dimensão “primitiva” que servia como fonte de revelação e libertação.[6] Como demonstra Tânia Mendonça,[7] essa visão concebia as culturas não ocidentais como atemporais, valorizando apenas a sua “essência”, que detinha vigor e forte imaginação criativa, capaz de transcender o pensamento dual. Repleta de estereótipos de exotismo, a crítica de Breton assinala Maria Martins como uma escultora que “capta a fonte primitiva dos trópicos” e a transforma em força artística criadora por meio de um ritual caracterizado pelo crítico como de possessão:
[…] As angústias, as tentações, as febres, mas também o nascer do sol, as venturas, as puras delícias, eis o que nos seus bronzes Iaci, Boiuna, Iemanjá, Maria como ninguém soube captar a fonte primitiva, de onde ela emana, asas e flores, sem nada dever à escultura do passado ou do presente –demasiado segura do ritmo original que faz cada vez mais falta àquela escultura e pródiga do que lhe deu a Amazônia: o luxo imediato da vida. Esses mesmos dons deveriam, pouco depois, levá-la a se debruçar sobre tais reações da alma coletiva que, na vizinhança das florestas da América tropical, persistem, para se exprimir, em ativar poderes propícios ao sacrifício e à dança. O mesmo ritmo, de fato –pude constatá-lo no Haiti–, leva certas horas os seres humanos a participarem da força dessas espessas florações. A Possessão pela alma da natureza é o termo extático desse ímpeto passional. Estamos aí nas raízes do Sagrado. Cabe a Maria se aventurar, com um passo que só ela podia ousar, nessa estrada, participando Por Dentro do cerimonial, fazer irradiar o sentido eterno e comumente velado, ainda bem que culmina no amor humano. E foi a soberba veia das obras reunidas em volta de Macumba, hino ao próprio deus do espasmo, onde a carne, abrindo-se como um botão de flor, se ramifica de todas as singularidades de estrutura do metal Nativo.[8]
Nesse trecho, Breton realiza três movimentos de acionamento de estereótipos de exotismo. Primeiramente, mescla ideias exotizantes sobre culturas indígenas e negras de modo a compor noções bastante genéricas de “fonte primitiva” e de “alma coletiva”. Em um segundo momento, transporta esses clichês de exotismo para o próprio modo de proceder da artista. Ela agiria por um ímpeto passional, como se o processo de criação da escultora fosse também um processo “cerimonial”, como os cultos que o crítico presenciou no Haiti. Por fim, vale-se desses estereótipos para a análise da obra de Maria Martins. A escultura Macumba é vista como um ritual, “hino ao deus do espasmo”, no qual o metal, matéria da obra, é transfigurado em flor e carne.
O entusiasmo de Breton com a escultora leva-o a convidá-la para participar da Exposição Internacional Surrealista, organizada por ele em 1947, em Paris. No ano seguinte, Maria Martins apresenta sua primeira mostra individual na capital francesa Les Statues Magiques de Maria, na Galerie René Drouin. O catálogo dessa mostra traz, além da reprodução do texto de Breton, o artigo Magia, Maria, Mensagem, de Michel Tapié. Como Breton, Tapié defende que a criação artística de interesse não se situa na esfera da “razão” e nos “países temperados”, e sim na região dos trópicos e no âmbito da “magia”, compreendida por ele como “ação vital explosiva e eficiente, transbordante de um profundo conhecimento”. Para Tapié, o processo criativo de Maria se relaciona ao movimento criador da natureza:
[…] Ar-Fogo e Terra-Água produzem as mais alucinantes flora e fauna, entre o sol dos trópicos e a podridão negra dos pântanos da floresta virgem; não é verdade, Maria do Capricórnio, que o Delírio e a Desmedida que nós acreditamos perceber são para você apenas elementos de Vida e de Amor. Suas estátuas traduzem perfeitamente essas aparentes contradições que fazem com que a Magia (como a Vida) pareça agir através do Terror Paradoxal: as invectivas poéticas de Lautréamont são Atos de Fé, as de Henri Michaux são Exorcismos, os espectros saídos de suas terríveis lendas são Amor, os ventos carregados de eflúvios tornam-se Forma, a aparente beleza formal não é nada mais que um vento de bronze patinado, e você escolheu a escultura, arte reputada tão sábia, tão sóbria, tão presa às leis da nossa gaiola em três dimensões para nos arrastar à mais louca, mais generosa, mais apaixonadamente liberadora das macumbas.[9]
Mais uma vez a ideia da “macumba” é evocada, e não apenas como modo de se conectar com a natureza e com o sagrado, como propunha Breton, mas também como forma de atingir a liberdade. A associação entre criação artística e a natureza aparece ainda com mais força na crítica de Benjamin Péret sobre a artista:
Nada evoca tanto as mensagens da natureza quanto a obra de Maria; não que entre uma e outra se possa impor uma filiação direta, mas sobretudo porque ela age sobre a matéria um pouco como a própria natureza. […] [Maria] tende a provocar a natureza, a estimular nela novas metamorfoses, cruzando o cipó com o monstro legendário onde ela provém, a pedra com o pássaro fóssil que dela se evade. Incesto e violação? Que importa este incesto se uma vida ardente dele deve nascer, e para o diabo mil violações se esta fecundação forçada deve dar ao mundo seres mais cintilantes e vibrantes que seus progenitores! […] Assim é que Maria faz corpo com o Brasil que não seria totalmente, para nós, o que ele é sem a sua intervenção, pois ela nos o revela. De nenhum outro lugar do globo podia ela provir, porque nenhuma outra paragem, ao que parece, sugere no mesmo grau este inacabado que queria imobilizar-se.[10]
O processo criador da artista é aqui associado à fecundação incestuosa e violadora, bem como ao Brasil e à região da Amazônia, vistos como lócus do mistério, da irracionalidade e do incontrolável. Essas ideias de Péret se baseiam na concepção surrealista de que a natureza e seu poder de fecundação são metáforas do feminino, capazes de reconciliar dualidades.[11]
Vemos, portanto, que a crítica de André Breton dá a tônica das outras críticas. Embora elogiosas, são recheadas de clichês de exotismo. Nelas, Maria é interpretada por meio de estereótipos surrealistas de gênero: é a sacerdotisa de um ritual, a feiticeira ou ainda a mulher-natureza. A artista é eclipsada, enredada em uma linguagem masculina que a transforma em uma força criadora abstrata, em um objeto da imaginação literária de seus críticos. Briony Fer[12] demonstra que a “mulher”, assim como os povos “primitivos”, representava dentro da mitologia surrealista a “alteridade”, que estava mais próxima do inconsciente do que o homem e permitia o questionamento da ordem social dominante, vista como repressora tanto do ponto de vista social quanto psíquico. Para a autora, o surrealismo se valia com frequência da diferença, particularmente da diferença sexual, para produzir significado, tanto nas obras de artistas homens quanto nas de mulheres.
Maria Martins, assim como seus críticos, emprega em muitas de suas obras essas duas metáforas da diferença, o “primitivo” tropical e o feminino, como em Macumba (fig. 1), citada por André Breton. Nela, três mulheres nuas, com a boca aberta, em meio a formas vegetais, demonstram êxtase, evocando gozo quase erótico. No centro, uma figura animal tem o corpo metamorfoseado em violão. Ao compararmos a escultura com a gravura de mesmo título, percebemos que a figura central é um galo, símbolo do masculino, que toca um violão. Para Tapié, como vimos, a macumba estava associada à liberação. Essa composição semicircular com uma figura no centro também estrutura a pintura Prisioneras (1935), da surrealista Maria Izquierdo, que apresenta três mulheres atadas a colunas e uma prostrada diante do pilar. Para Salomon Grimberg,[13] esta pintura trata da subserviência feminina ao masculino, representada pelas estruturas fálicas. Ambas as obras parecem questionar a dominação masculina, mas, enquanto a de Izquierdo exibe a mulher subjugada e reprimida, a de Maria a revela com o corpo liberto pelo ritual de possessão.
Em outras obras de Maria Martins, o feminino, além de se apresentar como liberto e em êxtase, exerce poder sobre o masculino. Em termos plásticos e poéticos, esse poder se expressa por meio da associação entre erotismo e violência. De acordo com Graça Ramos[14], as esculturas de Amazonia by Maria exprimem o desejo como um movimento insaciável, incapaz de ser totalmente preenchido. A autora analisa obras como Yara e Aiokâ (1942), destacando que, em ambas, a ênfase recai sobre a ambiguidade das personagens femininas. Yara é a mulher súplica que seduz todos os homens, mas também é o monstro assassino, que pela beleza de seu canto os atrai para a morte. Para Ramos, Yara se aproxima da noiva de O Grande Vidro, de Marcel Duchamp, pois seduz a todos para não ficar com nenhum, mobilizando um “movimento erótico, violento e permanente”. Ela anuncia previamente a desilusão, mas aqueles que estão tomados pelo desejo não percebem o alerta dado pelas letras da cantiga.
Essa associação entre poder, sensualidade e morte também está presente na obra L’huitième Voile (1948),[15] que apresenta uma mulher nua sentada, com as pernas abertas e a vagina à mostra. A sensualidade e volúpia, dadas pela posição erótica, contrastam brutalmente com os pés deformados da figura, em forma de cascos, e com a cabeça, já que, no lugar do rosto, há uma grande cavidade de onde saem garras, resultando em uma imagem perturbadora. Essa obra remete diretamente a Salomé, também intitulada Je Veux la Tête de Jokanaan,[16] executada pela artista em 1941. A construção da posição corporal de ambas as obras é idêntica, mas Salomé não provoca estranhamento. A figura feminina está completa, com pés e rosto. Suas feições são de uma menina com o nariz empinado, olhando para trás, como que desgostosa, desejosa de que cedessem a seu capricho. A sensualidade do corpo –dada pela pose, que chama a atenção para os seios empinados e para a região da pelve– se contrapõe ao rosto infantil.
Os títulos das duas obras remetem à peça Salomé, do escritor inglês Oscar Wilde, admirado por Maria Martins.[17] Na obra de Wilde, Salomé é uma jovem virgem que, ao executar a dança dos sete véus para o marido de sua mãe, Herodes, ganha o direito de fazer qualquer pedido. Encorajada pela mãe, mas sobretudo pelo próprio prazer, pede a cabeça do profeta Jokanaan, por quem havia se apaixonado e que a rejeitava. Ao receber a cabeça decapitada, ela concretiza seu desejo beijando-a. Herodes, com medo e asco, ordena então a morte de Salomé, finalizando assim a trama em que sensualidade, erotismo, desejo, violência e morte se entrelaçam. Linda e Michael Hutcheon[18] demonstram que, na peça de Wilde, Salomé não é simples objeto do olhar e desejo masculino. Ela se imbui de poder ao ser contemplada. Todos os homens cedem à sua vontade, menos o profeta, que se recusa a vê-la, evitando que ela exerça poder sobre ele.
Esse jogo de olhares e poder também está presente na Salomé de Maria Martins. Sentada com as pernas abertas, ela aparenta ter finalizado a dança. Embora a escultura traga apenas o corpo feminino, ele parece estar sendo contemplado de costas por alguém. Por isso, o olhar dela se volta para trás. Ao pensarmos no título atribuído por Maria, Eu quero a cabeça de Jokanaan, podemos inferir que o personagem que contempla seu corpo é Herodes. Os espectadores, por sua vez, convidados a assumir a posição dele, também se deparam com seu olhar exigente e caprichoso, ansioso por ser satisfeito. Já em L’huitième Voile, a cabeça que se volta para o observador o desconcerta, mesclando erotismo e temor.
Os Hutcheon[19] comparam Salomé a Medusa –monstro mitológico que transforma em pedra quem o vê–, uma vez que o poder de ambas reside em atrair o olhar para si. Essa comparação nos parece pertinente para pensar o diálogo entre as duas obras de Maria Martins. Nelas, por meio da sensualidade e da sedução, a mulher, ao ser contemplada, exerce seu poder soberano, o direito de matar, nos termos de Foucault. L’huitième Voile pode ser interpretada como a figuração do “sinistro” de Salomé, definido por Freud como “tudo aquilo que deveria ficar oculto, secreto, mas se manifestou”;[20] no caso, o desejo e a sexualidade da jovem pelo profeta. Salomé foi frequentemente associada à histeria, definida como sexualidade patológica reprimida, acompanhada de instabilidade, irritabilidade emocional e impulsividade.[21] Como demonstra Briony Fer,[22] os surrealistas, interessados em apresentar os desejos inconscientes, recorreram frequentemente a casos de transtornos mentais, como a histeria, que, para eles, estava mais ligada a um estado passional do que patológico, o que envolvia a subversão das leis repressivas. Fer ressalta que, embora a imagem da histérica reforce o arquétipo surrealista da “mulher louca e devoradora” em algumas leituras feministas, pode ser entendida como um protesto inconsciente contra as leis patriarcais.
Assim, sugerimos que, ao atualizar a figura de Salomé, Maria Martins, em ambas as obras, traz a ideia do feminino como o lugar da sedução e do perigo; do desejo e da morte; do poder e da resistência ao domínio masculino, tal como em Yara ou em Boiúna.[23] Esta última obra representa a cobra das lendas amazônicas, que com suas inumeráveis bocas suga o sangue matando os homens.[24] A escultura representa um corpo feminino fundido como estruturas vegetais. Na parte inferior, um grande buraco remete à vagina dentada, de Roberto Matta, imagem surrealista que associa diretamente o feminino ao erotismo e à violência.
No entanto, os esforços da artista em expressar o feminino como liberto, poderoso e violento, que vêm sendo analisados pelos estudiosos e biógrafos de Maria Martins desde os anos 2000, quase não foram notados pela crítica francesa de então. Encontramos apenas dois artigos que, para além das ideias de “primitivo” e “natureza”, buscam mobilizar outras chaves de leitura: o de Cristian Zervos e o de Amédée Ozenfant. Em A visão imaginativa de Maria, publicado em 1949 em Cahiers d’Art, Zervos compreende a obra da artista como “expressão de seus sentimentos”:
Uma imaginação exuberante pode realmente constranger a criação do escultor e impedi-lo de se expressar com total clareza. No que posso julgar, Maria ultrapassa esse obstáculo e acha expressões cada vez mais adequadas a seus sentimentos. Se é sempre verdade que ela concebe sua obra de maneira toda impulsiva, colocando nela todo o seu ser tal como sente, imagina, reage, não é menos exato que esta obra é realmente outra coisa que o resultado fugidio e puramente emocional da história de sua vida e de suas reminiscências. […] É legítimo notar que, nas obras realizadas por Maria desde a sua última exposição conosco, virtualidades plásticas não param de surgir para acertar os rápidos movimentos da alma, determinar a expressão do sonho, assegurar as ligações das formas. Para ela, hoje bem melhor que antigamente, o drama interior e o mundo concreto apresentam-se perceptíveis e plásticos.[25]
Diferentemente de Breton, Tapié e Péret, Zervos propõe que Maria Martins expressa em suas esculturas seu mundo interior, seus sentimentos, suas emoções de maneira plástica. A escultora e sua obra não são vistas como arquétipos surrealistas, mas como agente criador e produção artística. Para ele, embora sua obra seja provida de imaginação, impulsividade e sentimentos, não é resultado “puramente emocional”, mas envolve ação consciente e plástica. Nessa mesma direção, em 1950 Ozenfant observaba que, para além de “esculpir a alma dos trópicos”, a artista procurava expressar em suas obras questões ligadas à subjetividade feminina:
Sua atual exposição me parece menos tropical. Ela canta menos o drama natural exterior que o drama interior do homem e talvez essencialmente da Mulher. É talvez essencialmente a liberdade que ela canta: a inacessível e total liberdade… Maria, um dos espíritos mais livres e apaixonados pela liberdade que eu conheço, compreende como ninguém que a liberdade só existe na condição de conhecer seus limites, ela sabe que a liberdade é infinitamente condicional e sempre ameaçada pelas forças que nos dominam e também ameaçada pela nossa sede de liberdade total que leva à anarquia, que leva à desordem, que mina e arruína a liberdade. Nesta obra intitulada: ‘O caminho, a sombra, longos demais, estreitos demais’ (um título só), uma figura dourada progride serena: vejo nela a liberdade ideal, a liberdade sem correntes, e sem freio, sem obrigações, a liberdade no papel, a liberdade toda nua que vai em frente, a liberdade do ser nu na água sem fim e sem fundo ou no céu sem limites, a liberdade abstrata, a liberdade 100%, a liberdade teórica… mas por trás da calma figura, rastejam bolas sombrias e ameaçantes, formas larvadas das pesadas serpentes: obrigações e fatalidades que ameaçam a bela liberdade toda nua tão bem polida e tão bem dourada. Seria proibido a uma obra de arte fazer sentir e pensar profundamente?[26]
Nesse trecho, Ozenfant afirma que algumas obras de Maria Martins tratam não apenas de seus dilemas pessoais, mas sobre a liberdade feminina, as dificuldades de atingi-la e seus limites. A obra citada por ele, O Caminho, a Sombra, Longos Demais, Estreitos Demais (fig. 2) traz uma figura feminina em bronze dourado, caminhando. Ela é seguida por outra figura, ligada a seus pés, que deduzimos ser sua sombra. Desta segunda, saem serpentes, que vão em direção à escultura dourada. Sobre ela, Maria Martins escreve : “on n’est suivi par tous les préjugés, par tout ce qu’on a désiré et pas fait: c’est ce qui empêche d’être vraiment livre”.[27] Indo além da interpretação de Ozenfant, a obra poderia ser pensada também como uma Gradiva, figura mítica explorada pelos surrealistas a partir da década de 1930. Ela remete ao livro Gradiva: uma Fantasia Pompeiana, do escritor alemão Wilhelm Jensen, de 1903, que chegou aos surrealistas no início da década de 1930 pelos escritos de Freud. No romance, Gradiva é um baixo-relevo clássico de uma mulher caminhando, pelo qual um arqueólogo se apaixona. Em seu delírio, ele acredita que encontra essa mulher em carne e osso, em Pompeia, mas ela na verdade é Zoe, seu amor reprimido de infância, que tenta ajudá-lo a se curar.[28] Briony Fer analisa que em sua interpretação da história
Freud traza una analogía entre el sepultamiento y el proceso mismo del análisis, una excavación por debajo de la superficie. Pompeya la antigua ciudad que quedó sepultada y se recobró después mediante la excavación arqueológica, era una metáfora de la represión psíquica y de la recuperación del material inconsciente a través del psicoanálisis. A estas alturas ya debería parecer suficientemente claro el interés de los surrealistas por el análisis de Freud: el deseo reprimido, el papel de los sueños, los procesos inconscientes de la mente, el doble carácter de Gradiva/Zoe y la precaria ambigüedad entre la musa y la mujer ‘real’. Freud había insistido también en que el arte […] y la ciencia podían ambos revelar procesos inconscientes y arrojar luz sobre el funcionamiento del inconsciente, un punto que Breton había querido subrayar en su ensayo ‘crisis del objeto’ y a través de la Exposición de Objetos Surrealistas de la Galerie Charles Ratton.[29]
Como imagem da Gradiva, a escultura pode ser interpretado como o processo de liberação do inconsciente, no qual a figura emaranhada pelas próprias serpentes representaria os desejos reprimidos. Ela poderia ser ainda a metáfora da própria ação artística, capaz de auxiliar a libertar o indivíduo das regras sociais repressoras.
Embora o feminino liberto desempenhe papel central em boa parte da produção surrealista nova-iorquina de Maria Martins, a crítica de Ozenfant é um juízo isolado entre seus contemporâneos. A desconsideração por parte da crítica para com as questões de gênero expressas no trabalho da escultora está estreitamente ligada às possibilidades de reconhecimento dos artistas latino-americanos na França e nos Estados Unidos na década de 1940. O exotismo foi e ainda é uma estratégia eficaz de conquistar visibilidade, sendo mobilizado de diferentes formas por diversos artistas modernos e contemporâneos oriundos das periferias do sistema artístico.[30] Ainda que a ênfase no exotismo tenha relegado a segundo plano as camadas mais profundas e instigantes de suas obras –como a questão da liberação do inconsciente via representação da diferença sexual–, promoveu de modo eficaz a produção da artista, auxiliando em sua inserção no círculo surrealista e na construção de um reconhecimento positivo. Os artigos de autoria de intelectuais e artistas franceses são os mais reproduzidos. Aparecem nos catálogos das exposições individuais de Maria realizadas nos Estados Unidos, na França e no Brasil em 1947, 1948, 1950, 1956, 1997 e 1998, buscando dar legitimidade a sua obra mesmo após a sua morte. No Brasil, no entanto, devido ao contexto local, as questões centrais de sua produção nova-iorquina que dialoga com o surrealismo foram na maior parte das vezes ignoradas ou rechaçadas, acusadas de ser “literárias”, “fantasiosas”, “pessoais”, “exibicionistas” e “não plásticas”.
De volta ao Brasil: entre a incompreensão e o rechaço
Logo que retorna ao Brasil, em 1950, Maria Martins realiza duas exposições individuais, uma no Museu de Arte Moderna de São Paulo e outra na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro, apresentando 36 esculturas, muitas das quais já haviam sido expostas em Nova York e Paris. Apesar do reconhecimento da artista no exterior, as mostras passam despercebidas pela imprensa paulistana e recebem algumas críticas negativas dos jornais cariocas. Um exemplo é o artigo de Flávio de Aquino, publicado no Diário de Notícias:
As mais fantásticas alucinações dão aí ‘rendez-vous’ sob o signo do erotismo. Lá tudo acontece, menos escultura. Há imaginação, há certa poesia, umas formas surpreendentes, certos aspectos misteriosos e fantásticos que, sob o manto da literatura, subvertem a visão do espectador e conduzem-no a considerações que podem ser muito elogiosas mas que nada têm a ver com a escultura, principalmente com a escultura de um ‘gênio’. […] Tudo fascina, é poético e surpreendente, mas não é escultura. E por que não é escultura? Simplesmente porque lhe falta qualquer sentido plástico. […] Desviemos nossa atenção do aspecto literário e estranho de sua obra e vemos, de preferência, aqueles cujo ponto de referência seja mais fácil, cuja intenção naturalista esteja mais presente, por exemplo: ‘Le huitième voile’ […]. Aí, neste em que milhares de escultores lutaram contra um simples corpo feminino, surge transparente toda a fraqueza da sua escultura. Naqueles pequenos detalhes –que fazem a força e a beleza de uma escultura–, lá onde Maillol fazia surgir, com sapiência profundamente calculada, a harmonia e a sutileza da sua arte, onde cada plano deve ter sua humilde e importante função, onde uma vida independente e bela deve aparecer em cada mudança do modelado, não há senão academismo e fraqueza. “Le huitième voile”, despida de literatura, é um pobre manequim sem vida. Senão olhai, nesta figura, os tornozelos, as coxas, o ventre, os seios, os braços; vêde como a luz que a percorre é inexpressiva e fria. Por baixo daquelas formas mortas, cópias da natureza, a carne não vive, a vida não existe, subsiste apenas uma atitude graciosa e o choque brutal da cabeça, o que é muito pouco.[31]
Em seu texto, Aquino opõe-se às críticas positivas que a artista recebeu no exterior, apresentadas no catálogo da exposição. Como vemos no trecho citado, o autor afirma que a produção da artista não é escultura porque lhe falta “sentido plástico”, uma vez que a arte moderna “[…] tem seu aspecto mais positivo no culto da razão e da forma e não no do instinto e do conteúdo».[32] Sua referência de “boa escultura” são as obras de Aristide Maillol, ou seja, de um modernismo classicizante, no qual “valores” e “perfis” são estudados de modo a produzir uma relação harmônica e equilibrada. Sua análise de L’huitième Voile evidencia que faltava ao crítico aparatos conceituais e teóricos para compreender uma escultura de caráter surrealista. Ao deixar de lado o aspecto literário e psíquico que envolve L’huitiéme Voile e seus diálogos com o surrealismo e com a psicologia, Aquino afasta qualquer possibilidade de compreensão da obra.
Apesar do silêncio e da incompreensão da crítica, Maria Martins continua expondo. Participa da I Bienal, em 1951 –com obras semelhantes às que expusera nas mostras individuais do ano anterior–, e das duas Bienais seguintes, sendo laureada com o prêmio-aquisição na de 1953 e com o prêmio regulamentar nacional de escultura na de 1955. Em 1956, realiza nova exposição individual, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, recebendo, desta vez, maior atenção da crítica. O catálogo dessa mostra traz, além da reprodução dos textos dos franceses André Breton e Benjamin Péret, uma longa crítica do poeta surrealista brasileiro Murilo Mendes, em que ele recupera noções de exotismo contidas nos textos dos surrealistas franceses. Mendes afirma que Maria Martins procura “interpretar” o Brasil amazônico, “[…] onde as forças da natureza ainda não foram dominadas pela técnica, onde a flora conserva suas arquiteturas primitivas e a fauna ainda não foi domada, onde o sentido mágico da terra induz o homem a criar signos de entendimento oculto”.[33] No entanto, a escultora é vista pelo autor, não como um estereótipo do feminino, mas como uma artista que lida com problemas de natureza filosófica e plástica, se aproximando nesse sentido da crítica de Zervos:
Tendo rejeitado as soluções acadêmicas e neomodernistas, enfrentou Maria o difícil problema de exprimir essa atmosfera de terror selvagem, fértil em explosões de instinto e rude lirismo, numa técnica que exige, como a escultura, longa preparação, visto lidar com materiais duros, rebeldes à improvisação e à facilidade. […]
Esse conflito dialético é o que dá, a meu ver, nas suas relações de força e dinamismo, selo autêntico a muitas esculturas de Maria. Na sua interpretação devem ser postas de lado as habituais chaves de ‘bom gosto’ e ‘mau gosto’, dado que o interesse supremo da artista não é exprimir formas em equilíbrio (ou em desequilíbrio) dum ponto de vista puramente estético e decorativo, nem refazer o que já foi feito e definitivamente feito –mas antes manifestar, em linguagem plástica individual, ainda que cifrada, o mundo de implicações cósmicas ou inumanas que a habitam. […] Longe estou de afirmar que todas as soluções encontradas por Maria me satisfazem plenamente, mas não hesito em louvar sua coragem, sua força de ataque, sua obstinação em realizar uma obra que leva uma forte desvantagem inicial –a diferença de velocidade entre o cérebro e a mão que luta com rudes materiais. Desnível tanto mais acentuado quanto se trata, no caso em apreço, de aplicar à pedra, à madeira e ao metal a técnica veloz do automatismo. Porque a atmosfera surrealista é a que interessa a Maria fixar. Superado como sistema e doutrina, não escapa ele, por definição, a qualquer tentativa sistematizadora? –o surrealismo subsiste justamente como elemento de criação de atmosferas poéticas. Este é seu forte.[34]
As palavras de Murilo Mendes ecoam um debate surrealista da década de 1920 sobre a existência –ou não– de uma pintura ou uma plástica surrealista. Thiago Gil Virava[35] mapeia esse debate nas páginas da revista La Révolution Surréaliste. Ele demonstra que, no início da década de 1920, o surrealismo era visto como um movimento literário que tinha como mote a contínua busca pela resolução da contradição entre realidade exterior e interior. Para alguns autores, como Naville e Morise, seria difícil –ou até mesmo impossível– a existência de uma pintura surrealista, pois a pintura como meio de expressão não conseguiria agir analogamente à escrita automática. Se a segunda auxiliaria a fixar o pensamento sem passar pelo crivo da racionalidade, a primeira não seria capaz de captar esse funcionamento real do pensamento, ou seja, transformá-lo em ação sem a necessidade de mediação. Assim, as produções plásticas da época criariam apenas imagens surrealistas, não sendo surrealistas enquanto expressão. Seguindo esse raciocínio, percebe-se que, para Mendes, atingir o automatismo via escultura seria ainda mais difícil do que pela pintura, uma vez que a primeira exigiria ainda mais intermediações racionais.
No entanto, conforme nos mostra Thiago Virava, outros surrealistas, como André Breton, Max Ernst e Salvador Dalí, defendiam que era a capacidade da obra de desencadear no espectador a superação da oposição realidade interior e exterior o que caracterizava a plástica surrealista. Para Dalí, a ação surrealista seria definida, assim, como aquela que leva “o sonho e o automatismo para o terreno do concreto.”[36] Thiago Virava conclui que, para esses surrealistas, o objetivo de suas diversas práticas seria o aprofundamento do real, e não o afastamento. A proposta consistiria em trazer à tona “[…] as regiões do espírito humano nas quais a razão não conseguia exercer plenamente seu domínio. Regiões que são responsáveis pelas atividades psíquicas do homem e que são parte da realidade”.[37] Como vimos, para a crítica francesa, a obra de Maria, só pelo uso da “mítica primitiva”, já conseguiria desencadear isso, independentemente de ela valer-se ou não do automatismo. O meio de expressão não entraria em questão. Para os críticos brasileiros, porém, ele ocupava lugar central nos escritos, até mesmo para o poeta surrealista Murilo Mendes.
Percebe-se também que, diferentemente dos colegas franceses, o poeta não adota um tom literário, mas didático. O caráter poético das críticas surrealistas francesas evoca a concepção de paranoiacrítica, sistematizada por Dalí, mas delineada inicialmente por Breton, na qual “a crítica consiste na organização das associações interpretativas como forma de conhecimento irracional do mundo, uma vez que esta organização não é feita a posteriori e à distância por uma atividade racional, ela se daria com e pelo próprio delírio”.[38] Mendes, pelo contrário, tem a necessidade de explicar o que é o surrealismo, situar Maria Martins nessa vertente e explanar as dificuldades de realizá-la na escultura. O poeta constrói didaticamente um arcabouço filosófico e conceitual para tornar inteligível a obra de Maria Martins para a crítica brasileira. Esse esforço está associado à pouca penetração do surrealismo no Brasil e à frequente refutação da vertente pela crítica[39]. Como afirma Thiago Virava, entre as décadas de 1920 e 1940 não houve no Brasil um grupo organizado em torno de ideias surrealistas que pudesse desenvolver atividades coletivas e construir redes de apoio mútuo. O que existiu foi uma atitude surrealista diluída na produção de alguns artistas, como Cícero Dias, Tarsila do Amaral e Ismael Nery, que se deu tanto no plano da técnica quanto das concepções gerais. Essa atitude foi menos transgressora do que na França, até mesmo por questões referentes ao contexto artístico brasileiro. Na década de 1920, já havia na França um modernismo consolidado para ser transgredido; no Brasil, era necessário construí-lo. Nesse sentido a obra de Maria Martins com sua explícita associação entre erotismo, feminino e violência era perturbadora para os críticos, que, tal como Aquino, a rechaçavam rapidamente como literária e não plástica.
Ao rechaçar a possibilidade de interpretar a obra da escultora por meio de noções de “bom ou mau gosto” e de “equilíbrio”, Mendes parece responder à crítica de 1950 de Flávio de Aquino. A lição de Murilo Mendes parece ter cumprido seu papel, pois Flávio de Aquino faz uma nova crítica por ocasião da exposição individual da escultora no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1956, de caráter muito diverso da anterior:
A arte de Maria Martins descende, pelo seu caráter estranho e onírico, do movimento surrealista; embora tenha cunho original e autóctone. Suas formas torturadas e seu conteúdo literário –onde as lendas amazônicas e o automatismo psíquico têm lugar importante– fundem-se em perfeita coerência de estilo; ou seja, a forma expressa fielmente o espírito da obra. […] Sem fazer indagações sobre o Belo ou sobre o acabado, Maria procura o expressivo, o que tem de vida subjetiva, com uma força, um sentimento orgânico e sensual incomuns. […] Maria Martins, pelo rigor romântico e dramático da sua arte e da sua imaginação, é um dos nossos artistas mais originais. Poucos entre nós desprezaram com tanta força as convenções escultóricas, raros deixaram tanto lugar à imaginação criadora. Daí vem a importância de sua obra, que explora um campo essencialmente seu e um caminho que só a arte moderna permite devassar.
A legitimidade da arte de Maria Martins é indiscutível e em várias obras atinge, por meios plásticos, o fim a que se propõe: revelar os confins da mente humana, fora do controle da razão –lema de toda obra surrealista.[40]
Nessa crítica, Aquino muda de paradigma e passa a tentar compreender a obra de Maria por meio de concepções surrealistas. Por esses novos critérios de julgamento, ele consegue captar originalidade e plasticidade na produção da artista, assim como coerência entre forma e conteúdo. Ele trava um claro diálogo com a crítica de Murilo Mendes, uma vez que, trilhando o poeta, ele liga Maria ao movimento surrealista, trata do automatismo, afirma que ela não busca o belo e que não se interessa pelas convenções escultóricas. Vale lembrar que, embora nessa exposição a artista apresente esculturas produzidas na década de 1950, de caráter mais abstrato, ela também expõe as obras However e L’huitième Voile, que haviam sido rechaçadas pelo crítico em 1950.
Não é nosso propósito quantificar se a recepção crítica a Maria Martins foi mais negativa ou positiva no Brasil. Mas é importante apontar que, em termos discursivos, prevaleceu a ideia de uma hostilidade da crítica em relação à artista. O jornalista Jayme Maurício, em 1956, chegou a afirmar:
Quanto ao seu trabalho como escultora, poderá ser analisado favorável ou desfavoravelmente, como, aliás, tem sido sempre. No Brasil tem sido talvez a artista mais combatida. Cinco anos de crônica de arte autorizam-nos a essa afirmação. Entretanto, os pronunciamentos de grandes autoridades internacionais lhe são favoráveis. [41]
O crítico Antônio Bento, em seu texto publicado no Diário Carioca, também em 1956, levanta duas questões que estão no cerne da recepção negativa à obra da escultora:
A oposição feita a Maria resultava, de uma parte, de preconceitos acadêmicos e, de outra parte, da unilateralidade de ideias de ordem estética a respeito da arte moderna. Uns criticavam na artista a sua ‘incapacidade’ em dominar o ‘métier’ tradicional, em obedecer às regras do jogo, em adquirir qualidades de artesão, enquanto outros se insurgiam contra a sua orientação ‘antiplástica’. São restrições que decorrem de preconceitos acadêmicos. Felizmente, a escultura moderna já não é apenas apreciada pelos seus valores de caráter meramente plástico, orientação seguida hoje somente por uma corrente da arte abstrata […].[42]
O comentário de Bento é bastante pertinente, uma vez que parte dos artigos analisados demonstra que a produção da artista não corresponde às vertentes estéticas de arte moderna defendidas pelos críticos brasileiros. Dentro dessa gama de críticas, podemos citar as de Jayme Maurício. Em 1955, ele escreve para o Correio da Manhã um texto sobre os premiados na III Bienal de São Paulo em que cita Maria Martins:
Quanto à escultura de Maria Martins, me pareceu melhor nesta Bienal. Não poderia com honestidade me pronunciar sobre a obra dessa escultora cuja vida quase sempre ocorreu fora do Brasil. Calcule que somente há dois dias vim a conhecê-la pessoalmente ficando desde logo cativo de sua simpatia, do seu aspecto simples, inteligente e generoso. Mas, para ser sincero, confesso que prefiro a escultura de Franz Weissmann, a quem deveria ter sido dado o prêmio.[43]
Ao mesmo tempo que o autor confessa não ser capaz de tratar da obra da escultora, ele declara sua inclinação para a abstração concreta de Weissmann, que ganharia o prêmio de melhor escultor nacional na IV Bienal. No ano seguinte, o crítico faz um novo texto sobre a exposição de Maria no MAM do Rio de Janeiro. Desta vez, ele se sente mais confiante para analisar a produção da escultora:
Numa primeira vista de olhos pela sala, a impressão é perturbadora. Um mundo de sombras e mistérios de onde emergem formas sensuais, ritmos ondulantes, vitalidade, indicações pagãs da vida num intenso lírico e áspero esforço de interpretação do mundo subconsciente do homem e da natureza. […] Não, Maria não é escultora de formas e figuras apenas. Embora os problemas da escultura como Espaço, Movimento, Construção, Material etc. estejam bem resolvidos em muitas de suas peças, a sua constante não é apenas o bom artesanato ou a técnica aprimorada, mas um desejo flamante de interpretação da vida, através de uma louvável avidez de criação de formas novas, de linguagem plástica própria, autêntica. Em sua escultura há lugar de honra para os fatores associativos psicológicos: formas redondas na mulher, lembrando a fertilidade, os característicos do físico feminino. O próprio Moore, em São Paulo, afirma-nos ser o elemento humanístico orgânico de grande importância na escultura imprimindo-lhe vitalidade. Em Maria cada entalhe, cada curva, cada elemento, toma caráter humano ou vegetal, bem ou mal resolvido. Daí possivelmente a sua estuante vitalidade.[44]
Essa crítica de Jayme Maurício difere da dos outros críticos por não aproximar a produção de Maria Martins ao surrealismo, mas ao vitalismo, termo cunhado pelo crítico inglês Herbert Read com base nas obras do escultor britânico Henry Moore. Por essa concepção, a escultura é vista como volume, peso e massa ocupando o espaço e deve ser apreendida por meio dos sentidos, especialmente o tátil. São formas esculpidas e orgânicas que levam em conta a integridade do material.[45] Moore foi um dos grandes nomes da II Bienal de São Paulo e o premiado na categoria de melhor escultor estrangeiro do evento. Essa associação da obra de Maria Martins ao vitalismo é reafirmada por Read oito anos depois, em seu livro A Concise History of Modern Art,[46] ao incluir a escultora brasileira entre os artistas que, para ele, representavam o auge da escultura contemporânea na seção intitulada “Vitalismo”.
Embora Jayme Maurício procure compreender a obra de Maria Martins em chaves interpretativas que valorizem o trabalho da artista, ele volta a frisar sua preferência pela abstração. Entre aqueles que defendem essa vertente, a crítica de Mário Pedrosa sobre Maria Martins publicada em 1957 é sem dúvida a mais eloquente, seja pelo reconhecimento que o crítico já gozava no período, seja pela intensidade do rechaço:
Ela tem da escultura uma concepção literária e, por isso mesmo, romântica. Iniciou-se no mundo das artes sob o lema de Breton ‘La beauté sera convulsive, ou ne sera pas’. Foi então a época em que se entregou aos ventos fustigadores do inconsciente, já literariamente explorado. O diabo é que jamais alcançou o automatismo precisamente porque nunca deixou de colocar-se à frente do processo criador. Mesclando exibicionismo e sinceridade, sua arte permanece na zona das primeiras reações sensoriais, não atingindo a zona mais interior e mais alta onde o sensível e inteligente se confundem. Eis por que sua personalidade é sempre excessiva, é, digamos, para-artística. O artista, e só o artista, já pertence a outra região mais longínqua, mais solitária, mais inimiga da própria vida, onde a sensibilidade é pensamento e a inteligência sensibilidade. A obra, então, monumental, vive por si mesma, nessa terrível capacidade de isolar-se, de virar as costas ao próprio criador que tem as verdadeiras obras-primas. As peças mais bem realizadas de Maria nunca se desprendem dela […].[47]
Pedrosa, no trecho apresentado, nega a Maria Martins o status de artista pelo fato de sua obra não se “desprender” de sua personalidade. O incômodo provém do fato de a escultora enfatizar a própria subjetividade sem um projeto racional (ou irracional) que diferencie obra e criador. Concepção incompatível com as do crítico, que defendia as vertentes abstratas associadas ao construtivismo –definido por ele como uma arte baseada em relações abstratas e matemáticas– e a autonomia da arte, na qual os meios mobilizados deveriam ter prevalência sobre o conteúdo tratado.[48] O que Pedrosa rechaça na produção da escultora é justamente o que o artista francês Amédée Ozenfant considera potente, como vimos anteriormente: a associação entre a obra e a identidade da artista.
Essa associação era comum na produção das artistas mulheres surrealistas na década de 1940. Ilene Fort e Tere Arcq pontuam que os homens surrealistas tendem a explorar a ideia do inconsciente pela via do sonho e do transe, enquanto as mulheres o fazem pelas próprias experiências pessoais. De acordo com as autoras, “[…] pour elles (as mulheres) le surréalisme devient un moyen d’accéder à la conscience de soi, d’explorer des pensées et des sentiments profonds, de gérer des expériences et de se construire une véritable identité”.[49] Segundo Rita Eder e Terri Geis,[50] na década de 1940 as artistas surrealistas passam a pesquisar outras culturas com o intuito de aprofundar suas experiências pessoais, escapar da visão de mundo restritiva e patriarcal que haviam herdado e buscar identidade própria. Nesse sentido, Victoria Combalía[51] lembra que as mulheres surrealistas tiveram maiores dificuldades em serem reconhecidas em parte porque acordavam maior importância à sua vida afetiva que os homens.
Como afirma Nuria Peist,[52] o fato de um artista ter uma recepção crítica silenciosa ou hostil não impossibilita o seu reconhecimento no primeiro momento nem sua passagem para as páginas da história. Fundamental para alcançar esse segundo momento é articular redes, de modo a tornar-se visível e presente entre os agentes de importância que circulam no mundo da arte. Contrabalançando a recepção crítica negativa, Maria Martins se consolida na década de 1950 como intermediária cultural de relevância, atuando como colecionista, auxiliando na aquisição de obras por mecenas de destaque, promovendo eventos culturais e integrando o conselho administrativo do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Detentora de um habitus[53] que lhe permitia transitar com facilidade e conquistar prestígio tanto nos círculos diplomáticos quanto artísticos internacionais, elo de uma rede internacional bem articulada, que envolvia, além dos artistas surrealistas, Constantin Brancusi e Pablo Picasso, e mecenas de grande importância na França e nos Estados Unidos, como Marie Cuttoli e Nelson Rockfeller, Maria Martins foi capaz de auxiliar as instituições e atores brasileiros a se projetarem internacionalmente.
Pode-se concluir que o primeiro momento de reconhecimento artístico de Maria Martins se deu nas décadas de 1940 e 1950 e assentou-se em três estratégias principais: 1) a realização de exposições coletivas e individuais na França e nos Estados Unidos, na década de 1940, e no Brasil, na Europa e na América Latina[54] no decênio seguinte; 2) a inserção de sua obra dentro um estilo específico, o surrealismo; e 3) o seu papel de articuladora de redes artísticas e políticas internacionais.
O gráfico[55] (fig. 3) a seguir demonstra que o número de exposições realizadas por Maria Martins diminui significativamente nas décadas de 1960 e 1970. Se levarmos em consideração que, das sete exposições da escultora na década de 1960, cinco são mostras coletivas de artistas brasileiros na Europa realizadas no ano de 1960, planejadas na década anterior, fica ainda mais evidente o apagamento da visibilidade de Maria, que nem a morte dela, em 1973, foi capaz de reverter. Isso se dá, em parte, porque, nesse período de sua vida Maria Martins dedicou-se à literatura –tendo publicado Ásia Maior: o Planeta China (1958), Ásia Maior: Brama, Gandhi e Nehru (1961) e Deuses Malditos I: Nietszche (1965)–, mas também devido à hostilidade da crítica brasileira e ao fato de o modernismo brasileiro ter se consolidado deixando à margem as experiências surrealistas.[56] Outro fator relevante para esse esquecimento é a chegada tardia do debate feminista e de gênero no circuito das artes brasileiro. Enquanto nos Estados Unidos e no México o feminismo ecoa na produção artística e na história da arte a partir de meados da década de 1960, no Brasil, sobretudo por causa da ditadura militar, só se inicia na década de 1980.[57]
Esse período de “esquecimento” é seguido por uma “redescoberta” da escultora nas décadas de 1980, 1990 e 2000, quando Maria volta a realizar um número de exposições significativo, como se vê no gráfico. Pode-se dizer que, a partir da década de 1980, Maria Martins alcança seu segundo momento de reconhecimento. Suas obras passam a obter altas cifras no mercado de arte moderna brasileiro. Em 19 de novembro de 1987, uma figura de mulher nua de sua autoria é arrematada após intensa disputa por 1,7 milhão de cruzeiros, o maior lance do leilão realizado por Evandro Carneiro, que contou com obras de Alfredo Volpi e Anita Malfatti.[58] Uma década depois, a Galeria Jean Boghici realiza em parceria com a André Emmerich Gallery uma grande exposição retrospectiva da artista no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Nova York. A mostra é acompanhada de um catálogo[59] publicado em português e inglês, contendo críticas da época, depoimentos de conhecidos da artista e artigos de especialistas como o historiador da arte, curador e marchand norte-americano Francis Naumann. Nesse mesmo ano, o Museu de Arte Contemporânea publica o livro Maria Martins: o Mistério das Formas,[60] voltado para o público infantil.
Por fim, os anos 2000 são marcados pelas publicações especializadas sobre a artista. Em 2003, Graça Ramos defende sua tese de doutorado sobre Maria Martins na Universidade de Barcelona, publicada em formato de livro em 2010;[61] em 2004, surge uma biografia da escultora, escrita por Ana Arruda Callad;[62] em 2006, Roberto Kumagai defende sua dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo sobre a escultora;[63] e Raul Antelo publica em Buenos Aires o livro Maria com Marcel Duchamp en los Trópicos, traduzido para o português em 2010.[64] Nesse mesmo ano, Charles Cosac, então dono da Editora Cosac Naify, publica o luxuoso livro Maria,[65] com muitas reproduções de obras da artista e uma grande compilação de referências bibliográficas sobre a escultora.
Essa redescoberta da artista se deve, por um lado, à revisão crítica do modernismo, que se inicia no final da década de 1970,[66] e por outro, à progressiva entrada do feminismo no Brasil e na história da arte a partir de 1980. São justamente as questões de gênero e do erotismo vistas por meio da subjetividade feminina que chamam a atenção dos críticos e historiadores da arte para a obra de Maria Martins a partir dos anos 2000. O que hoje vemos como a grande potência de sua produção escultórica foi o que boa parte dos críticos de sua época acabaram por rechaçar ou ignorar.
Notas.
[1] O presente artigo é resultado da pesquisa realizada para o segundo capítulo de minha tese de doutorado, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Versões preliminares deste artigo foram apresentadas nas XVIII Jornadas del Centro Argentino de Investigadores de Arte, em 2019, e no XXXVIII Congresso Brasileiro de História da Arte, em 2018. Uma primeira versão deste texto foi publicada nos Anais do XXXVIII Congresso Brasileiro de História da Arte, tendo sido ampliada e extensamente modificada no que diz respeito à sua estrutura, a seus objetivos e conclusões. O título deste artigo faz referência à crítica de Flávio de Aquino sobre a escultora que questiona o termo “gênio”, atribuído à artista pelo escritor e pintor francês Amédée Ozenfant: “Para terminarmos, devemos dizer que pensamos, com esta crônica, ter cumprido o nosso dever ao criticarmos o que nos pareceram graves erros em uma escultora de ‘génie’.”. Cf.: Flávio de Aquino, “Maria Martins”. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 25/06/1950, quinta seção, p. 3.
[2] Cf. Graça Ramos, Maria Martins: escultora dos trópicos. Rio de Janeiro, Artviva, 2009.
[3] Sobre o papel dos críticos, na construção sexuada de valores de obras e de reputações artísticas, ver: Delphine Naudier e Brigitte Rollet (orgs.), Genre et légitimité culturelle: quelle reconnaissance pour les femmes?, L’Harmattan, Paris, 2007; Marie Buscatto, Mary Leontsini e Delphine Naudier (orgs.), Du genre dans la critique d’art, Paris, Archives Contemporaines, 2017; e Julie Verlaine, « La sculpture a-t-elle un genre? Sur quelques ‘dames de fer’ au milieu du XXe siècle», em : Ivanne Rialland (org.), Écrire la sculpture, siècles XIX et XX, Paris, Actes de Colloque, 2011.
[4] Vicenç Furió, Arte y Reputación – Estudios sobre el Reconocimiento Artístico, Barcelona, Memoria Artium/UAB, 2012.
[5] Nuria Peist, El éxito en el arte moderno: trayectorias artísticas y procesos de reconocimiento, Madrid, Abada Editores, 2012.
[6] Cf. Rita Eder e Terri Geis, “L’ancestral et le vivant”, en : Tere Arcq, Ilene S. Fort e Terri Geis (orgs), Au pays des merveilles: les aventures surréalistes des femmes artistes au Mexique et aux Etats-Unis, Los Angeles, Los Angeles County Museum of Art, Munich, DelMonico Books/Prestel, 2012, pp.156-171.
[7] Tânia Gomes Mendonça, “Olhares sobre o México: a América Latina sob a perspectiva surrealista”. Faces da História, vol. 2, n° 2, agosto 2017, pp. 141-160.
[8] André Breton. [sem título], (artigo traduzido), publicado no catálogo da exposição Maria, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (1950), em: Maria Martins, Maria Martins, São Paulo, Fundação Maria Luísa e Oscar Americano, 1997, p. 14.
[9] Michel Tapié, “Magia, Maria, Mensagem”, apresentação da exposição Les Statues Magiques de Maria, Galerie René Drouin, Paris, 1948 (artigo traduzido), em: Maria Martins, Maria Martins, … op. it., p. 17.
[10] Benjamin Péret, [sem título], (artigo traduzido), en: Maria, Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro maio, 1956, p. 4. [catálogo]
[11]Cf. Whitney Chadwick, Women Artists and the Surrealist Movement, London, Thames and Hudson, 1985.
[12] Briony Fer, “Surrealismo, mito y psicoanálisis”, en: Briony Fer, David Batchelor y Pau Wood, Realismo, racionalismo, surrealismo. El arte de enrteguerras (1914-1945), Madrid, Akal, 1999, pp. 175-253.
[13] Salomon Grimberg, “Guidées par l’invisible. Les femmes surréalistes et leur psyché”, en : Tere Arcq, Ilene S. Fort e Terri Geis (orgs), Au pays des merveilles… op. cit., pp. 201-206.
[14] Graça Ramos, op. cit.
[15] Imagem da obra disponível em: https://www.sothebys.com/en/auctions/ecatalogue/2002/latin-american-paintings-n07805/lot.15.html
[16] Imagem disponível em: https://www.gettyimages.com.br/detail/foto-jornal%C3%ADstica/brazilian-sculptor-maria-martins-with-one-of-her-foto-jornal%C3%ADstica/528143127?adppopup=true
[17] “Salome is a favorite subject of Maria who calls this seated figure Je veux la tête de Jokanaan. Maria loves Oscar Wilde’s poetic play, Salome.” Life Magazine, Maria wife of brazilian envoy, two lives for art and diplomacy. Life Magazine. Chicago, Time Inc., 8 dec. 1941, p.157.
[18] Linda Hutcheon e Michael Hutcheon, “O corpo perigoso”, Revista Estudos Femininos, Florianópolis, vol. 11, n° 1, jan.-jun. 2003.
[19] Idem.
[20] Briony Fer, op. cit., p. 200 (tradução nossa).
[21] Linda Hutcheon e Michael Hutcheon, op. cit.
[22] Briony Fer, op. cit.
[23] A obra pode ser consultada neste link: http://www.artmuseumoftheamericas.org/collection/cpg15x/displayimage.php?album=1&pid=354
[24] Cf. Maria Martins, «Amazonia.» em Amazonia by María, New York, Valentine Gallery, 1943.
[25] Cristian Zervos, “A visão imaginativa de Maria” (artigo traduzido), publicado no catálogo da exposição Maria, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (1950), em: Maria Martins, Maria Martins … op. cit.
[26] Amédée Ozenfant, [Sem título], (artigo traduzido), publicado no catálogo da exposição Maria, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (1950), in Maria Martins, Maria Martins… op. cit., p. 27.
[27] Maria Martins, « Message », em Statues Magiques de Maria, Galerie René Drouin, Paris, 1948
[28] Briony Fer, op. cit.
[29] Ibidem, p.239.
[30] Sobre o papel do exotismo para o reconhecimento de artistas modernistas latino-americanas na França, ver Michele Greet, “‘Exhilarating Exile’: Four Latin American Women Exhibit in Paris”, Artelogie: Revue de recherches sur les arts,le patrimoine et la littérature de l’Amérique Latine n°5, Paris, 2013. http://cral.in2p3.fr/artelogie/IMG/article_PDF/article_a262.pdf. Sobre o exotismo na recepção de artistas asiáticos na arte contemporânea, conferir: Kun Yun, “O papel do exotismo na arte contemporânea internacional na era da globalização – um estudo empírico das revistas internacionais de arte de 1971 a 2010”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, vol. 69, São Paulo, 2018.
[31] Flávio de Aquino, “Maria Martins”. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 25 de junho de 1950, quinta seção, p. 3. Hemeroteca BNDigital.
[32] Idem.
[33] Murilo Mendes. [Sem título], in Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Maria, Rio de Janeiro, Museu de Arte Moderna, maio 1956, p. 7.
[34] Mendes, op. cit., pp. 7-9.
[35] Thiago Gil de Oliveira Virava, Uma brecha para o surrealismo: percepções do movimento surrealista no Brasil entre as décadas de 1920 e 1940, dissertação de mestrado, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
[36] Salvador Dalí. As Confissões Inconfessáveis de Salvador Dalí, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1976, apud. Virava, op. cit., 88.
[37] Ibidem, pp. 88-89.
[38] Ibidem, p. 52.
[39] Thiago Virava demonstra que, já na década de 1920, o surrealismo era rejeitado pela crítica, seja por não se encaixar no programa estético defendido, seja por sua defesa da liberdade e da irracionalidade. Na primeira vertente, um dos críticos mais significativos é Mario de Andrade; na segunda, Tristão de Athayde. Cf.: Virava, op. cit.
[40] Flávio de Aquino, “Maria Martins”, A Noite, Rio de Janeiro, 14 de maio de 1956, Coluna Quadro e Museu, Hemeroteca BNDigital.
[41] Jayme Maurício, “Exposição de esculturas de Maria”, Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 6 de maio de 1956. Hemeroteca BNDigital.
[42] Antônio Bento. “A exposição de Maria”, Diário Carioca, Rio de Janeiro, 26 de junho de 1956. Hemeroteca BNDigital.
[43] Jayme Maurício, “Cortaram a luz do ‘Melhor pintor brasileiro’”, da III Bienal. Correio da Manhã, 17 de julho de 1955. Hemeroteca BNDigital.
[44] Jayme Maurício, “A angústia, a vitalidade e o áspero sensualismo das esculturas de Maria”, Correio da Manhã, 10 de maio de 1956, Hemeroteca BNDigital.
[45] Sobre a defesa de Read do tátil como cerne da compreensão da escultura moderna, ver: David Getsy, “Tactility and Opticality, Henry Moore or David Smith: Herbert Read and Clement Greenberg on The Art of Sculpture, 1956”, em: Rebecca Peabody (ed.), Anglo–American Exchange in Postwar Sculpture, 1945–1975, J. Paul Getty Museum, Los Angeles, 2011. https://www.getty.edu/museum/symposia/pdf_stark/stark_getsy.pdf, (acesso em 15 de dezembro de 2019.)
[46] Herbert Read, Escultura Moderna: uma história concisa, São Paulo, WMF Martins Fontes, 2003, 1ª ed. 1964.
[47] Mário Pedrosa, “Maria, a escultora” (1957), em: Aracy Amaral (org.), Mario Pedrosa – Dos murais de Portinari aos espaços de Brasília, São Paulo, Editora Perspectiva, 1981, pp. 88-89.
[48] Tarcila Soares Formiga e Marcelo Vasconcellos, “Vanguardas cá e lá: a crítica de arte de Mário Pedrosa e Clement Greenberg nas décadas de 1930 e 1940”, em: Glaucia Villas Bôas (org.). Um vermelho não é um vermelho: estudos sociológicos sobre as artes visuais. Rio de Janeiro, 7 Letras, 2016.
[49] Tere Arcq e Ilene Fort, “Introduction”, em : Tere Arcq, Ilene S. Fort e Terri Geis (orgs.), Au pays des merveilles: les aventures surréalistes des femmes artistes au Mexique et aux Etats-Unis, Los Angeles, County Museum of Art; Munich, DelMonico Books/Prestel, 2012, p. 27.
[50] Cf. Rita Eder e Terri Geis, op. cit., p.156.
[51] Victoria Combalía, “Éros féminin surréel”, Art Press, Special Issue, maio, 2004.
[52] Nuria Peist, op. cit.
[53] Utilizamos aqui a noção de habitus elaborada pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu, que pode ser definida como os comportamentos e práticas incorporados consciente ou inconscientemente por meio dos processos de socialização.
[54] Maria Martins participa em 1957 da exposição coletiva de artistas brasileiros Arte Moderno del Brasil realizada pelo Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em Santiago, Buenos Aires e Lima.
[55] As fontes para execução do gráfico foram os documentos encontrados sobre a artista nos arquivos da Fundação Bienal de São Paulo e do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e o levantamento de exposições da enciclopédia digital do Itaú Cultural. Ver: “MARIA Martins”, in Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras, São Paulo, Itaú Cultural, 2019, em http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa21390/maria-martins, (acesso em 14 de dezembro, 2019.)
[56] Ana Paula Cavalcanti Simioni, “Modernismo brasileiro: entre a consagração e a contestação”, Perspective n°2, Paris, Institut national d’histoire de l’art, 2013. http://journals.openedition.org/perspective/5539, (acesso em 10 de dezembro de 2019.)
[57] Sobre a entrada tardia do feminismo no Brasil e na crítica e história da arte brasileira, ver: Talita Trizolli, “Crítica de arte e feminismo no Brasil dos anos 60 e 70”, em: Rosana Horio Monteiro e Cleomar de Sousa Rocha (orgs.), Anais do V Seminário Nacional de Pesquisa em Arte e Cultura Visual, Goiânia, UFG, FAV, 2012.
[58] Cf. Janice Menezes, “Escultura de Martins por CZ$ 1,7 milhão”, Gazeta Mercantil, São Paulo, 19 de novembro de 1987, p. 22, Arquivo MAM do Rio de Janeiro, dossiê Maria Martins.
[59] Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, op. cit.
[60] Katia Canton, Maria Martins: mistério das formas, São Paulo, Paulinas, 1997.
[61] Graça Ramos, op. cit.
[62] Ana Arruda Callado, Maria Martins: uma biografia, Belo Horizonte, CEMIG, 2004.
[63] Roberto Mitsuaki Kumagai, Maria Martins: uma trajetória artística, dissertação de mestrado, Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
[64] Raúl Antelo. Maria com Marcel: Duchamp nos trópicos, Belo Horizonte, UFMG, 2010.
[65] Charles Cosac (org.), Maria, São Paulo, Cosac Naify, 2010.
[66] Ana Paula Cavalcanti Simioni, op. cit.