“Costumer la Bible, c’est la détruire”: a recepção crítica das proposições orientalistas de Horace Vernet para a pintura bíblica na França
"Costumer la Bible, c'est la détruire": the critical reception of Horace Vernet's orientalist proposals for biblical painting in France
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> autores
Fabriccio Miguel Novelli Duro
Doutorando em História pela UNICAMP, Brasil. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Mestre e Bacharel em História da Arte pela UNIFESP, Brasil. Realizou estágio de pesquisa na Université Paris 8 (BEPE-FAPESP). Autor de Pintura histórica religiosa e orientalismo nos envios de Pedro Américo para a Exposição Geral de 1884 no Rio de Janeiro, 2018.
Recibido: 09 de febrero de 2020
Aceptado: 13 de mayo de 2020
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> como citar este artículo
Novelli Duro, Fabriccio; “ ‘Costumer la Bible, c’est la détruire”: a recepção crítica das proposições orientalistas de Horace Vernet para a pintura bíblica na França ” En caiana. Revista de Historia del Arte y Cultura Visual del Centro Argentino de Investigadores de Arte (CAIA). N° 16 | Primer semestre 2020, pp. 148 – 167.
> resumen
Durante a primeira metade do século XIX, o pintor francês Horace Vernet (1789-1863) realizou uma série de pinturas inspiradas no Antigo Testamento. Quando foram exibidas no Salão de Paris, suas obras suscitaram comentários controversos em função das inovações empregadas pelo artista.
A ruptura de Vernet com a tradição consistia em representar episódios da Bíblia “à moda oriental”, isto é, tomando os habitantes do “Oriente” e sua cultura material como modelos para as suas obras. O artista traçava paralelos entre os personagens bíblicos e a vida contemporânea desses povos.
Pretende-se discutir a repercussão de algumas de suas obras nos escritos sobre os salões e os motivos pelo qual causaram tamanha controvérsia. Além das pinturas de Vernet, analisamos também a repercussão de sua tese, Opinion sur certains rapports qui existent entre le costume des anciens hébreux et celui des arabes modernes, lida na Académie des Beaux-Arts, na qual pauta as suas propostas e defende-se das críticas recebidas.
Palabras clave: arte na França, século XIX, pintura histórica, Antigo Testamento, orientalismo
> abstract
During the first half of the 19th century, the French painter Horace Vernet (1789-1863) made a series of paintings inspired by the Old Testament. When they were exhibited in the Paris Salon, his works raised controversial comments due to the innovations he employed.
Vernet’s break with tradition consisted of depicting episodes of the Bible “in an Eastern way”, taking the inhabitants of the “East” and their material culture as models for his works. The artist drew parallels between the biblical characters and the contemporary life of these people.
We intend to discuss the repercussion of some of these works in the writings on the salons and the reasons why they caused such controversy. In addition to Vernet’s paintings, we also analyzed the repercussions of his thesis, Opinion sur certains rapports qui existent entre le costume des anciens hébreux et celui des arabes modernes, read at the Académie des Beaux-Arts, in which he evidences his proposals and defends himself against the criticism received.
Key Words: art in France, 19th century, history painting, Old Testament, orientalism
“Costumer la Bible, c’est la détruire”: a recepção crítica das proposições orientalistas de Horace Vernet para a pintura bíblica na França
"Costumer la Bible, c'est la détruire": the critical reception of Horace Vernet's orientalist proposals for biblical painting in France
Introdução
Em 1835, o pintor francês Horace Vernet exibiu ao público parisiense uma pintura intitulada Rebecca et Eliezer, inspirada em episódio do Antigo Testamento. Nessa obra, os personagens utilizam trajes “típicos” e estão inseridos em uma paisagem “oriental”, com a presença de camelos e de palmeiras. De acordo com a crítica, não se tratava da representação do belo assunto bíblico, mas de uma simples cena da vida árabe.[1] O crítico não reconhecia na obra as características esperadas de pinturas que tematizassem a Bíblia, evidenciando os limites da recepção da pintura histórica entre as expectativas da pintura religiosa e seu deslocamento para as características intrínsecas à pintura de gênero.
Essa não foi a primeira pintura bíblica de Vernet a provocar reações controversas no Salão de Paris, tampouco seria a última. A especificidade de Rebecca et Eliezer residia em ser a primeira pintura bíblica realizada por Vernet após viajar para a Argélia, em 1833, e materializar a sua teoria então desenvolvida, concernente ao modo de representar episódios bíblicos se inspirando nos habitantes do Oriente contemporâneo.
Este artigo tem por objetivo a apresentação e a análise das proposições de Vernet para a modificação e atualização da pintura bíblica durante o século XIX, assim como a sua repercussão no contexto artístico parisiense. Para tanto, dividimos o texto em três seções, nas quais pretendemos: 1) acompanhar a recepção crítica de suas pinturas bíblicas no Salão de Paris entre as décadas de 1830 e 1840; 2) reconstituir os argumentos de sua tese apresentada à Académie des Beaux-Arts, sua publicação e a repercussão de suas ideias em diferentes contextos e, finalmente; 3) evidenciar as diferentes expectativas suscitadas pela pintura de natureza bíblica quando tomada enquanto pintura histórica ou pintura religiosa.
Ao travarmos contato com o texto de Vernet, após acompanharmos a recepção de suas pinturas nos salões, somos capazes de compreender de que maneira as suas viagens informaram a sua interpretação dos textos bíblicos e, consequentemente, como elas conformaram o modelo artístico por ele desenvolvido. As proposições do artista e sua reverberação oferecem subsídios para analisarmos as inovações de parte da produção oitocentista que tematiza a Bíblia e mantém diálogos com modelos artísticos orientalistas.[2]
Do Oriente contemporâneo para o Antigo Testamento: Horace Vernet e a pintura bíblica no Salão de Paris.[3]
Émile-Jean-Horace Vernet (1789-1863) foi um importante artista ligado ao sistema artístico francês. Ele tornou-se membro do Institut de France em 1826 e, pouco tempo depois, diretor da Académie de France em Roma entre 1828 e 1834. Entre 1836 e 1863, ano de sua morte, Vernet atuou como professor na École des Beaux-Arts de Paris.
Em 1833, o artista viajou para a Argélia junto às campanhas francesas que ali ocorreram e ocupou-se de suas representações durante anos. Grande parte de seu reconhecimento e fortuna crítica deve-se à sua produção de pinturas de batalhas e episódios militares.Apesar da relevância desse gênero artístico durante a sua carreira, a produção artística de Horace Vernet não se restringiu às pinturas militares.
Outra faceta importante de sua produção são as suas pinturas que tematizavam episódios da Bíblia. As obras do artista pertencentes a esse gênero, assim como as suas proposições para a pintura bíblica, levantaram algumas controvérsias, as quais são parcialmente recuperadas pela bibliografia recente.[4] Lynne Thornton traz de forma sumária algumas questões que serão pautadas em termos semelhantes por outros autores:
Convinced that the gestures and attitudes of the Arabs had been identical for thousands of years, and that he [Horace Vernet] was witnessing living scenes from the Bible, he began to paint religious pictures interpreted through the lives of contemporary nomads. Beginning with the Arab Tale-Teller, painted for the twelfth Earl of Pembroke in 1833, he abandoned the ardour and fluidity of the Romantic Style to paint Orientalist and biblical scenes with sharp precision and great ethnographical detail. This practice of clothing biblical figures in modern arab costume […] shocked the public and he was obliged to defend his ideas before the Academy, with evidence gathered during his travels. In 1848, he published an article in L’Illustration entitled ‘Des rapports qui existent entre le costume des anciens Hébreux et celui des Arabes modernes’.[5]
Vernet não era o único personagem a propor outra maneira de interpretar a natureza dos textos bíblicos no período. No campo da crítica bíblica, o texto Das Leben Jesu de David Friedrich Strauss já havia sido publicado em 1835, sendo sucedido pela influente Vie de Jésus de Ernest Renan em 1863, ano da morte de Vernet.[6] Tais questões, que situam a narrativa bíblica no domínio da história e permitiram a sua reinterpretação, foram relevantes para o artista e são fundamentais para a compreensão de parte de sua produção artística. Como destacara Malcolm Warner, “his [Vernet’s] attempts to put his principle of veracity in biblical painting into practice are few […]. But in his effort to bring religious art into line with modern knowledge, he set an important precedent”.[7] A figura de Vernet é, portanto, fundamental para compreendermos de que maneira o contato com o Oriente e, consequentemente, o orientalismo,[8] insuflou novos modelos à tradição da representação de pinturas bíblicas durante o século XIX, constituindo um novo vetor para os rumos da pintura bíblica na Europa e nas Américas.[9]
A partir das viagens do artista ao Oriente e por meio de sua interpretação dos “povos orientais”[10] –consequência de sua atitude etnocêntrica–, Vernet passa a representar personagens bíblicos “à moda oriental”, isto é, tomando os habitantes do outro continente como modelos, inspirando-se em suas vestimentas e costumes e utilizando objetos dessa cultura material para compor as suas pinturas. Antes de realizar o seu discurso na Academia e publicá-lo, seja no jornal, seja como livreto, o artista aplicou tais inovações às suas obras e submeteu-se ao crivo do público e dos críticos através do Salão de Paris. O artista participou dos salões parisienses entre os anos de 1812 e 1857. Para o nosso objetivo, interessa-nos especialmente algumas de suas obras exibidas entre 1831 e 1848 e parte de sua repercussão crítica, para entendermos como foram recebidas as suas proposições.
A primeira dessas ocasiões ocorre em 1831, quando ele expôs no Salão, junto a outras pinturas, a sua composição intitulada Judith et Holopherne (Fig. 1). Auguste Jal assim refere-se à composição:
La fécondité d’Horace dit aussi combien chez lui la conception est vive. Une pensée d’esprit a souvent produit dans sa tête une oeuvre pleine de sentiment, et au salon j’en trouve une preuve dans sa Judith. Il n’y a rien de biblique; mais il y a une poésie à part, une originalité remarquable […].[11]
Ambroise Tardieu compara a tela à Judite de Cristofano Allori, para concluir que a pintura do italiano “prouve chez son auteur une lecture réfléchie et mieux comprise de la Bible”.[12] Ademais, ressalta que em Judith et Holopherne, de Vernet, “les étoffes et les accessoires sont supérieurement peints; mais, fruits du seul caprice de l’artiste, ces riches ajustemens n’appartiennent à aucune tradition historique connue”.[13]
Embora a crítica tenha elogiado a composição, é notável o consenso de que falta, em alguma medida, certa inspiração bíblica ao resultado. Ainda que parcialmente elogiada, e talvez pela sua “originalidade”, a pintura despertou certo estranhamento. Para Monnier, a Judite “est peut-être un peu coquette”;[14] Gustave Planche pareceu considerá-la demasiadamente teatral –“J’imagine que si le drame traité par M. Vernet était mis en opéra, l’héroïne ne manquerait pas d’étudier et de reproduire son tableau”.[15]
A conclusão de Planche retoma o ponto já mencionado pelos dois primeiros críticos, qual seja a ausência de sua “inspiração bíblica”:
A quelque foi, à quelque incrédulité que l’on appartienne, en dehors de tous les systèmes mystiques ou sceptiques que l’on peut avoir adoptés, la Bible est un ensemble de magnifiques poëmes, et quand on s’avise d’y toucher, et d’en vouloir tirer et détacher quelque chose, il faut le faire largement, hardiment, mais simplement. Voyez Milton, Klopstock, Raphaël, Michel-Ange, ils poétisent et agrandissent les paroles de la Bible; mais s’ils vont plus haut, c’est en suivant la même route. Ils n’ont pas, comme Horace Vernet, la prétention ou le malheur d’enjoliver et d’embourgeoiser le drame biblique en essayant de le renouveler, de l’habiller en costume moderne.[16]
Em 1835, quatro anos depois de exibir sua Judite e no mesmo ano em que deixa de ser diretor da Académie de France em Roma, Vernet expõe mais uma de suas composições bíblicas, trata-se de Rebecca et Eliezer, cuja gravura reproduzimos aqui (Fig. 2). Cumpre observar que entre a realização de Judith et Holopherne e Rebecca et Eliezer, Vernet realizou a sua primeira viagem à Argélia, em 1833, episódio que impactaria o restante de suas obras e a estruturação de sua tese. Desta vez, a crítica direcionada a sua obra parece mais rígida, mesmo que reconheça as virtudes do artista:
[…] on comprend que le titre donné par l’artiste à ce petit tableau est ou ambitieux ou mal choisi, car ce n’est assurément pas le beau sujet biblique de Rébecca et d’Eliézer, si bien traité par le Poussin, qu’il nous représente, mais une simple scène de la vie arabe […].
Considéré sous ce point de vue restreint, l’œuvre de M. H. Vernet ne mérite que des éloges, et l’on admire sans arrière pensée cette vérité locale répandue dans tout l’ouvrage, vérité d’autant plus attachante qu’elle est le fruit de l’observation de la nature par un artiste qui sait la voir et la rendre avec un rare bonheur.[17]
Percebemos certa incompatibilidade entre a expectativa suscitada no crítico pelo título da composição, que nos remete à narrativa bíblica, e o que foi apresentado pelo artista. Representada daquela maneira, a pintura de Vernet só poderia ser bem recebida tratando-se de uma “simples cena da vida árabe”, isto é, enquanto uma pintura de gênero, bem sucedida ao materializar a “verdade local”, resultado da observação e da reprodução da natureza.
No Salão de 1839, quatro anos depois, Vernet apresentou Agar chassée par Abraham (Fig. 3), pintura que levou o crítico Alex Barbier a declarar:
[…] je trouve que la Bible ne va pas à M. H. Vernet, et réciproquement, M. H. Vernet à la Bible; il y a incompatibilité d’humeurs. […] Je ne vois rien ici qui me rappelle la simplicité primitive et la grandeur des mœurs de la Bible. A part le costume qui ne signifie rien en ces sortes de sujets, puisqu’il ne repose sur aucun document historique […]. La tradition biblique a bien une autre couleur, et les vieux maîtres l’entendaient autrement.[18]
Ao comentar essa obra, o crítico da Revue des Deux-Mondes relaciona a fisionomia de Agar com aquela da Judite pintada pelo mesmo artista[19] e, sobre Abraão, afirma: “il a copié un beau scheyck de Bedouins, dans son costume le plus pittoresque”.[20]
Não seria por acaso que o crítico rememoraria a representação realizada anos antes por Vernet e ele tampouco foi o único. Alex Barbier afirmou que “Agar est de la même famille que cette Judith, même air de tête, même physionomie, même caractere”.[21] É possível que Vernet tenha utilizado a mesma modelo na qual inspirou sua Judite, ou ao menos os estudos realizados. Planche observara que “tout Paris connait le modèle [de la Judith et Holopherne], copié presque littéralement sur une actrice mêlée à de funestes souvenirs”.[22] O crítico se referia, provavelmente, à atriz Olympe Pelissier, cujo estudo realizado por Vernet foi preservado, intitulado Study of Olympe Pelissier as Judith (Fig. 4), fato que ilustra a prática dos estudos e sua importância para a realização das futuras composições do artista.
Essa verossimilhança presente em suas obras, traduzida pela reprodução da realidade tal qual ela poderia ser observada pelos críticos e sua perpetuação na representação de cenas bíblicas, ao mesmo tempo em que suscitava elogios pela reprodução das paisagens, vestes e acessórios, impedia um tipo de fruição mais elevada, algo que os episódios bíblicos deveriam despertar em seus observadores.
Alguns anos mais tarde, o artista submete ao crivo da crítica outra de suas composições. Dessa vez, trata-se do episódio de Judah and Tamar,[23] apresentado no Salão de 1843. Pode-se ler no periódico L’Illustration:
Encore un sujet biblique: Judah et Thamar. En vérité, la peinture prouve bien que la Bible est le plus beau livre que les hommes aient jamais écrit […]. On retrouve dans cette composition la merveilleuse facilité, la riche exécution de M. H. Vernet; le costume de Juda surtout présent une étude d’étoffes remarquable; cependant il nous semble que l’esprit biblique fait un peu défaut; on dirait que dans son voyage en Orient, M. Horace Vernet s’est préoccupé plutôt du costume, de l’équipement des hommes et des chevaux, que du caractère des visages et de la nature; ainsi l’on avait déjà reproché à son tableau biblique d’Éliézer et de Rébecca, de n’avoir pas une expression assez franchement juive […].[24]
Percebemos que é apontada pela crítica, mais uma vez, a aparente ausência de uma “inspiração bíblica” nas produções de Vernet, ainda que represente episódios extraídos da Bíblia. Afinal, quais são os critérios ou as expectativas pautadas para que uma pintura tenha, verdadeiramente, essa “inspiração”? Nas quatro pinturas exibidas nesse intervalo de mais de uma década percebemos a persistência dessa reprovação, em textos de diferentes autores e em distintas publicações.
Quanto à recepção da obra de Vernet em 1843, o seu modo de fazê-la não foi a única questão que surpreendeu a crítica, mas também o tema escolhido. Willhelm Ténint indagava: “Quel a été le but de M. Horace Vernet en allant choisir dans la Bible cette histoire scabreuse de Thamar et de Juda? Les sujets manquent-ils aux tableaux grivois qui font sourire les hommes et baisser les yeux aux femmes”.[25] Nesse ponto, a crítica se assemelhava às observações de Barbier quando ele relembrava da representação de Judite ao escrever sobre Agar chassée par Abraham: “Je me rappelle une certaine Judith […] et qui me donnait bien les plus singulières idées et les moins bibliques qu’on puisse avoir”.[26] Percebe-se, por parte dos críticos, a associação dessas mulheres bíblicas mais aos “instintos humanos” do que às meditações religiosas. Ténint concluiria suas observações com outro questionamento retórico:
son pinceau prestigieux [de Vernet] a-t-il la naïveté, la poésie simple, qui, dans la Bible, jette sur de pareilles scènes de la candeur, à défaut de chasteté? Non, son faire coquet, facile, miroitant, est étincelant d’habilité et d’esprit, mais il lui manque, absolument, dans ce tableau, la dignité et la grandeur.[27]
Em outro excerto da crítica do período, pode-se ler sobre a pintura:
Ce tableau est acheté, dit-on, pour l’Église Notre-Dame de Lorette. M. Horace Vernet, semble avec des maisons Steuben, Schopin et compagnie, prendre tâche de mettre la Bible à portée des débardeurs et des titis. C’est un zèle louable et dont on lui sait gré.[28]
Os outros dois artistas mencionados, Charles de Steuben e Henri-Frédéric Schopin também participaram do mesmo Salão, submetendo pinturas bíblicas do Antigo Testamento. Schopin expôs Moïse sauvé des eaux, Moïse protège les filles de Madian e Jugement de Salomon; Steuben, por sua vez, exibiu Joseph et la femme de Putiphar e Samson confiant le secret de sa force à Dalila.[29]
Schopin, além de ser duramente criticado, foi associado à maneira de Vernet por Arsène Houssaye. A respeito de sua participação naquela exposição, assim manifestou-se Houssaye:
Cet artiste [Schopin] se jette en pleine bible, comme s’il y était condamné; il veut à toute force défigurer l’Écriture depuis le commencement jusqu’à la fin. Il continue á déguiser les Hébreux en dandys et en grisettes, qui seraient déjà déguisés en Arabes. M. Schopin imite sérieusement M. Horace Vernet […] Qu’il cesse de profaner la Bible, qu’il ne s’aventure pas dans ces forêts vierges du passé […].
Au moins M. Horace Vernet traduit ou travestit la Bible avec esprit et charme. David Téniers, dans ses tableaux sérieux, habillait Jésus-Christ en Flamand, et faisait fumer, devant des pots de bière, les soldats qui gardaient le saint sépulcre. M. Horace Vernet ne fait point de ces anachronismes curieux, mais il habille les Hébreux des premiers âges avec des costumes arabes de notre temps. A coup sur M. Horace Vernet se trompe. En admettant même que la tradition ait menti sur l’habillement des anciens, il faudrait encore la respecter, car en peinture, surtout en peinture historique, il faut toujours sacrifier la vérité à la grandeur. Mais M. Horace Vernet a bien le droit de se tromper, ou plutôt de vouloir nous tromper. D’ailleurs ses sujets bibliques sont-ils autre chose que des tableaux de fantaisie? […].[30]
Nos escritos de Louis Peisse sobre o Salão, na seção dedicada à pintura histórica, ele lamenta as composições de Schopin.[31] Sobre Moise sauvé du Nil, afirma que se trata de um “sujet précédemment traité par Nicolas Poussin, quoique [par Schopin] d’une manière moins agréable”.[32] E continua:
M. Schopin en veut absolument, à ce qu’il parait, à Poussin, car il l’a défie encore une fois dans un sujet bien autrement sérieux. Il a refait le Jugement de Salomon; mais, peut content probablement du style de son émule, il a essayé d’y substituer le sien, qui est en effet tout ce qu’on peut concevoir de plus différent. Au lieu de ces draperies qui sentent trop la statue et le mannequin, et peu conformes d’ailleurs à la vérité historique; il a revêtu ses personnages de ces beaux habits orientaux qu’on trouve chez les costumiers de théâtre. […] Telle est la Bible selon la traduction de M. Schopin […].[33]
A orientalização de sua composição é percebida igualmente por Ténint, ao notar que a tela de Schopin “rendre cette scène avec tout le luxe oriental, mais la richesse qu’il y a déployée, est d’une couleur trop coquette, trop scintillante”.[34] Além da aproximação feita por Houssaye quando aponta que Schopin imita a prática de Vernet, podemos perceber a utilização de um mesmo vocabulário para traduzir as impressões suscitadas pelos críticos. Assim como na primeira Judith et Holopherne de Vernet, a pintura Jugement de Salomon de Schopin foi adjetivada como “coquette” e permitiu uma associação direta à prática teatral.
É importante destacar que as tentativas de “renovar” ou “orientalizar” a representação de personagens bíblicos por alguns artistas fazia com que fossem aproximados, direta ou indiretamente, às iniciativas de Vernet, o que reforça o seu protagonismo e o reconhecimento da sua maniera particular.
A reverberação de suas composições nos salões e, por consequência, as críticas às suas escolhas, ainda não cessariam. No Salão de 1847, Vernet apresentaria mais uma de suas composições bíblicas. Ele exibia outra composição inspirada na heroína de Betúlia, Judith, que pouco agradou os críticos. Paul Mantz escreveu:
Peintre facile, merveilleux improvisateur, M. Horace Vernet a été un historien fidèle, […] mais, lorsqu’il a voulu s’aventurer dans les hautes régions de la poésie, il a échoué. Ceci si vérifie bien cruellement dans les essais de peintures religieuses que M. Horace Vernet a tentés. Un démon inconnu l’a toujours poussé vers les sujets bibliques, et là son talent l’a mal servi. […] Quoi de plus poétique, par exemple, de plus grand et de plus simple que cette sainte aventure de Judith? Pour peindre cette fière héroïne, cette Jeanne d’Arc de l’ancien monde, ce n’est pas trop d’être Raphael. Mais M. Vernet ne voit dans ces graves sujets que des prétextes pour utiliser les études qu’il a faites en Algérie sur les costumes des races mauresques. Il sait comment l’Arabe marie les couleurs, il sait quels plis fait le vêtement et de quelle façon la coiffure s’arrange. Que faut-il de plus pour faire une Judith?.[35]
É possível perceber o consenso da crítica tanto ao associar as composições de Vernet à representação dos “povos orientais”,[36] quanto ao reiterar que ele não é bem sucedido ao representar temas bíblicos e religiosos, pois mais parecem saídos de melodramas[37] ou de peças teatrais,[38] aspecto já observado em outras obras. As suas composições bíblicas não passariam, acreditam, de desculpas para a utilização dos seus estudos realizados a partir do natural em suas viagens.
Uma tese em exposição: novos modelos artísticos para a pintura bíblica
É possível que em razão da recepção tão negativa de sua obra nos escritos da crítica daquele ano, Vernet tenha sido levado a discursar, alguns meses depois, na Académie des Beaux-Arts, instituição da qual ele era membro na Section peinture desde 1826. Ao acompanhar os Procès-Verbaux de l’Académie des Beaux-Arts entre os anos de 1845 e 1849, é possível verificar que as suas propostas ocuparam ao menos três sessões diferentes em 1848.[39]
Segundo os relatos, as sessões tiveram como objetivo a difusão de suas propostas, isto é, a demonstração das vantagens de representar assuntos bíblicos inspirando-se nos povos contemporâneos do Oriente, onde, supostamente, as tradições e os modos dos tempos bíblicos teriam sido preservados quase sem alteração.[40] Para apoiar a sua argumentação, Vernet leu, na primeira sessão, algumas observações de suas viagens; na segunda, trouxe consigo a pintura Bon Samaritain, de sua autoria, assim como diversas peças de vestuário coletadas em suas viagens. Sua argumentação foi ouvida pelos membros da Academia e as discussões a esse respeito se desenvolveram na terceira sessão dedicada ao assunto. Nesse mesmo dia, seu discurso proferido na Academia, intitulado Opinion sur certains rapports qui existent entre le costume des anciens hébreux et celui des arabes modernes, foi reproduzido pelo periódico L’Illustration.[41]
No texto publicado, Vernet evidencia essa discussão e fundamenta a sua proposta de que os artistas se inspirem nos costumes árabes contemporâneos para representarem cenas bíblicas,[42] como veremos detalhadamente a seguir. Em um excerto comumente reproduzido dos seus escritos, o pintor revela como tal ideia teria surgido:
En parcourant les trois parties de l’ancien monde, la Bible à la main, j’ai été frappé de l’actualité des mœurs de nos premiers pères. Je l’ai trouvée dans les contrées où les Arabes ont conservé leurs vieilles traditions […]. La première révélation m’en a été faite en Algérie […], je lisais dans le fonde de ma tente le sujet de Rébecca à la fontaine, portant sa cruche sur son épaule gauche, et la laissant glisser sur son bras droit pour donner à boire à Élièzer. Ce mouvement me parut assez difficile à comprendre: je levai les yeux, et que vis-je?… Une jeune femme donnant à boire à un soldat et reproduisant exactement l’acte dont je cherchais à me rendre compte. Dès ce moment je me sentis dominé par le désir de pousser aussi loin que possible les comparaisons que je pourrais établir entre l’Écriture et les usages encore existants parmi tant de peuples qui ont toujours vécu sous l’influence des traditions, en échappant à celle des innovations.[43]
Essa revelação teria motivado a composição de sua pintura Rebecca à la fontaine em 1834, difundida como gravura e cuja repercussão no Salão de 1835 vimos anteriormente.
Após mencionar as críticas que vêm recebendo desde que iniciou tais modificações, seja de “antagonistas” ou da imprensa, o autor se questionaria: “je n’y saurais voir qu’un argument en faveur de la routine, et je demanderai pourquoi les sujets tirés de l’histoire des juifs ne subiraient pas les mêmes modifications que ceux de l’histoire grecque et de l’histoire romaine”.[44] Esse excerto demonstra qual o lugar de sua discussão: o domínio da pintura histórica. E continua, ao afirmar que desde o Renascimento até a atuação de Jacques-Louis David, os artistas pouco se preocuparam quanto à verdade na representação de seus heróis, desprezando os seus hábitos, maneiras e costumes. Para reiterar seu argumento, menciona que mesmo os grandes mestres, como Rafael, Nicolas Poussin e Charles Lebrun, cometeram equívocos. Lebrun, por exemplo, teria representado Alexandre o Grande com peruca à moda Luís XIV.[45] Assim, Vernet faz-nos questionar: se o advento do neoclassicismo e o atual conhecimento sobre a Antiguidade não permite que os artistas reproduzam os personagens da Antiguidade de outra maneira, senão a correta, por que não modificar também as representações bíblicas?
Ainda que o autor reconheça certa especificidade da Bíblia –“cette histoire divine du genre humain, et les Evangiles, oeuvre admirable qui résume toutes les poésies […]”–,[46]ele não fundamenta sua proposta em termos de crenças ou de fé. A reflexão de Vernet sobre a pintura bíblica, como podemos perceber ao ler os seus escritos, apoia-se em critérios artísticos e não religiosos. Mais do que isso, ele compara o desenvolvimento da arte àquele da ciência.[47] Desse modo, para compreendermos suas intenções, é necessário que as interpretemos como uma teoria artística do período. É esse o ponto do desencontro entre as propostas de Vernet e o que parece ser a expectativa de parte dos críticos: enquanto o artista propõe-se à representação de pinturas históricas bíblicas, a crítica espera dessas pinturas certa inspiração religiosa.
O artista reiterava, assim, sua defesa pela modificação nos modos de representar as cenas bíblicas, sugerindo um novo modelo artístico. Como ele defende, se os grandes mestres cometeram erros, caberia aos seus sucessores corrigi-los.[48] Essa é a sua empreitada e assim ele a resume para um de seus alunos:
Eh bien! voilà la mission que nous devons remplir: c’est d’éclairer ceux qui à l’avenir auront à traiter des sujets de l’Ancien et du Nouveau Testament. Il faut le dire, le publier, et prouver que les Arabes sont les transmissionnaires des coutumes des Hébreux. Le Poussin, plus qu’un autre, l’avait compris, en donnant aux juifs qu’il peignait un caractère oriental. Que n’êut-il pas fait si, comme nous, il avait vécu au milieu des Abraham, des Jacob?.[49]
Não parece ser aleatória a escolha de Nicolas Poussin para a sua argumentação. Como vimos, alguns críticos, ao comentarem tais inovações na iconografia, seja de Vernet ou de Schopin, evocavam as pinturas do artista. Vernet argumenta que se Poussin tivesse a mesma oportunidade de travar contato com os povos orientais, como os artistas tinham naquele momento, o próprio Poussin teria operado essas modificações. Ademais, ao ressaltar essa “orientalização” parcial dos judeus em suas composições, Vernet se vincula à mesma tradição que alguns críticos tentavam o contrapor. Sobre Poussin, Vernet pondera:
Un seul peintre, le Poussin, en a fixé la morale sur la toile avec une supériorité que nul ne saurait contester; il en est le commentateur le plus éclairé et le plus philosophe; il parle à l’âme plus q’aux yeux. Mais sous le rapport de la forme, la vérité lui a manqué.
S’il avait su que, sur l’autre rive de la Méditerrannée, tout ce que son imagination essayait de deviner dans les obscurités de l’Écriture se trouvait matériellement en usage, nul doute qu’il ne se fût empressé de joindre à ses immortelles compositions tout ce que la connaissance des coutumes des anciens aurait ajouté d’intérêt à ses oeuvres. […] . Croit-on que le Poussin êut rejeté ce nouvel auxiliaire?.[50]
Vernet respondia, assim, a uma parcela das críticas de sua “arabização” da Bíblia, ao menos àqueles que se pautavam pela tradição artística. Em sua argumentação, ele despreza o viés religioso ou metafísico dessa discussão, evidente na crítica através das expectativas de um “espírito” ou um “sentimento” bíblico.
Pouco tempo após as sessões dedicadas a essa discussão na Academia, Vernet expôs a mesma pintura ali apresentada, Bon Samaritain (Fig. 5), no Salão de 1848. O periódico L’Illustration, que já a havia reproduzido junto a sua tese, dessa vez incluiu-a na análise do Salão daquele ano. Assim manifestou-se o crítico A. J. D.:
Cette composition [la Parabole du bon Samaritain] offre un intérêt particulier en ce qu’elle est la consécration d’un système ingénieux et plausible d’observations présentées à l’Académie des beaux-arts par le célèbre artiste […]. Il a donné à ce dernier [le bon Samaritain] le costume des Arabes dont la conquête de l’Algérie nous a rendu la vue familière et il lui a mis dans les mains ce bâton crochu signe de commandement parmi eux […]. Pour nous, nous accueillons bien volontiers ces innovations pittoresques que le peintre cherche à introduire dans le costume pour ramener l’art à une plus grande vérité historique […].[51]
A crítica lança luz sobre a maneira empregada por Vernet ao compor sua obra. Ao observarmos os detalhes do grupo composto pelo homem vestido sobre o cavalo, é possível perceber que o homem porta consigo um bastão –semelhante ao utilizado por Judá em Judah and Thamar– e o cavalo é representado com alguns acessórios de montaria adornados, sobretudo na área próxima ao seu peito, ao redor do pescoço e sobre a cabeça. Em ambas as fontes impressas do discurso de Vernet, no artigo do L’Illustration e no livreto que foi editado anos depois, foram reproduzidos os materiais de apoio da argumentação do artista. Na prancha de imagens do periódico (Fig. 6), vemos que tanto o bastão quanto os acessórios do cavalo foram inspirados em baixos-relevos do Egito e de Nínive. Outras fontes também foram utilizadas para tal composição, como, provavelmente, vestimentas e acessórios adquiridos pelo artista em sua viagem e estudos de observação realizados por ele. Horace Vernet assim a descreveu em seu discurso:
un tableau représentant la vue de la route qui conduit de Jericho à Jérusalem, et dans lequel j’ai introduit la parabole du bon Samaritain. Tout ce qui est forme est moderne, et cependant rien de neuf, puisque tout est d’accord avec les documents qui sont parvenus jusqu’à nous.[52]
O esforço do artista em “arabizar” a cena ou, em suas palavras, representá-la com maior veracidade, fez com que Gautier confundisse o episódio retratado e reiterasse o que outros críticos já haviam dito alguns anos antes. Pautou-se, novamente, a confusão causada quanto aos gêneros pictóricos, como ocorrera com Rebecca et Eliezer:
Le peintre ordinaire de l’armée d’Afrique, Horace Vernet, n’a, cette année, qu’un tout petit tableau […]. Nous avons d’abord cru que le tableau représentant un chef arabe ou kabyle trouvant, en se promenant aux environs de Deilys où de Bougie, un de ses frères d’armes blessé par ces chiens de chrétiens et traînant les restes de sa vie dans la poussière, au pied d’un buisson d’aloès et de cactus. Le livret redresse notre erreur et nous apprend qu’il s’agit du bon Samaritain. Il y a longtemps qu’Horace Vernet a commencé cette mascarade biblique, où les patriarches revêtent le burnous d’Abd-el-Kader ou de Bou-Maza. Cette fois le déguisement est complet […].[53]
Pouco se discutiu sobre a utilização de fontes arqueológicas e da representação de objetos dessa cultura material coletados pelo artista. A ênfase dos críticos recaía quase exclusivamente no seu modo de “fantasiar” as figuras bíblicas, o que as aproximava, segundo certas interpretações, da pintura de gênero.
Apesar das críticas, umas mais pungentes que outras, o lugar de Vernet na “école française” continuou garantido, a ponto de, na Exposição Universal de 1855, ter para si uma sala exclusiva com apenas obras de sua autoria. Tal privilégio foi garantido apenas a quatro artistas: Alexandre-Gabriel Decamps, Eugène Delacroix, Jean-August Dominique Ingres e Horace Vernet. Nessa ocasião, Vernet reexibiu, entre outras obras, sua Rebeca e sua primeira Judite, demonstrando não recuar diante das críticas recebidas.
No ano seguinte, em 1856, seu discurso foi novamente colocado em circulação, dessa vez sob o formato de livreto, repercutindo a partir da resenha de sua publicação. Na Revue Archeologique, o autor Delorme endossou as proposições de Vernet, afirmando que, caso os artistas se dirigissem ao Oriente e ali estudassem para as suas composições bíblicas, elas “gagneraient en vérité et seraient plus sérieuses”.[54] Delorme prossegue, criticando algumas “anomalias” artísticas passíveis de serem vistas, como Jesus cercado de mercadores venezianos do século XVI, mártires cristãos com capas de veludo, Moisés representado como senador romano, entre outras.[55] Segundo ele, “un artiste doit avoir aujourd’hui assez de critique pour distinguer les costumes des diverses époques et pour savoir que certains étoffes, certaines coiffures, ne doivent pas figurer dans un sujet qui nous reporte à des époques aussi éloignées de nous”.[56]
Esse autor reitera os escritos de Vernet e defende que haja maior preocupação com a verossimilhança na maneira de representar cenas bíblicas, aqui tomadas pela sua natureza histórica e, podemos destacar mais uma vez, não necessariamente religiosa, como o próprio artista afirmara. Por outro lado, vozes contrárias a essa maneira continuam a ecoar. No ano seguinte, em 1857, foi publicado o livro Un été dans le Sahara, escrito por Eugène Fromentin, reconhecido pelas suas pinturas orientalistas representando paisagens e costumes dos habitantes da Argélia. Seu livro traz memórias e relatos de sua viagem empreendida entre os anos de 1852 e 1853.[57]
À certa altura, Fromentin discute a questão da “cor local” nas representações artísticas. Embora ele não cite Vernet diretamente, é possível identificar o eco de suas ideias na argumentação. Ainda que, de modo etnocêntrico, Fromentin concorde, como Vernet, que os árabes mantiveram os costumes bíblicos, ele assim se manifesta:
Mon opinion, quant au système, la voici:
[…] Costumer la Bible, c’est la détruire; comme habiller un demi-dieu, c’est en faire un homme. La placer en un lieu reconnaissable, c’est la faire mentir à son esprit; c’est traduire en histoire un livre antéhistorique. Comme, à toute force, il faut vêtir l’idée, les maîtres ont compris que dépouiller la forme et la simplifier, c’est-à-dire supprimer tout couleur locale, c’était se tenir aussi près que possible de la vérité… Et ego in Arcadia… Sont-ce des Grecs? est-ce l’Arcadie? Oui et non: non pour le drame; oui, dans le sens de l’éternelle tragédie de la vie humaine.
Donc, hors du général, pas de vérité possible, dans les tableaux tirés de nos origines; et bien décidément il faut renoncer à la Bible, ou l’exprimer comme l’ont fait Raphaël et Poussin.[58]
Como é possível perceber, Fromentin se coloca de maneira oposta às ideias de Vernet e essa discussão será eventualmente exumada pela imprensa nos anos vindouros, delineando de forma mais contundente as diferentes tomadas de posição. O argumento de Fromentin vai ao encontro da opinião de diversas críticas que acompanhamos: os personagens bíblicos devem ser representados de maneira simplificada e sem a “cor local”, ou seja, suas representações devem ser idealizadas, em oposição à observação e reprodução imediata da realidade.
A temática bíblica entre a pintura histórica e a pintura religiosa
É importante ressaltar que, ao mesmo tempo em que Horace Vernet exibia as suas obras criadas a partir de suas novas proposições, outras interpretações mais “tradicionais” continuavam a ser encomendadas, produzidas, adquiridas e também eram exibidas nos salões. Deste modo, notamos que ainda que tais pinturas sejam realizadas tendo a Bíblia como fonte de inspiração, elas podem ser separadas em diferentes categorias, cada qual com as suas regras internas e que correspondem a certo horizonte de expectativas. Como afirmara Gautier ao discutir as diferentes representações de Judite no Salão de 1847, “il n’y pas, à vrai dire, de sujet, mais bien mille manières de sentir”.[59] Nesse sentido, propomos a diferenciação entre pintura histórica bíblica e a pintura religiosa bíblica. A diferença entre as duas categorias resume-se, de maneira simplificada, à função e as expectativas suscitadas pelas respectivas obras.
A primeira, a pintura histórica bíblica, insere-se, por exemplo, no horizonte das composições realizadas para concursos acadêmicos e dos envios de pensionistas ainda em formação na Academia –sejam cópias ou obras autorais–, em suma, obras realizadas num contexto não devocional com critérios específicos de julgamento. A segunda categoria, aquela da pintura religiosa bíblica, está inserida no contexto religioso seja para a devoção pública, os “tableaux d’église”,[60] ou para a devoção particular. É a pintura religiosa, a “art chrétien”,[61] que deve estar embebida e que pode ser julgada a partir de valores cristãos. A nosso ver, é na imbricação das duas categorias que surgem as incompreensões dos critérios de cada uma delas. Como observou Horace Vernet na conclusão de sua tese:
Il y a deux choses distinctes dans la peinture: l’une représente les fait de l’histoire, l’autre en interprète le sens. Le première nous montre les faits par le vrai, le beau, la force de l’expression, et pour ainsi dire transmet à l’âme par les yeux ce que la poésie inspire à l’imagination; la seconde est symbolique, les couleurs, les rapports de convention, les paraboles en font tout l’intelligence; l’art n’est qu’un moyen accessoire, et souvent n’y est pour rien; aussi a-t-il suffi, pour obtenir des succès en ce genre, d’imiter, non la nature, mais les ouvres des quelques moines, de fanatiques, retourner en arrière de bien des siècles, aux époques où l’art était plutôt un langage mystique, comme des hiéroglyphes, qu’un moyen de représenter à la vue les objets réels et d’imiter la nature par des combinaisons savantes.[62]
Essa diferenciação aparece em termos semelhantes nas propostas de Caterina Bon Valsassina para a pintura sacra italiana oitocentista. A autora afirma que os estudos recentes sobre a pintura italiana revelam que todos os pintores de formação acadêmica se dedicaram, ao menos um pouco, ao que ela denomina “arte sacra”. Valsassina distingue tal produção em três classificações: “copie da prototipi illustri dagli ‘antichi maestri’, pale d’altare e dipinti murali di committenza ecclesiastica, quadri di soggetto sacro non destinati alle chiese e classificabili come una sottocategoria della pittura di storia”.[63] Nos referimos a essa subdivisão da pintura histórica como pintura histórica bíblica.
No caso francês, ao menos no período em que tratamos neste texto, tais limites não são tão claros, uma vez que pinturas realizadas por iniciativa dos artistas poderiam figurar posteriormente em igrejas, como explicava o crítico Alex Barbier no Salão de 1839:
[…] je puis vous assurer que dans tous les tableaux de ce genre [d’église] qui sont á l’exposition, il n’y a pas la plus petite étincelle d’art chrétien.
La raison, je vais vous la dire, c’est que l’art chrétien est une affaire de commerce, une spéculation lucrative. Si l’on demande à nos artistes (et je l’ai fait), pourquoi ils peignent tant de saints, tant de vierges, tant de calvaires, œuvres mortes et sans aucune portée, ils répondent que c’est parce qu’on a la chance de voir acheter son tableau, soit par le ministre de l’intérieur, soit par la préfecture, soit même par la curé de la paroisse. Voilà le seul motif de la dévote occupation qu’ils donnent à leurs pinceaux: sous l’influence d’une aussi vulgaire et vénale inspiration, jugez si nous pouvons encore avoir de l’art chrétien!.[64]
Algumas obras foram frutos da iniciativa dos próprios artistas, sem imposições ou mediações da comitência, e por essa razão as pinturas de inspiração bíblica do período resultaram tão plurais e distintas entre si. A ausência de um estilo ou de uma escola dominante fica clara ao acompanharmos algumas das obras expostas nos Salões parisienses entre as décadas de 1830 e 1860.[65]
É nesse recorte cronológico que assistimos a inserção das pinturas bíblicas de Horace Vernet no Salão parisiense, a defesa dos seus ideais e, com a sua morte em 1863, a reinserção de suas ideias nos periódicos em circulação. A “maneira” de Vernet é apenas uma dentre muitas outras possíveis, e o seu ineditismo fez com que outros artistas fossem a ele associados pela crítica, como o caso de Henri Schopin.
O oposto imediato de sua proposta seria aquela pintura que apresenta, dentre outras características e, segundo a crítica, “l’esprit biblique”, “la simplicité primitive”, em suma, aquelas que tomam, em alguma medida, os artistas do passado como modelo.[66] A verossimilhança empregada por Vernet era criticada, uma vez que “la tradition biblique a bien une autre couleur”.[67] A “outra cor” mencionada é aquela presente na tradição renascentista, na pintura idealizada, afinal, “il faut toujours sacrifier la vérité à la grandeur”.[68] Rafael e Michelangelo são alguns dos artistas evocados pela crítica como exemplos[69] e, não por acaso, são elencados por Vernet como modelos que devem ser superados: “Chaque jour, mon cher ami [Montfort], j’entends dire dans nos écoles que Raphaël, Michel-Ange et leurs devanciers ont tout fait, et qu’il ne reste plus qu’à imiter”.[70]
Em 1863, devido à morte de Vernet, alguns artigos dedicados ao artista, sua vida e atuação trariam novamente à tona essa polêmica em torno de suas propostas na imprensa parisiense. Henri Delaborde foi o responsável pelo artigo na Revue des Deux Mondes e, para refutar a aproximação “etnográfica” de Vernet, ele retoma a crítica realizada por Fromentin, afirmando que “costumer la Bible, c’est la détruire”. Enquanto Delaborde e Fromentin parecem enfatizar a dimensão metafísica do debate,[71] Vernet priorizava os aspectos artísticos e históricos das representações bíblicas em sua argumentação, como vimos. Cabe reiterar, portanto, um dos questionamentos de Vernet:
Pourquoi hésiterions-nous à provoquer de nouvelles études sur un point qui doit amener pour les arts, non une révolution, mais une véritable amélioration, en leur donnant les moyens de reproduire tant de beaux sujets sous un aspect neuf et conforme à la vérité?.[72]
Leon Lagrange,[73] responsável pelos artigos sobre Vernet na Gazette des Beaux-Arts, fez algumas ressalvas às suas proposições, mencionando apenas aspectos históricos. O autor recupera os diversos episódios do contato de Vernet com o Oriente, sua fascinação, suas missões e viagens, e lista nove quadros “qui furent le fruit de la préoccupation arabo-biblique d’Horace”.[74]
Além das pinturas cuja recepção crítica acompanhamos, o artista empregou sua “metodologia” em ao menos mais quatro composições: Jeremiah on the ruins of Jerusalem (Fig. 7), Rachel pleurant ses fils, Joseph’s Coat[75] e Daniel dans la fosse aux lions.[76] Nessas pinturas, Horace Vernet materializa os seus ideais e nos apresenta a sua interpretação particular da Bíblia, representando as histórias bíblicas sob as cores e costumes locais.
Nem com a morte do artista essa discussão chegaria ao fim. Suas proposições continuaram a ecoar: em 1874, o crítico Ernest Chesneau retomaria a questão ao escrever o seu Salon Sentimental;[77] dez anos depois, em 1884, ela reapareceria em publicação de Ernest Renan.[78] Parece-nos pouco provável que sejam episódios isolados e, nesse sentido, acreditamos que há uma perpetuação das suas ideias nos debates franceses ao longo do século XIX, como veremos a seguir.
Podemos demonstrar a continuidade do seu modelo tanto pelas obras apresentadas nos salões quanto pela recepção da crítica. No Salão de 1877, entre outras participações, os artistas Edmond Dupain e Charles Ronot expuseram, respectivamente, as pinturas Le Bon Samaritain (Fig. 8) e La Colère des Pharisiens (Fig. 9). As duas obras foram compradas pelo Estado francês, fotografadas e registradas no álbum de aquisições daquele ano. Ao observarmos os registros fotográficos, apesar das limitações da reprodução, notamos que os personagens estão vestidos à moda oriental, revelando a atualização iconográfica dos episódios. O crítico Paul Mantz escreveu a respeito das obras em uma de suas publicações sobre a exposição daquele ano e, antes de se dedicar às pinturas, ainda no primeiro parágrafo do seu artigo, introduz:
[…] Les livres saints, les récits des hagiographes ne sont plus que des prétextes à illustrations, et si nos artistes les lisent encore, c’est pour y trouver, non des sentiments, mais des costumes. Horace Vernet avait découvert un jour qu’Abraham était un bédouin et qu’un voyage en Algérie suffisait à expliquer l’Ancien Testament et le Nouveau. Cette doctrine a obtenu quelque succès. On introduit dans la traduction de la Bible et de l’Evangile toutes les fanfares de l’orientalisme, tout le bric-à-brac d’un bazar turc.[79]
Em seguida, o teor de sua crítica aos artistas se assemelha à recepção da produção de Vernet. Se ele reconhece qualidades na composição e execução das obras, pondera que as representações resultam triviais. Mantz, que já havia criticado Vernet no Salão de 1847,[80] refere-se à pintura de Dupain como uma “cena da vida do Oriente”.[81] O comentário testemunha não só a permanência do modelo perpetuado por Vernet, mas a manutenção de certa resistência. Foi assim que Rebecca et Eliezer foi recebida no Salão de 1835: como “uma simples cena da vida árabe”.
Ainda que nosso texto tenha como objetivo principal a discussão das propostas secularizantes de Horace Vernet para a atualização da pintura bíblica por meio do contato com o Oriente, devemos mencionar outras iniciativas importantes que podem ser aproximadas e que se concretizaram em outros suportes, notadamente na produção gráfica, como as ilustrações bíblicas. Destacam-se as publicações da Bíblia ilustrada por Gustave Doré, La Sainte Bible selon la Vulgate, em 1866; Les Saints Évangiles, de 1873, com ilustrações de Alexandre Bida; e nos anos 1896 e 1897, La Vie de Notre-Seigneur Jésus Christ por James Tissot. Essas publicações trazem outras questões para a discussão devido à representação do Novo Testamento e de Jesus Cristo.[82] Apesar de Vernet sugerir a validade de suas propostas tanto para o Antigo quanto para o Novo Testamento,[83] ele não se referiu especificamente à figura de Cristo. Outro fator que torna essa discussão ainda mais complexa é a publicação do influente livro Vie de Jésus de Ernest Renan em 1863, onde o autor propõe uma interpretação histórica de Jesus.[84] Em diferentes medidas, essas publicações trazem inovações devedoras do contato aproximado com o Oriente durante o século XIX, permitindo que as relacionemos de alguma maneira com as propostas de Vernet.
Na pintura Journey of the Magi (Fig. 10) de James Tissot, por exemplo, vemos a representação de três homens no primeiro plano liderando uma caravana que atravessa essa paisagem árida, desértica. Não fosse o título, talvez não os associaríamos aos três reis magos, como notou Jan de Hond.[85] Essa composição faz parte de uma série de obras realizadas por Tissot para ilustrar a vida de Jesus, realizadas a partir do seu contato com o Oriente e trazendo inovações na representação desses episódios.[86] Ao partirmos dessa imagem, a associação de Tissot com as obras de Vernet é evidente.[87] No entanto, ao tratarmos de The Ascension (Fig. 11), outra composição pertencente ao mesmo conjunto,um novo elemento é colocado. Sea atualização das vestimentas e da paisagem presente na obra de Tissot permite a aproximação com as modificações propostas por Vernet, o aspecto espiritual na representação da ascensão de Jesus promove a distância.
Se, por um lado, essas iniciativas se assemelham às produções de Vernet por inserirem elementos de uma cultura visual orientalista na representação de episódios bíblicos, por outro, elas se distanciam ao recorrerem, por vezes, a elementos vinculados às interpretações religiosas. Convém reforçar, portanto, que os limites entre as representações não são sempre tão claros, sendo necessário que nos atentemos às características específicas das obras e dos seus contextos de criação, exibição e fruição.
Considerações finais
As proposições de Horace Vernet para a modificação da pintura bíblica, formuladas a partir do seu contato com o Oriente, constituíram um novo modelo artístico no século XIX. Esse modelo, por sua vez, suscitou controvérsias ao desvelar as especificidades da pintura histórica seja em relação às pinturas de gênero, seja em relação às pinturas religiosas.
A persistência do real em suas obras era o fator responsável por evidenciar os limites de sua pintura para a crítica do período. O seu modo “realista” ou “naturalista” de reproduzir os elementos presentes em suas obras, tal qual poderiam ser vistos materialmente, fazia com que os observadores não encontrassem nenhum indício de elevação poética ou espiritual em suas pinturas. Assim, elas se distanciavam das “cores” dos antigos mestres, causando uma fratura entre as expectativas conformadas pela tradição e promovendo um estranhamento em sua fruição devido à sua originalidade.
Essa característica de sua prática artística, aliada à sua nova proposição para a pintura histórica bíblica, isto é, a representação dos personagens bíblicos a partir do estudo dos povos do Oriente contemporâneo, resultava na percepção de que suas obras não passavam de pinturas de gênero. A representação dos episódios bíblicos em paisagens do Oriente, a caracterização dos personagens a partir do estudo de traços específicos, assim como a inserção da cultura material oriental em suas obras, corroboravam com essa leitura.
Ao mesmo tempo em que, para Vernet, vestir os personagens bíblicos em trajes orientais e representá-los de modo verossímil fazia com que a sua pintura ganhasse em “verdade histórica”, para a crítica, o caráter “realista” ou “naturalista” de sua representação despia o episódio bíblico de sua universalidade e grandeza, situando-o em lugar particular e reconhecível. É da pintura de gênero que se espera a “verdade” ou a “cor” local enquanto característica específica, em oposição à “universalidade” e à “grandeza”.
A iniciativa de Vernet não deve ser interpretada como uma ação pontual, restrita à sua participação no Salão ou à leitura do seu discurso na Académie des Beaux-Arts. Apesar da recepção crítica questionável às suas proposições, o artista continuou a produzir pinturas bíblicas sob as cores e os costumes orientais, defendeu e publicou a sua tese. Mesmo após a sua morte, a sua iniciativa continuou a se perpetuar em publicações e debates diversos. Ainda que as proposições do artista não tenham sido tão bem recebidas pela crítica em seu período de atuação, acreditamos que o seu modelo artístico estabeleceu uma linhagem que continua a se perpetuar durante o século XIX, quando os pressupostos do realismo e do naturalismo se impõem sobre a pintura histórica, intensificando a hibridação entre as categorias e os gêneros artísticos.
Notas
[1] Charles Paul Landon, “Salon de 1835”, Annales du Musée et de l’École Moderne des Beaux-Arts, Paris, Chez Pillet Ainé, 1835, p. 27.
[2] Essa é a hipótese defendida em nossa dissertação mestrado, realizada no Programa de Pós-Graduação em História da Arte da Universidade Federal de São Paulo, sob orientação da professora Dra. Elaine Dias, com auxílio da FAPESP e da CAPES: processo 2016/01908-4, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Cf. Fabriccio Miguel Novelli Duro, Pedro Américo e a Exposição Geral de 1884: Pintura Histórica Religiosa e Orientalismo. Tesis do mestrado em História da Arte, Guarulhos, PPGHA-UNIFESP, 2018. O presente texto é a reprodução com algumas adaptações de parte do segundo capítulo.
[3] Apresentamos uma versão reduzida e parcial desse texto no Encontro de História da Arte da UNICAMP em 2018. Fabriccio Miguel Novelli Duro, “Da representação ideal à cor local: Horace Vernet e a «orientalização» da pintura histórica bíblica”, em: Leticia B. K. de Campos (org.), Atas do XIII Encontro de História da Arte – Arte em confronto: embates no campo da História da Arte, Campinas, UNICAMP/IFCH/CHAA, 2019, pp. 343-351.
[4] Bruno Foucart, Le Renouveau de la peinture religieuse en France (1800-1860), Paris, Arthena, 1987, pp. 328-329; Michael Paul Driskel, Representing Belief: religion, art, and society in Nineteenth-Century France, Pennsylvania, Pennsylvania State University Press, 1992, pp. 193-200; Malcolm Warner, “The Question of Faith: Orientalism, Christianity and Islam”, em: The Orientalists: Delacroix to Matisse – The allure of North Africa and the Near East, Royal Academy of Arts, London, 1984, pp. 32-33 [Catálogo]; Jan de Hond, “L’Orient Religieux: à la recherche de la source”, em: L’Orientalisme en Europe: de Delacroix à Matisse, Musées royaux de Beaux-Arts de Belgique, Bruxelles, Paris, Hazan, 2010, pp. 135-136 [Catálogo]; Isabelle Saint-Martin, Art Chrétien/Art Sacré, Rennes, Presses Universitaires de Rennes, 2014, p. 148; entre outros.
[5] Lynne Thornton, The Orientalists: Painter-Travellers 1828-1908, Paris, ACR Edition Internationale, 1983, pp. 46-48.
[6] Jan de Hond, op. cit., p. 135.
[7] Malcolm Warner, op. cit., p. 33.
[8] Não faz parte do escopo desse artigo a discussão do termo “orientalismo”, assim como de suas derivações, como “pintura orientalista”. Utilizamos esse termo em função do sentido e do repertório específico que suscita no campo da história da arte, consolidado a partir de extensa bibliografia e de diversas exposições realizadas desde o século XIX.
[9] Acreditamos que o modelo artístico desenvolvido por Vernet é de fundamental importância para compreendermos as pinturas Davi e Abizag (1879), Judite e Holofernes (1880) e Moisés e Jocabed (1884) realizadas pelo pintor brasileiro Pedro Américo. Além de nossa dissertação, cf. Fabriccio Miguel Novelli Duro, “Pintura histórica religiosa e orientalismo nos envios de Pedro Américo para a Exposição Geral de 1884 no Rio de Janeiro”, em Ana Schwartzman et al. (org.), III Encuentro de Jóvenes Investigadores en Arte, Buenos Aires, CAIA, 2018. pp. 132-142. En: http://www.caia.org.ar/CAIAJovenes2018.pdf (acceso: 06/06/2020)
[10] Além da primeira viagem em 1833, “[c]ette idée d’une absence d’évolution du peuple arabe fut confortée par les autres voyages que Vernet put faire à nouveau en Algérie en 1837, de l’Égypte à la Syrie en 1839-1840, en Algérie et au Maroc en 1845 et 1853-1854”. Claude Allemand Cosneau, “Agar chassée par Abraham”, em: Les années romantiques: 1815-1850, Musée des Beaux-Arts de Nantes, Nantes, Paris, Réunion des Musées Nationaux, 1996, p. 443.
[11] Auguste Jal, “Salon de 1831”, em: Ébauches critiques, Paris, A.-J. Dénain, 1831, pp. 249-250. Grifos nossos.
[12] Ambroise Tardieu, “Salon de 1831”, Annales du Musée et de l’École Moderne des Beaux-Arts, Paris, Chez Pillet Ainé, 1831, p. 5.
[13] Ibid., p. 6.
[14] Henri Monnier, “Lettre sur le Salon”, Revue des Deux Mondes, Paris, 1831, T. 2, p. 337.
[15] Gustave Planche, “Salon de 1831”, Études sur l’École Française (1831-1852) Peinture et Sculpture, Paris, Michel Lévy Frères, 1855, T. 2, p. 17. Grifos nossos.
[16] Ibid., p. 17. Grifos nossos.
[17] “Salon de 1835”, op. cit., p. 27. Grifos nossos.
[18] Alex Barbier, Salon de 1839, Paris, Joubert, 1839, pp. 33-35. Grifos nossos.
[19] “[…] on a dit qu’elle rappelait la Judith du même artiste, mais elle lui est préférable”. [Prosper Mérimée], “Le Salon de 1839 – Premier Article”, Revue des Deux Mondes, Paris, Bureau de la Revue des Deux Mondes, 1839, T. 18, p. 95.
[20] Ibid., p. 95.
[21] Alex Barbier, op. cit., p.34.
[22] Gustave Planche, op. cit., p. 17.
[23] Horace Vernet, Judah and Tamar, 1840, óleo sobre tela, 129 x 97.5 cm, Wallace Collection, London.
[24] “Beaux-arts – Salon de 1843”, L’Illustration, Journal universel, vol. 1, nº 4, Paris, 25 de mars de 1843, p. 57. Grifos nossos.
[25] Wilhelm Ténint, Salon 1843, Paris, Chez Challamel, 1843, p. 22. Grifos nossos.
[26] Alex Barbier, op. cit., p. 33.
[27] Wilhelm Ténint, op. cit., p. 22. Grifos nossos.
[28] Le Salon de 1843, appendice au livret – representé par 37 copies de Bertal, Paris, Ildefonse Rousset, 1843, p. 97. Grifos nossos.
[29] As pinturas de Steuben não só escandalizaram a crítica pela sua maneira de “traduzir a Bíblia”, mas também pela sua maneira de representar a nudez feminina. Cf. Arséne Houssaye, “Le Salon de 1843 (première partie)”, Revue de Paris, T. 15, Paris, Bureau de la Revue de Paris, 1843, p. 294.
[30] Arséne Houssaye, “Le Salon de 1843 (troisiéme partie)”, Revue de Paris, T. 16, Paris, Bureau de la Revue de Paris, 1843, pp. 116-117.
[31] “[…] des toiles plus tristes, comme, par example, celles de M. Schopin”. Louis Peisse, “Le Salon de 1843 (premier article)”, Revue des Deux Mondes, T. 2, Paris, Bureau de la Revue des Deux Mondes, 1843, p. 106.
[32] Ibid., p. 106.
[33] Ibid., p. 106.
[34] Wilhelm Ténint, op. cit., p. 34.
[35] Paul Mantz, Salon de 1847, Paris, Ferdinand Sartorius, 1847, pp. 87-88. Grifos nossos.
[36] “Horace Vernet a commencé depuis longtemps cette mascarade à la bédouine des sujets de l’Ancien Testament”. Théophile Gautier, Salon de 1847, Paris, J. Hetzel, Warnod et Cie, 1847, p. 32.
[37] “[…] La seconde Judith, plus vulgaire, plus mal dessinée que la première [fait par le peintre], appartient au mélodrame, et devrait être la dernière tentative de M. Vernet dans le genre biblique […]”. Planche, op. cit., p. 243.
[38] “Les Sujets religieux ne sont guère plus favorables à M. H. Vernet […], la Judith du peintre est habilement traitée ; mais elle a l’air d’une Judith de théàtre qui a préparé son attitude avant d’entrer en scéne […]”. Henry Trianon, “Salon de 1847”, Le Correspondant, T. 18, Paris, Librairie de Sagnier et Bray, 1847, pp. 222-223.
[39] Séance 29/01/1848; 05/02/1848; 12/02/1848. Jean-Michel Leniaud (dir). Procès-Verbaux de l’Académie des Beaux-Arts: 1845-1849, Paris, École des Chartes, 2008, t. 8, pp. 292-294. Na versão impressa do discurso, publicada em 1856, é indicado no título que o mesmo foi lido em 1847 na Academia. Trata-se de um equívoco da publicação impressa à época, como pudemos verificar nos Procès-verbaux. Provavelmente decorre disso a variação na bibliografia, que aponta a realização de seu discurso tanto em 1847 quanto 1848. Horace Vernet, Opinion sur Certains Rapports qui Existent entre le Costume des Anciens Hébreux et celui des Àrabes Modernes (lu a l’Académie en 1847), Paris, Bonaventure et Ducessois, 1856.
[40] Nesse sentido, o Oriente se revela como espaço de projeção da alteridade: “La notion d’Orient, en un mot, hante toujours plus obsessionnellement l’imaginaire occidental comme l’antithèse de la modernité: si celle-ci est vécue comme un progrès, l’Orient est condamné comme une décadence; si elle apparaît comme une forme paradoxale de décadence; l’Orient devient l’horizon d’une renaissance”. Rémi Labrusse, Islamophilies: L’Europe Moderne et les arts de l’Islam, Musée des Beaux-Arts de Lyon Paris, Somogy, 2011, p. 25 [Catálogo].
[41] Horace Vernet, “Des rapports qui existent entre le costume des anciens Hébreux et celui des Arabes Modernes”, L’illustration. Journal Universel, vol.10, nº 259, 12 de février de 1848.
[42] “Vous qui l’avez lue [la Bible] ici, vous avez dû être frappé de son actualité; avouez qu’elle semble avoir été écrite aujourd’hui, tant les traditions s’en sont conservées!” Ibid., p. 370.
[43] Ibid., p. 370. Grifos nossos.
[44] Ibid., p. 370.
[45] “Raphaël, lui-même, coiffait Alcibiade d’un casque de fantaisie; Le Poussin armait Romulus d’une cuirasse du Bas-Empire, Lebrun plaçait une perruque à la Louis XIV sur la tête d’Alexandre, etc”. Ibid., p. 371.
[46] Ibid., p. 371.
[47] “Pourquoi de nos jours n’en profiterions-nous pas, comme nous l’avons fait des vases étrusques, de la colonne Trajane, des médailles, et ne consulterions-nous pas les auteurs qui ont traité spécialement l’histoire des Hébreux, comme nous le faisons chaque jour, en compulsant Montfaucon, Winckelmann, etc.? Mais la routine est la […], la routine qui n’accepte rien de nouveau pour rester sous son édredon, et qui ne voulait pas même que la terre tournât autour du soleil. Je ne veux pas dire pour cela que les traditions, les types doivent être mis à l’écart. Ces choses, au contraire, doivent être observées avec un scrupuleux respect, mais seulement jusqu’au moment où la vérité se montre, et je prétends qu’il est absurde (je le prends sous ma responsabilité) de porter l’obéissance jusqu’à professer que, si les maîtres ont commis des erreurs, il faille que leurs successeurs renoncent à les corriger dans leurs œuvres. Où en serait donc la science avec de semblables principes? Pourquoi, dans les arts, ne progresserait-on pas ausse et d’autant plus sûrement que, dans la matière que je traite, il n’y a pas d’innovation dans l’ordre naturel des choses? […]”. Ibid., p. 371.
[48] “Ingres, le digne zélateur de l’école de Raphaël, a-t-il fait Homère jouant du violon, comme on en voit un entre les main d’Apollon, dans la fresque du Parnasse? Non, il a su s’inspirer de tout ce qui se trouve de grandiose dans ce chef-d’œuvre du grand maître sans le suivre dans ses erreurs”. Ibid., p. 371.
[49] Ibid., p. 371.
[50] Ibid., p. 371.
[51] A. J. D. “Beaux-Arts – Salon de 1848 – Avant-propos”, L’Illustration, Journal Universel, vol. 11, nº 265, 25 de mars de 1848, p. 54.
[52] Horace Vernet, op. cit., 370.
[53] Théophile Gautier, “Salon de 1848”, La Presse, nº 4369, 29 de avril de 1848, p. 1.
[54] “Si les artistes qui se sont voués plus particulièrement à la représentation de sujets religieux, voulaient se donner la peine d’aller contempler l’image encore vivante de tout ce que nous a transmis la Bible, s’ils allaient étudier les pittoresques et traditionnels costumes de l’Orient qui existent encore, leurs productions gagneraient en vérité et seraient plus sérieuses; […]”. Delorme, “Review [Opinion] sur ‘Opinion sur certains rapports qui existent entre le costume des anciens Hébreux et celui des Arabes modernes (lu à l’Académie des Beaux-Arts), par M. Horace Vernet. Br. In-8º, avec gravures. Paris, 1856; impr. Ducessois”, Revue Archéologique, ano 12, nº 2, Paris, 1856, p. 765.
[55] “Les études archéologiques ne permettent plus de nos jours ces anomalies artistiques qui nous font voir Jésus-Christ entouré de marchands vénitiens du XVIe siècle ou des bourgmestres flamands; des martyrs chrétiens vêtus de manteaux de velours; Moise vêtu en sénateur romain; David et Goliath en soldats gaulois; un Christ descendu de la croix entouré des saintes femmes portant le costume flamand, le tout exécuté dans des tons de couleur qui ne sont nullement en rapport avec les personnages et les lieux où se passent les scènes représentées”. Ibid., p. 765.
[56] Ibid., p. 765.
[57] Veronique Magri-Mourgues, “L’œil du peintre Fromentin: Un Été dans le Sahara”, em François Moureau (org.), L’œil aux aguets ou l’artiste en voyage, Paris, Klincksieck, 1995.
[58] Eugène Fromentin, Un été dans le Sahara, Paris, Michel Lévy Frères, 1857, pp. 61-62.
[59] Théophile Gautier, op. cit., p. 34.
[60] “Le genre des tableaux d’église constitue ce qu’on appelle aujourd’hui dans la critique l’art chrétien; mais l’art chrétien a deux formes: celle que lui a donné d’abord le moyen-âge, et celle qu’il reçut plus tard de Michel-Ange et de Raphaël”. O autor prossegue na discussão, inclusive dizendo que não há arte cristã naquele Salão, pois os artistas passaram a se dedicar ao gênero apenas pela facilidade de comercialização. Alex Barbier, op. cit., pp. 146-149.
[61] Cf. Isabelle Saint-Martin, op. cit.
[62] Horace Vernet, op. cit., p. 372.
[63] Caterina Bon Valsassina, “La Pittura sacra in Italia nell’Ottocento: una proposta di classificazione”, em Giovanna Capitelli; Carla Mazzarelli (org.), La Pittura di storia in Italia: 1785-1870. Ricerche, quesiti, proposte, Milano, Silvana, 2008, p. 212.
[64] Alex Barbier, op. cit., p. 148.
[65] Cf. Bruno Foucart, op. cit.
[66] Michael Driskel, op. cit., p. 195.
[67] Alex Barbier, op. cit., p. 35.
[68] Arséne Houssaye, op. cit., p. 117.
[69] Cf. penúltima nota de Alex Barbier, op. cit., pp. 146-149.
[70] Horace Vernet, op. cit., p. 371.
[71] “La question a été résolue, et à notre avis sans réplique, par un écrivain à qui la délicatesse de son goût, aussi bien que son expérience personnelle de l’art et du pays, assure en pareille matière une compétence parfaite. ‘Costumer la Bible, dit M. Eugène Fromentin, c’est la détruire, […]”. Henri Delaborde, “Horace Vernet: ses œuvres et sa manière”, Revue des Deux-Mondes, vol. 44, Paris, J. Claye, 1863, p. 96.
[72] Horace Vernet, op. cit., p. 371. Grifos nossos.
[73] Léon Lagrange, “Artistes Contemporains – Horace Vernet”, Gazette des Beaux-Arts, T. 15, Paris, J. Claye, 1863, p. 463.
[74] Léon Lagrange, op. cit., p. 461.
[75] Horace Vernet, Joseph’s Coat, 1853, óleo sobre tela, 138 x 102 cm, Wallace Collection, London.
[76] Horace Vernet, Daniel dans la fosse aux lions, 1857, óleo sobre tela, 147 x 114,5 cm, Tajan, Paris (Tableaux anciens, 1919, n. 60. Leilão 26 de junho de 2019).
[77] Ernest Chesneau, “Le Salon Sentimental”, Revue de France, T. XI, Paris, 1874, p. 754.
[78] Ernest Renan, “L’Art Religieux”, Nouvelles Études d’Histoire Religieuse, Paris, Michel Lévy Frères, 1884, p. 410.
[79] Paul Mantz, “Le Salon – iii”, Le Temps, nº 5879, 23 de maio de 1877.
[80] Conferir a citação reproduzida na nota de rodapé 34.
[81] Paul Mantz, op. cit., p. 1.
[82] Cf. Michael Driskel, op. cit; Isabelle Saint-Martin, op. cit.
[83] Conferir a citação reproduzida na nota de rodapé 48.
[84] Alexandre Bida, artista orientalista que já havia viajado ao Oriente algumas vezes antes de iniciar a ilustração de Les Saints Évangiles, travou contato com Ernest Renan em Jerusalém enquanto Renan realizava as suas pesquisas para o livro Vie de Jésus, como aponta Jan de Hond. Alguns anos depois da publicação de Vie de Jésus, uma edição do livro ilustrada por Godefroy Durand foi publicada em 1870. As imagens de Bida e Durand são discutidas por Driskel. Jan de Hond relaciona os dois artistas à iniciativa de Vernet. Cf. Jan de Hond, op. cit, pp. 136-137; Michael Driskel, op. cit., pp. 200-202.
[85] Jan de Hond, op.cit., p. 140.
[86] “Comme Bida, il [Tissot] fait le voyage en Terre Sainte 1886? 1887 et 1889, puis s’attèle à la mise en image de la Bible durant près de dix ans”. Philippe Kaenel, “De l’édition illustrée a la bande dessinnée: réimaginer la Passion au XXe siècle”, RELIEF – Revue Électronique de Littérature Française, vol. 2, nº 3, pp. 309-333.
[87] Ao escrever sobre o pintor Charles Ronot, por exemplo, Emmanuelle Amiot-Saulnier retoma uma crítica de Olivier Merson, a partir da qual afirma: “Le commentaire de Merson situe Ronot dans la famille d’Horace Vernet et de Tissot”. Cf. Emmanuelle Amiot-Saulnier, La Peinture religieuse en France (1873-1879), Paris, Musée d’Orsay, 2007, p. 164.