A Amazônia nos Estados Unidos: O projeto Amazonia de Maria Martins exibido na mostra Maria: New Sculptures (Vallentine Gallery, 1943)
The Amazon in the United States: Maria Martins' Amazonia project shown at the Maria: New Sculptures exhibition (Vallentine Gallery, 1943)
Compartir
> autores
Maria de Fátima Morethy Couto
Doutora em História da Arte pela Universidade de Paris I-Panthéon/Sorbonne. Professora Livre-Docente do Instituto de Artes da Unicamp, pesquisadora do CNPq. Autora do livro Por uma vanguarda nacional. A crítica brasileira em busca de uma identidade artística - 1940/1960 (Unicamp, 2004) e coautora dos livros Histórias da arte em exposições: modos de ver e de exibir no Brasil e Histórias da arte em coleções (2016), Histórias da arte em museus (2020), entre outros.
Eduarda Diniz
Graduanda do último ano de licenciatura/bacharelado em Artes Visuais da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Brasil. Contemplada pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para a Graduação (PIBIC/CNPq) ciclo 2018/2019, tendo desenvolvido o trabalho “A Amazônia nos Estados Unidos: estudo sobre o projeto “Amazonia” de Maria Martins sob a orientação da Professora Doutora Maria de Fátima Morethy Couto.
Recepción: 20 de junio de 2020
Aceptación: 11 de noviembre de 2020
Esta obra está bajo una Licencia Creative Commons Atribución-NoComercial-CompartirIgual 4.0 Internacional.
> como citar este artículo
Morethy Couto, Maria de Fátima; Diniz, Eduarda; “A Amazônia nos Estados Unidos: O projeto Amazonia de Maria Martins
exibido na mostra Maria: New Sculptures (Vallentine Gallery, 1943)”. En caiana. Revista de Historia del Arte y Cultura Visual del Centro Argentino de Investigadores de Arte (CAIA) No 17 | Segundo semestre 2020, pp. 49-64
> resumen
Este trabalho toma como objeto de estudo o projeto Amazonia, apresentado na mostra Maria: New Sculptures, realizada na Valentine Gallery (New York), em 1943. Consideramos que esta exposição, que envolveu a apresentação de oito esculturas sobre mitos indígenas e afro-brasileiros e a produção de um catálogo com imagens das obras e poemas da artista, representou uma virada na produção de Maria Martins. Sua importância reside no fato de podermos investigar aspectos importantes que reverberam na obra de Maria como um todo, como o seu interesse por temáticas nacionais, mitos brasileiros, a exploração do exótico, do erótico e do feminino, suas relações artísticas, sua aproximação com o surrealismo e sua projeção no cenário artístico da época.
Palabras clave: Maria Martins, esculturas, mostra, Amazonia, Vallentine Gallery
> abstract
This paper will call attention to the project Amazonia, presented at the exhibition Maria: New Sculptures, held at the Valentine Gallery (New York), in 1943. We consider that this show, which involved the presentation of eight sculptures about indigenous and afro-Brazilian myths and the production of a catalogue with images of the artist’s works and poems, is a turning point in Maria Martins’ production. Its importance lies in the fact that we can investigate important aspects that reverberate in the work of Maria as a whole, such as her interest for national themes, Brazilian myths, her delving into the exotic, erotic and the feminine, her artistic relations, her interest in surrealism and her projection on the artistic scene of the time.
Key Words: Maria Martins, sculptures, exhibition, Amazonia, Vallentine Gallery
A Amazônia nos Estados Unidos: O projeto Amazonia de Maria Martins exibido na mostra Maria: New Sculptures (Vallentine Gallery, 1943)
The Amazon in the United States: Maria Martins' Amazonia project shown at the Maria: New Sculptures exhibition (Vallentine Gallery, 1943)
Introdução
A obra de Maria Martins é multifacetada e só recentemente vem sendo estudada no Brasil com mais frequência e atenção. É possível que isso tenha se dado pelo fato de Maria ter passado a maior parte de sua vida fora de seu país natal (de 1923 a 1950) e ter para ele retornado em uma época em que o debate artístico nas metrópoles brasileiras girava em torno do potencial da arte abstrata de caráter construtivo para a atualização e transformação social. Talvez em função de uma recepção crítica hesitante, reticente, Maria realiza apenas três exposições individuais em vida no Brasil: duas em 1950, logo de seu retorno ao país, no Museu de Arte Moderna de São Paulo e na Associação Brasileira de Imprensa no Rio de Janeiro, e a terceira e última em 1956, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Sua produção de cunho surrealista não foi bem recebida, uma vez que remetia a uma imagem de Brasil «primitivo», que não mais interessava às vanguardas atuantes no Brasil naquele momento, e era vista como demasiado narrativa, literária. O crítico Flávio de Aquino, por exemplo, observa sobre sua exposição de 1950 no Rio de Janeiro:
As mais fantásticas alucinações dão aí rendez-vous sob o signo do erotismo. Lá tudo acontece, menos escultura. […] Formas literárias, com intenções psicológicas, substituem e mascaram aí o ritmo da escultura. […] Tudo fascina, é poético e surpreendente, mas não é escultura. E por que não é escultura? Simplesmente porque lhe falta o sentido plástico.[1]
Mário Pedrosa expressa opinião semelhante em 1957, ao afirmar, a respeito da última individual de Maria no Brasil, que «o fundo de seu impulso criador não é plástico, mas discursivo» e que, «como artista, ela sofre de um defeito capital: o excesso de personalidade». E complementa: «a arte de Maria age como sanguessuga, uma garra de nervos lassos, embora dominados por uma vontade brutal, mas que não é mais senão um desesperado capricho, doloroso espasmo».[2]
Cabe, porém, ressaltar que Maria, nos anos 1950, foi contemplada com prêmios na Bienal Internacional de São Paulo, além de ter atuado decisivamente em prol da concretização da edição inaugural do evento, auxiliando Yolanda Penteado, esposa de Francisco Matarazzo Sobrinho (Ciccillo Matarazzo) em seus contatos no exterior. A esse respeito, relembra Penteado em seu livro de memórias, ao comentar que «a Bienal surgira de uma maneira completamente imprevista»:
Morava na Avenida Paulista. Um dia, o Ciccillo estava conversando com Arturo Profili e me fez essa pergunta: – Você não quer experimentar fazer uma bienal? Fiquei muito espantada porque nem sabia direito o que era uma bienal. Aí, eles me disseram: – Já escrevemos a diversos países, sugerindo essa ideia, mas não veio resposta. Você quer tentar? […] Antes de partir, falei com Maria, casada com o Embaixador Carlos Martins; éramos muito amigas e ela sempre me ajudou. Maria me disse: – Olhe, você tem que ir em caráter semi-oficial, porque você não é do Itamarati. Vamos falar com o Getúlio [o então presidente Getúlio Vargas]. Ela tinha grande intimidade com ele, pois Carlos era rio-grandense e eles eram amigos de sempre. Getúlio telegrafou às Embaixadas, dizendo que me dessem todo atendimento.[3]
Talvez como contrapartida a seu apoio, Maria Martins é a única artista mulher a integrar, como convidada, o pavilhão brasileiro da I Bienal de São Paulo, juntamente com Lasar Segall, Emiliano Di Cavalcanti, Cândido Portinari, Victor Brecheret, Bruno Giorgi, Oswaldo Goeldi e Lívio Abramo, nomes já consagrados no cenário nacional. Na ocasião, apresentou 17 esculturas realizadas no exterior entre 1943 e 1951, incluindo duas maquetes de obras públicas. Entre as esculturas, destacamos a presença de Cobra grande, que figurou na exposição objeto de nosso estudo. Em 1953, Maria integra a sala geral da II Bienal de São Paulo com cinco obras e ganha um prêmio aquisição, juntamente com outras três artistas mulheres (Elisa Martins da Silveira, Hilde Weber e Mary Vieira). Já em 1955, obtém o prêmio de melhor escultora nacional, com A soma de nossos dias, uma releitura em dimensões monumentais de Brouillard Le Noir, de 1949.[4]
Maria, juntamente com Raimundo Castro Maia e Niomar Bittencourt, foi também uma das responsáveis pela criação do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ), mobilizando sua rede de sociabilidade no exterior para promover contatos entre os idealizadores do museu e artistas de renome no circuito europeu. Em sua coluna Poeira da vida, publicada em 12 de novembro de 1967 no jornal Correio da Manhã, Maria conta sobre o dia em que apresentou Niomar Bittencourt ao escultor e amigo Brancusi. Segundo seu relato, Niomar contou a Brancusi seu sonho de fundar um museu de arte moderna na capital do Brasil. Encantado pela ideia, Brancusi permitiu que ela escolhesse uma de suas peças, negociando-a por um valor abaixo do mercado, por volta de um milhão de francos. Maria escreve:
Mas Niomar saiu triunfante, levando o retrato de Mademoiselle Pogany, de 1920, uma das obras mais importantes do artista, porque das primeiras realizadas após a transformação de seu estilo com a simplificação das linhas. Hoje esta peça magnífica encontra-se incorporada ao acervo do Museu de Arte Moderna, graças à pertinácia de Niomar.[5]
A partir do final dos anos 1950 e até sua morte, em 1973, Maria reduz gradualmente seu ritmo de produção no campo da escultura, dedicando-se mais à escrita. Publica três livros –Ásia Maior: O Planeta China (1958), Ásia Maior: Brama, Gandhi e Nehru (1961) e Nietzsche (1965), da série Deuses Malditos (que Maria tinha planos de dar continuidade)–, além de assinar a coluna jornal Correio da Manhã, mencionada acima, entre os anos de 1967 e 1968.
Em tempos em que se valoriza a construção de uma história da arte feminista, o fato de Maria ter tido uma produção consistente e ter sido uma importante escultora brasileira no cenário internacional, coloca-a de volta em campo. É também notável as relações e contatos que Maria estabeleceu com grandes nomes e movimentos de arte internacionais e nacionais do século XX.
Da trajetória inicial da artista
Para compreendermos em toda sua extensão o projeto Amazonia, apresentado na mostra Maria: New Sculptures, na Valentine Gallery de New York, em 1943, é necessário fazer algumas observações sobre a trajetória da artista até aquele momento. As obras da mostra, que marcam um ponto de mudança significativa na produção plástica de Maria, não foram feitas ao acaso, muito menos foram motivadas exclusivamente por paixões e questões emocionais introspectivas, como alguns estudos fazem parecer.
Maria de Lourdes Faria Alves (nome de registro da artista) nasce dia 07 de agosto de 1894, na cidade de Campanha, Minas Gerais, filha de João Luís Alves e Fernandina de Faria Alves, tendo como padrinho o escritor e jornalista Euclides da Cunha. Seu pai, formado em ciências jurídicas e sociais, era jurisconsulto e importante figura política e acadêmica, tendo ocupado cargos de prestígio, entre eles o de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Aos 20 anos de idade, Maria casa-se com Octávio Tarquínio de Souza (então com 25 anos), graduado, assim como seu pai, em ciências jurídicas e sociais e renomado historiador. Tem a primeira filha, Lúcia, em 1916 e a segunda, Maise, em 1922, que faleceria vítima de meningite três anos mais tarde. Em 1923, a família muda-se para a Itália, residindo em Roma por motivos ligados ao trabalho de Octávio. Maria fazia parte de uma elite abastada e culturalmente favorecida. Foi educada para ser uma mulher letrada e culta e não era a típica esposa preparada e disposta a ser uma exemplar dona de casa. Possivelmente por isso, seu primeiro casamento durou nove anos, sendo rompido por ela em 1924, ainda em Roma. Nesse mesmo ano, Maria parte para Paris com as duas filhas.
Em Paris, Maria reencontra o embaixador Carlos Martins, dez anos mais velho do que ela, amigo de seu pai, e que conhecera ainda no Brasil. Iniciam um relacionamento que seria oficializado em 1926; Maria torna-se então a Sra. Martins. É nesse ano, marcado pela perda, durante o parto, de outra filha, sua primeira com Martins, que Maria se inicia como escultora, trabalhando num primeiro momento com madeira.[6] Após um período residindo no Equador, em virtude de uma missão diplomática, ambos regressam à Paris em 1928. Maria tem sua quarta filha, Nora, em 1928 e a quinta, Anna Maria, em 1930.[7] Sempre em função de acompanhar a carreira diplomática do marido, muda-se para a cidade de Copenhague em 1931, para Tóquio em 1934 e para Bruxelas em 1935, onde permanece até 1939 e tem aulas com o escultor Oscar Jespers. Sobre esse encontro, Manoel J. Canada considera que «no período em que Maria estudou com Jespers, ela se aperfeiçoou no processo de esculpir tanto em madeira como em pedras, desenvolvendo obras de certa simplicidade figurativa e gosto particular em representar suas esculturas com uma técnica primitiva, de fortes marcas expressionistas».[8]
Em 1939, a família parte para Washington D.C., nos Estados Unidos, cidade onde residiriam até 1942, e Maria consegue estabelecer um ateliê para si, no último andar da Embaixada do Brasil. Com isso, pôde se dedicar de modo mais sistemático à sua produção artística, participando de exposições coletivas e realizando suas primeiras individuais. Nos anos de 1940 e 1941, obras de sua autoria figuram nas mostras coletivas Arte Latino-Americana, no Riverside Museum, em New York, e International Philadelphia, na Filadélfia. A respeito da participação de Maria na primeira mostra, que contou com a representação de cinco países, entre eles o Brasil, Renata Gomes Cardoso aponta que, a princípio, o governo brasileiro tinha a intenção de apresentar somente trabalhos de Candido Portinari, artista que vinha conquistando a atenção do público norte-americano. Cardoso sugere ainda que o nome de Maria foi cogitado posteriormente e «sua presença na mostra –independente da qualidade artística dos trabalhos– parece ter sido negociada pelos contatos que ela e o marido, o então Embaixador Carlos Martins, estabeleceram com o Comissário Geral [da exposição]».[9]
Em outubro de 1941 Maria realiza sua primeira mostra individual na Corcoran Gallery, em Washington, e sua obra começa a se tornar conhecida no circuito artístico dos Estados Unidos. A capa do catálogo da exposição trazia um perfil de Maria desenhado à pena por Portinari, acompanhado somente de seu primeiro nome, como ela gostava de ser conhecida profissionalmente, embora todos soubessem de que se tratava da mulher do embaixador Carlos Martins. A mostra contava com 20 esculturas feitas em madeira (jacarandá, imbuia e peroba), terracota, bronze e gesso, algumas de grandes dimensões, com temáticas ligadas ao Brasil, a experiências pessoais e também a assuntos bíblicos, sendo todas elas francamente figurativas. Conforme apontam os estudiosos da obra da brasileira, é possível identificar a influência de Oscar Jespers nos materiais por ela então utilizados e também pela forma de entalhe e modelagem, com forte carga expressionista. Christ[10] e Salomé[11] foram obras comentadas na imprensa: a primeira pelo seu tamanho e cor e a segunda por possuir diferentes versões. A repercussão da exposição foi positiva: algumas obras foram vendidas, Maria recebeu muitos elogios e foi assunto de uma matéria da revista Life, em sua edição de dezembro de 1941, cujo título, «Maria wife of Brazilian envoy, two lives for art and diplomacy», enfatizava seu duplo papel de artista e embaixatriz.
Por volta de 1942, a família Martins muda-se para New York e se estabelece em um apartamento muito próximo da Valentine Gallery, galeria que convidaria Maria para sua segunda exposição individual, ainda naquele ano. Com um ateliê já montado em sua casa, Maria passa a ter aulas com o escultor Jacques Lipchitz, o qual lhe ensina técnicas de bronze fundido, que ela usaria largamente nos próximos anos. Lipchitz certamente teve parte ativa nas mudanças que o trabalho de Maria sofre a partir de 1942 e que culminarão no projeto Amazonia. Embora ela o tenha conhecido após mudar-se para New York, é provável que a artista já fosse interessada em seu trabalho, como sugere Maria José Justino:
A festa para Maria começa em Paris, quando as circunstâncias indicam que a artista teve acesso à obra de Lipchitz. Um belo artigo sobre Lipchitz de E. Tériade é publicado no Cahiers D’Art (5, année 1930), e Maria, embora uma artista bastante jovem, dando os primeiros passos na arte, curiosa e afeita às interrogações, certamente não ficou alheia ao artista, sobretudo porque sempre foi uma mulher interessada na filosofia e nas artes. […] Creio que a empatia dela pelo escultor foi bastante profunda, pois, mais tarde, quando o artista se refugia em New York, Maria o procura para tomar aulas.[12]
É válido ressaltar que a mudança para New York é um fator determinante na carreira de Maria, já que nessa época muitos artistas estrangeiros encontravam-se na cidade, refugiados das guerras do século XX. New York oferece então um ambiente cultural efervescente e diversificado, possibilitando a Maria contato direto com outros artistas e movimentos da modernidade que viriam a influenciar direta ou indiretamente seu trabalho, em especial o grupo dos surrealistas.
Na mostra de 1942, intitulada Sculptures by Maria, na Valentine Gallery, Maria expõe 21 obras, muitas das quais já estavam presentes na exposição de 1941 da Corcoran Gallery (o que não surpreende, em função da proximidade das datas), porém algumas esculturas agora se apresentavam fundidas em bronze. No que produz de novo, como Nostalgia e Macumba, nota-se uma mudança temática que aponta mais explicitamente para sentimentos pessoais de Maria, como a saudade de sua terra natal e também para o interesse em mitos e ritos. Além disso, a partir dessa segunda mostra percebem-se também mudanças plásticas no trabalho de Maria: a redução para escalas menores, a construção cênica da obra e o aparecimento de formas mais enredadas que, embora ainda figurativas, tornam-se menos nítidas.
É então no ano de 1942, em confluência e continuidade com essas mudanças, que Maria começa a produzir o projeto Amazonia, exibido pela primeira vez na mostra Maria: New Sculptures e objeto de nosso estudo.
A mostra Maria: New Sculptures
Em 22 de março de 1943, Maria Martins discursava na abertura de sua terceira mostra individual, a segunda na Valentine Gallery em New York, e explicava as razões da escolha do tema:
Foi ao atravessar a Amazônia de avião, na minha última viagem ao Brasil, que a beleza da terra, do rio, da floresta, me impulsionou de tal forma, que eu me vi obrigada a procurar conhecer as lendas e exprimi-las como pude e espero que agrade ao povo do meu país.[13]
As esculturas figuravam a Amazônia por meio de interpretações de oito mitos de origem indígena e afro-brasileira de povos da região da bacia do rio Amazonas, aos quais Maria teve acesso por intermédio de Jorge Zarur, geógrafo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): Amazonia, Yara, Boiuna, Cobra Grande, Aiokâ, Boto, Iacy e Yemenjá.[14] Junto com a exposição, a galeria publicou 500 exemplares de um catálogo intitulado Amazonia by Maria, composto por reproduções fotográficas em preto e branco das oito obras e poemas em prosa, escritos por Maria, narrando cada lenda retratada(Fig. 1).
Dividindo o espaço da galeria com a mostra Mondrian: New Paintings, Maria contrapunha à geometria e às linhas bem definidas do holandês abstracionista, um conjunto de esculturas de formas orgânicas entrelaçadas e sinuosas, como observa Veronica Stigger.[15] Manoel José Canada chama atenção para o fato de que isso era um reflexo da pluralidade artística de New York, uma vez que duas produções tão distintas foram exibidas simultaneamente no mesmo espaço.[16] Se as obras de Mondrian exaltavam o cenário urbano e dinâmico de New York, as de Maria voltavam-se para as raízes culturais de seu país de origem, evocando a imagem de uma natureza primordial. Por meio de e-mails trocados com o museu Albright-Knox Art Gallery (Buffalo, estado de New York), onde atualmente encontra-se a obra Boto, foi possível o acesso ao que tudo indica ser um informativo da própria Valentine Gallery, produzido em 1943, para as mostras de Maria e Mondrian (Fig. 2 y 3).[17]
Literalmente relacionadas lado a lado, vemos, nesse folheto, que enquanto todas as obras de Maria trazem o nome de criaturas míticas da natureza amazônica, metade dos títulos das seis obras de Mondrian refere-se explicitamente a cenários urbanos icônicos, enquanto os restantes parecem uma seriação. Sem dúvidas, trata-se de artistas com concepções conceituais, e em consequência plásticas, radicalmente diferentes. Enquanto Maria enquadra-se dentro das vanguardas artísticas de caráter mais expressivo, como por exemplo o surrealismo (movimento ao qual seria associada mais tarde), Mondrian, um dos fundadores do neoplasticismo, inscreve-se, em contrapartida, no pensamento de que somente a ordem, a clareza, a disciplina e a racionalidade poderiam servir de alicerce para uma nova arte transformadora.
Segundo os estudos por nós consultados e listados nas notas, entre críticas boas e ruins feitas a ambos pelos visitantes, Maria, ao final da mostra, havia vendido quase todas as suas obras. Contudo, de acordo com informações prestadas pelos museus em que essas obras hoje se encontram, verificou-se que Yemenjá, Yara e Boto são registradas como doações anônimas, gerando um questionamento se, de fato, elas foram compradas por alguém naquela ocasião. Amazonia e Cobra Grande encontram-se em coleções particulares, Iacy e Boiuna foram ambas doadas aos museus em que estão desde 1943 pelos colecionadores James W. Flanagan e Nelson Rockefeller, respectivamente. Sobre Aiokâ, não foram encontradas maiores informações até o momento.
Ao contrário de Maria, Mondrian, supostamente, não teria vendido nada até o final da mostra. Maria, que além de artista era também uma grande colecionadora de arte, resolveu então adquirir Broadway Boogie-Woogie. Sobre isso, Jean Boghici, marchand amigo da artista, escreve:
Maria me contou que, ao adquirir o quadro Broadway Boogie-Woogie, Mondrian lhe perguntou «Maria querida, oitocentos dólares não é muito para você?» Pela doação dessa importante obra, o primeiro Mondrian a entrar na coleção do Museu de Arte Moderna de Nova York, seu nome está inscrito entre seus beneméritos.[18]
Nesse clima de efervescência cultural da cidade de New York, a Valentine Gallery, fundada e dirigida por F. Valentine Dudensing, destaca-se por sua agenda entre os anos de 1926 a 1947. Diversas galerias surgiram em New York após a realização primeira exposição de arte moderna dos Estados Unidos, a Armory Show, em 1913, com a finalidade de atender aos interessados nos novos movimentos artísticos, entre elas a Valentine Gallery. Segundo informações encontradas em site dedicado à galeria,[19] o espaço foi inaugurado com uma exposição do artista Tsuguhraru Foujita e tornou-se importante referência de arte moderna por promover artistas americanos e europeus contemporâneos de sua época, em especial aqueles da chamada Escola de Paris. Apresentou, pela primeira vez em solo americano, artistas como Miró, Mondrian, De Chirico e a tão famosa obra de Picasso, Guernica. Embora Maria seja brasileira, a consolidação de sua carreira artística na cidade e sua obra permeada por características das vanguardas modernas europeias justificam sua inclusão na agenda da galeria, lembrando que antes da mostra aqui estudada Maria já havia organizado uma individual no mesmo espaço e viria a realizar outras duas, em 1944 e 1946. Tampouco se pode ignorar que sua posição social de embaixatriz talvez tenha contribuído para os convites da galeria, uma vez que sendo Maria uma pessoa influente, de alto poder econômico e grande colecionadora de arte, provavelmente era desejável cultivar boas relações com ela. Conforme informações obtidas no site já citado, Maria comprou outras obras na Valentine Gallery, além da pintura de Mondrian mencionada, entre elas o Retrato de Jean de Rouveyre, de Amadeo Modigliani, que permaneceu em sua coleção até 1965.
A Valentine Gallery localizava-se na 57th Street, rua que passara a ser o centro artístico de New York após a migração de estabelecimentos da 5th Avenue, e abrigava outras galerias e instituições culturais importantes, como a Durand-Ruel Gallery, o Museu de Arte Moderna, a American Art Association, a Knoedler & Co, a Julien Levy Gallery. Não por acaso, quando se muda para New York em 1942, Maria escolhe morar muito próxima a tudo isso, num «apartamento duplex de três quartos na Park Avenue com a rua 58»,[20] o que deve ter favorecido seu contato constante com essas instituições e impulsionado, por exemplo, a exposição individual que faria na Julien Levy Gallery em 1947, provavelmente após o fechamento da Valentine Gallery.
O projeto Amazonia
Entende-se aqui como projeto Amazonia a série de oito esculturas, já citadas, apresentadas na mostra Maria: New Sculptures, na Valentine Gallery, em 1943, juntamente com o catálogo produzido para a ocasião.[21] As obras, todas em bronze (ratificando a escolha do principal material empregado pela artista dali em diante), produzidas com a técnica da cera perdida e em dimensões menores quando comparadas com as de sua primeira mostra individual, em 1941, são elaboradas de forma a criar um espaço cênico, no qual se produz um diálogo entre as personagens e a natureza ali representadas. A rugosidade e oxidação do bronze fundido numa profusão de formas emaranhadas trazem à tona a organicidade da vegetação típica da floresta amazônica, com seu solo úmido, suas árvores, suas folhas e suas lianas. Em meio a essa vegetação, encontram-se as personagens principais de cada mito, representadas com características, expressões corporais e interações específicas, como se cada escultura fosse um ato congelado de uma peça criada no palco da imaginação da artista. É nesse diálogo que acontecem fusões em que o figurativo humano se mescla com o vegetal e/ou o animal e dá origem a seres híbridos, fantásticos. Sobre esse processo, Stigger observa:
[…] agora suas personagens, embora ainda reconhecíveis, se fundem a um emaranhado de folhas e galhos que fazem as vezes da floresta tropical. Iacy está no alto de um pedestal feito do entrelaçamento de ramos, alguns dos quais sobem até seus braços e se enredam a eles; a Cobra Grande é circundada pela vegetação; e o cabelo de Yemenjá, transformado em «algas de todos os oceanos», recobre-a como se fosse um manto.[22]
Stigger acrescenta ainda que «a figura humana começa a se integrar cada vez mais com a natureza, confundindo-se com esta, e em última instância, metamorfoseando-se a ela».[23] O elo que interligará e costurará toda a poética, a forma e a técnica de Maria, é, segundo a pesquisadora, o conceito de metamorfose. Maria serve-se da metamorfose para criar alegorias que representam as forças da natureza, como por exemplo, a que escreve no poema intitulado Amazonia:
Every year, that the Forest may prosper in all its strength and luxuriant beauty, the River must unite with the Earth. This marriage is accomplished through the meeting of a woman and a serpent. The serpent leaves the depths of the stream and proceeds
in search of the dreamed-of woman. Night and day, undulating through the jungle, breaking the tough cords of the vines, entangled in their tortuous loops, routing the animals, crazing the birds, he glides through the forest, until he has found the chosen woman. She is always the most beautiful among the beautiful dusk-gold morenas of these forests. The Cobra Norato will make her the Queen of the Amazon. She attires herself in her finest raiment, adorns herself with her rarest jewels, and yields to the sacrifice, wild with love and fright. Now the forest will live for another year, stronger, more mysterious, more brilliant and more somber, guarding within its virgin breast the secret riches coveted by men.[24]
Ao observarmos o catálogo e as mudanças formais identificadas no projeto Amazonia, não podemos deixar de sublinhar, uma vez mais, os efeitos do convívio com Lipchitz no trabalho de Maria. Sobre este tema, escreve Dawn Ades ao comentar sobre as obras Les Deux sacres (1944) e Cobra Grande (1943):
Nestes últimos [trabalhos], é evidente o impacto de seu encontro com Lipchitz, que se mudara pra New York em 1941. Desde meados da década de 1920, Lipchitz, que introduziu Maria nos mistérios do bronze fundido, havia se afastado das formas de inspiração cubista a fim de experimentar configurações entrelaçadas e abertas. Por vezes, suas obras são transparentes, como no bronze filigranado Le Harpist reproduzido em Documents I, em 1930; em outras, as formas entrelaçadas são mais sólidas, mas sempre com contornos nítidos, que se modificam à medida que rodeamos a escultura. […] A obra de Maria retém um eco perspicaz de Lipchitz, sobretudo naquelas em que é enfatizado o contorno geral, como Saudade, Sans écho ou o posterior O canto do mar.[25]
De fato, é possível notar uma semelhança plástica entre Cobra Grande (Fig. 4) e a obra escultórica Lipchitz, semelhança que não existia ainda em Christ e Salomé, por exemplo.[26] Em primeiro lugar, tem-se a questão do material, uma vez que é em bronze enquanto as outras duas são respectivamente de madeira e gesso. Além disso, a profusão de formas vazadas, que se contorcem e se emaranham em Cobra Grande, misturando figura e entorno, aproximam-na do efeito visual das composições entrelaçadas e abertas de Lipchtz.
O bronze, que Lipchitz ensinou Maria a dominar e que encantava a artista pela sua durabilidade, também é um material que se transforma, assim como os seres e a mata por ela representados, metamorfoseando-se em líquido quando submetido a altas temperaturas para endurecer em outra configuração ao ser resfriado. No ano de 1968, em entrevista com Clarice Lispector, Maria afirmaria: «Aí […] você vê a coisa mais linda do mundo: o bronze líquido como uma chama e que toma a forma que a cera deixou. […] você vai ao infinito porque não tem limites».[27]
Dois perfis femininos
Nesses seres de bronze moldados por Maria para o projeto Amazonia, agindo sobre «a matéria um pouco como a própria natureza»,[28] como escreveu o poeta surrealista Benjamin Péret, é interessante observar que as personagens mitológicas do sexo feminino dividem-se entre dois perfis, se respeitarmos a narrativa dos poemas por ela escritos para cada uma das obras. Um deles é formado por figuras fascinantes e monstruosas, femmes fatales que encarnam a dualidade do que seduz e do que amedronta, como por exemplo, Yara, a irresistível sereia assassina, e Cobra Grande, a deusa que tem «a crueldade de um monstro e a doçura das frutas silvestres».[29] O outro se compõe de figuras passionais, que se entregam ao ser masculino e acabam por ter um desfecho trágico: Iacy é enganada pelo seu amante e acaba afastada dele numa jornada eterna de perseguição; Yemenjá é estuprada por seu próprio filho, fruto de seu amor com Aganjú, e se esconde envergonhada no fundo mar, formado pela explosão de volúpia e dor de seus seios; Cunhatan é iludida e abandonada pelo Boto e a morena mais bela se entrega como sacrifício para Cobra Norato para garantir que a vida na floresta amazônica continue a prosperar.
A título de exemplo do perfil das femmes fatales, chamamos a atenção para Yara (Fig.7), personagem representada anteriormente por Maria, de modo diverso, e que aqui se apresenta como uma mulher nua, de ventre protuberante e formas fartas. Na parte inferior, vemos uma cauda dupla, com nadadeiras que se erigem de ambos os lados da figura, e que, dependendo do ângulo, parecem algas. Yara encontra-se em cima do que, de acordo com o poema de Maria, vem a ser uma «Vitória Régia, lótus carmesim da Amazônia”.[30] De braços abertos levantados, numa atitude convidativa, e cabelos levemente esvoaçantes, a expressão de seu rosto é de deleite. O pescoço fica em evidência por seu tamanho, com um aspecto de papada, o que leva a pensar numa ênfase proposital da região de onde sai seu canto, o instrumento de sedução fatal da sereia, com o qual ela atrai seus amantes e os afoga, levando-os para o fundo do rio. A textura da escultura é rugosa e, reforçada pela temática, causa a impressão de escamas nas caudas. Não é por acaso que na observação da obra surjam diversas ambiguidades, já que, em uma série marcada pela ideia de metamorfose, as formas contorcidas e irregulares se confundem e se imbricam. A atmosfera de sedução que Maria busca transmitir é bastante evidente, mas é também inegável que esta percepção é direcionada pela leitura do poema em prosa:
Yara is in love with love. She is the siren of the Amazon. However far-distant the love may be, Yara sings her song of seduction. However, lost in love with a mortal he is, the lover hears the song and listens to Yara. Woe to him should he listen twice! Then he is driven in search of her. He seeks her out. There she is risen in front of the great River, standing on a Vittoria Regia, crimson lotus of the Amazon. She is so white that she shines with the reflected green of the leaves. Her emerald eyes have the clarity and treachery of the waters. Her green gold hair clothes her with another seduction. He cannot resist –he has listened too well to her song of temptation. Yara offers him a flower and the kiss of death. He disappears with her into the stream. Together they follow its course –a course now calm, now tempestuous– until the moment when a new love appears, no matter where in the immense world, and Yara returns to destroy another mortal who cannot resist to the temptation of the assassin –Yara.[31]
Alegoria da natureza primordial (presente em todos os mitos da série), a sereia Yara é atrativa e perigosa ao mesmo tempo e na mesma intensidade, personificada na figura de um ser metamórfico, metade mulher, metade peixe. Essa figura mitológica aparece também, diversas vezes, no repertório de outros artistas modernistas brasileiros, em especial escritores, como a Uiara de Macunaíma, de Mário de Andrade, que atrai o herói para o rio na tentativa de assassiná-lo e da qual ele escapa cheio de machucados. Ao analisar essa aproximação, Larissa da Mata escreve que as referências da sereia dos modernistas, além de estarem relacionadas com uma representação da força telúrica:
[…] remetem-nos a uma arte dionisíaca, em que o princípio de individuação perde o seu espaço para a coletividade, estabelecendo um encontro com o ser primordial da natureza. Essa busca por uma unidade primordial refere-se ao mesmo tempo ao hibridismo (seja no que concerne à indefinição do sexo da sereia ou à sua monstruosidade) e à frustração dessa procura interminável, que só se consumaria em breves instantes, no momento do êxtase. Por essa razão, podemos dizer que o poema de Maria Martins insere-se na temática da fêmea assassina movida pelo prazer como princípio, que permeia todo o libreto Amazonia e muitas de suas obras (Fig. 7).[32]
Já em Amazonia (Fig. 5) é possível observar um exemplo do segundo perfil feminino aqui apontado, que se entrega passionalmente, na confrontação entre uma mulher e uma serpente, que se erige frente a ela. Diante da mulher coroada[33], de longas tranças, enfeitada por adornos e com os seios à mostra, a serpente encara-a com sua imensa boca aberta e com o que parecem ser olhos no topo da cabeça, talvez na atitude de devorá-la, mas sem que a mulher demonstre uma postura de recuo. A obra, em bronze, tem a mesma textura irregular das demais da série. Em sua parte posterior (Fig. 6), vê-se, do lado esquerdo, uma espécie de vegetação, muito semelhante à que aparece em outras obras da mostra, como Yaci, Cobra Grande e Yemenjá.
O modo como a serpente é representada se assemelha a um falo: seu comprimento, sua espessura e sua posição sugerem um pênis ereto. Por consequência, na relação estabelecida entre as duas personagens, é possível enxergar a metáfora do encontro do masculino e do feminino e, mais adiante, a metáfora do ato sexual e da fecundação, reforçada pelo poema em prosa que complementa a obra:
Every year, that the Forest may prosper in all its strength and luxuriant beauty, the River must unite with the Earth. This marriage is accomplished through the meeting of a woman and a serpent.[34]
Segundo o mito resgatado por Maria, das profundezas do rio vem Cobra Norato, a serpente fálica, desejosa por se unir, em terra, à que é «sempre a mais bela entre as belas morenas de ouro crepuscular dessas florestas»[35] que “se entrega ao sacrifício, desvairada de amor e medo”.[36] É no encontro, narrado e esculpido por Maria, da água/serpente/falo com a terra/mulher/útero que se garante a continuidade da vida amazônica, dependente da destruição de determinadas formas para que surjam outras. Se pensarmos que é na terra onde se depositam as sementes, que são muitas vezes transportadas por fluxos de água responsáveis por sua germinação, evidencia-se a metáfora com o processo de fecundação –no qual o sêmen ejaculado pelo órgão sexual masculino durante o ato sexual permite que o espermatozoide encontre o óvulo para fertilizá-lo e assim dar início à formação de um novo ser.
Cobra Norato é também o título do famoso poema escrito pelo modernista Raul Bopp, publicado em 1931, que trata igualmente da floresta amazônica como um lugar que está sempre engendrando novas formas. Comparando-os, da Mata escreve:
Em ambos os textos, a floresta se origina do encontro entre uma serpente e uma mulher, no caso de Bopp, com a filha da Rainha Luzia, que motiva a saga de Cobra Norato; no de Maria, com a virgem anônima buscada pela serpente, que é «sempre a morena mais bonita» e que Cobra Norato «tornará a Rainha do Amazonas».[37]
A forte presença erótica do feminino, em nudez escancarada e em representações metamórficas diversas, são aspectos que permeiam todo o projeto Amazonia e reverberam na produção posterior da artista, em representações de seres híbridos, mutantes e vorazes. Destaca-se também o interesse de Maria em falar sobre sexualidade de maneira explícita e um tanto transgressora, numa época ainda anterior à revolução sexual vivida pelo mundo ocidental entre as décadas de 1960 e 70, como aponta Paulo Herkenhof no documentário MARIA: Não esqueça que eu venho dos trópicos (2017).[38] Como exemplos desse interesse, podemos citar obras tais como L’Huitième Voile (1949), em que vemos uma figura feminina com os seios e o sexo à mostra, pés bipartidos que lembram cascos, uma cabeça sem feição nem cabelos, com protuberâncias que se assemelham a serpentes saindo de seus lábios, representar a personagem bíblica Salomé;[39] também O Impossível (1946), na qual, por meio de duas criaturas meio humanas meio monstros, Maria parece falar metaforicamente da impossibilidade dos relacionamentos entre os sexos.[40]
O catálogo Amazonia by Maria
Segundo consulta a um exemplar do catálogo original, pertencente ao acervo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (PRCEU-USP),[41] foram realizadas 500 tiragens, tratando-se, portanto, de uma edição limitada. O catálogo de capa dura, intitulado Amazonia by Maria, é todo escrito em inglês, composto por aproximadamente 30 folhas soltas sem numeração e fechado com amarrações de fitilhos. Traz em seu conteúdo uma folha de rosto, uma página informando que se trata de uma edição limitada de 500 cópias, uma introdução escrita por Jorge Zarur, uma reprodução de página dupla de um baixo relevo intitulado Babassú[42] e oito poemas em prosa, já citados, escritos por Maria com base nos mitos de origem, acompanhados por reproduções em preto e branco de suas respectivas esculturas em diferentes ângulos.
O catálogo merece tópico especial já que é parte essencial do projeto. Destaque-se que ele não é elaborado com informações técnicas sobre as esculturas ou para ser uma simples apresentação da exposição e sim para servir como complementação à interpretação das obras por meio dos poemas em prosa escritos por Maria.[43] Dessa forma, a leitura dos mitos presentes no catálogo leva-nos a entender com mais clareza o imaginário que Maria constrói em suas representações e permite-nos estabelecer algumas relações com obras de outros artistas. É válido atentar ao fato de que é possível estabelecer um diálogo entre uso do poema em prosa e as questões plásticas das obras, uma vez que esse gênero é também um híbrido «que se vale da impraticabilidade de se decidir por estrofe ou parágrafo”[44] e pressupõe sua origem em um texto anterior.
Além dos poemas supracitados, a artista escreveu outros poemas ainda nos anos 1940, como Explication (1946, conhecido na forma de litografia)[45] e, como mencionado anteriormente, publicou alguns livros e possuía coluna em jornal de grande circulação no Brasil nos anos 1960. Maria deixa explícita sua forte relação com a palavra desde cedo, na dedicatória de seu livro Ásia Maior: Brama, Gandhi e Nehru, quando escreve:
À João Luiz Alves, meu Pai, que me ensinou, quando eu mal sabia ler, a amar Goethe e Dante, que me ficaram até hoje no fundo da memória, com o som de sua voz, e me deixou, como herança, essa paixão indomável pelas obras do espírito: Arte, Poesia, Filosofia.[46]
É justamente a relação de complementação entre os escritos e as esculturas que deixa evidente o caráter narrativo que permeia as obras do projeto Amazonia, aspecto esse que viria a ser criticado por Mário Pedrosa, em artigo já citado na introdução deste artigo, e também por Clement Greenberg, ao resenhar a mostra de 1944 na mesma galeria, que explorava questões semelhantes à exposição de 1943.[47] Ao mesmo tempo, há quem ache positivo o caráter discursivo da obra de Maria, como o poeta surrealista Murilo Mendes, que acreditava que o fato de Maria interpretar uma terra que não vivenciou, tentando exprimir um imaginário construído com base nos mitos aos quais teve acesso, era responsável pela força dos signos formais que ela criava.[48]
Nesse ponto cabe ressaltar que a aproximação da produção de 1943 de Maria com o movimento modernista brasileiro e sua corrente antropofágica dá-se apenas, a nosso ver, nas escolhas temáticas/literárias, uma vez que nas questões formais não é possível estabelecer ligações diretas, além de tratarem-se de tempos e de lugares distintos.[49] Primeiramente é importante apontar que a série de Maria estava antes calcada em um movimento internacional, o surrealismo, do que em movimentos brasileiros, ela não buscava a deglutição de algo estrangeiro para a produção de uma identidade nacional, como propôs o movimento antropofágico nos anos 1920. Em suas duas mostras individuais anteriores, em 1941 e 1942, Maria trouxera algumas temáticas brasileiras bastante estereotipadas, como o samba e a negra, em um tratamento formal que mantinha certa proximidade com a proposta de determinados artistas do modernismo brasileiro, como, por exemplo, Victor Brecheret e Tarsila do Amaral. Já em 1943, na mostra Maria: New Sculptures em que apresenta o projeto Amazonia, o trabalho de Maria sofre transformações formais e técnicas que a colocam numa direção surrealista, agora num rumo em que resgata histórias, personagens e uma visão da selva amazônica comuns a alguns escritores modernistas brasileiros. Veronica Stigger, por exemplo, destaca trechos das obras literárias Um Paraíso Perdido, de Euclides da Cunha, Samburá e Cobra Norato, de Raul Bopp e Macunaíma, de Mário de Andrade que também usam como cenário e matéria a Amazônia. Esses escritores também viam a Amazônia «como terra em perpétua formação e transformação, como lugar metamórfico por excelência»[50], em uma concepção que por vezes se estende aos personagens, como é o caso do indígena Macunaíma.[51]
Embora o projeto Amazonia seja perpassado pelo resgate da cultura do país natal da artista, «como se sublinhasse o fato de que não queria que ninguém esquecesse sua origem tropical»,[52] é inegável que a motivação de Maria não deriva de um impulso ingênuo nem essencialmente nacionalista, tendo surgido, mais possivelmente, devido ao momento que New York vivenciava e ao círculo social que ela passou a frequentar ao se mudar para lá no ano de 1942. Maria, como citado anteriormente, passou a ter amplo contato com artistas das vanguardas europeias que se encontravam refugiados nos Estados Unidos. É em um contexto de intensa valorização de obras com temáticas provenientes de mitologias de culturas consideradas exóticas, instintivas ou «primitivas» que se dá o trabalho da artista nesses anos e sobre o qual André Breton escreve, no texto de apresentação da exposição de Maria na Julien Levy Gallery em 1947:
Durante esta crise que atinge até os conceitos fundamentais da civilização de hoje, é flagrante e altamente significativo que o espírito sopra das terras quentes. Em Paris, de onde escrevo e onde os rigores dos tempos, que tem abafado muitas outras coisas, não tiraram, no plano artístico, o apetite de descobrir, pude observar que um frêmito excepcional acolhia há pouco tempo a mensagem de poetas e artistas que estão ligados como por um fio, de perto ou de longe, ao cinto equatorial do globo. Uma tal mensagem, seu conteúdo mais específico, deve responder a uma necessidade imperiosa, embora mal conhecida. Não é difícil perceber o que a distingue de todas as outras, é o contato com a terra que ela estabelece totalmente para o homem (contato hoje perdido, ao menos para todas as grandes aglomerações humanas), é a sua constante preocupação de colocar o psicológico sobre o cosmológico, opondo-se à tendência contrária geralmente predominante que leva a humanidade a uma via de sofismas cada vez mais perigosa. O pensamento analógico, oficialmente abandonado desde o renascimento, procura retomar seus direitos. É normal que o impulso nesse sentido lhe venha dos lugares onde a natureza está em plena exuberância. Neste astro que sobe, se inscreve entre todos o nome de Maria.[53]
Relacionando o texto de Breton à capa do catálogo Amazonia by Maria (Fig.1) é interessante observar que Maria explora mais do que somente os mitos e ritos da Amazônia brasileira em si, abrangendo também a cultura da América Equatorial. Na capa em questão, vê-se estampado, em vermelho, o desenho de uma projeção aérea do conjunto do rio Amazonas e seus afluentes. Pela cor empregada, o desenho carrega uma dupla interpretação, podendo ser também visto como uma ramificação de vasos sanguíneos, sugerindo numa mesma imagem água e sangue, aquilo que dá vida à natureza e o que dá vida ao homem.[54] Esse conjunto é o que forma a Bacia Amazônica, a maior bacia hidrográfica do mundo, que, além do Brasil, também alimenta e passa por vários outros países da América do Sul: Peru, Colômbia, Equador, Venezuela, Guiana, Suriname e Bolívia.
Na apresentação do catálogo Amazonia By Maria, escrita por Jorge Zarur e intitulada «The Legend of the Origin», o autor, que, como vimos, é da área da geografia, escreve sobre o processo de formação do Rio Amazonas e da Bacia Amazônica. Como consequência, também escreve sobre um fenômeno dessa localidade, «the slumped lands (as terras caídas)»[55], que decorre do processo de erosão das matas ciliares, em que o rio carrega os deslizamentos de terra e vegetação que fica à sua margem para ilhas remotas ou para o fundo do mar. Zarur, em determinado ponto escreve: «Este grande rio forma um vínculo entre o Brasil e as outras nações da América do Sul e transporta o solo brasileiro do coração caloroso do Brasil para países distantes».[56]
Refletindo sobre o que diz Breton sobre a «mensagem de poetas e artistas que estão ligados como por um fio, de perto ou de longe, ao cinto equatorial do globo» e sobre o processo descrito por Zarur, é inevitável supor que Maria continua olhando para o Brasil, mas agora de forma ampliada, para uma legião de culturas que ocorrem em meio a uma natureza exuberante e que, por isso, eram consideradas, naquele contexto, exóticas. É curioso e irônico que a mesma série que marca a ligação da artista brasileira ao movimento internacional surrealista, levando algo «do coração caloroso do Brasil para países distantes» –o que inclusive nos remete ao duplo sentido da capa evocado acima– dê-se, justamente, permeada por um fenômeno natural que faz o mesmo movimento.
É essa aproximação do homem com a natureza, do trabalho com questões do desejo, a recorrente imagem do feminino, a utilização de mitos, o resgate de uma cultura considerada «primitiva» e a elaboração de figuras fantasiosas/oníricas que cativaram Breton nas obras do projeto Amazonia, vistas por ele na mostra aqui estudada. Sobre o tema, escreve Breton alguns anos mais tarde:
Maria conseguiu de modo maravilhoso capturar em sua fonte primitiva não apenas a angústia, a tentação e a febre, mas também a aurora, a felicidade e a calma, mesmo às vezes o puro deleite.[57]
Essa admiração declarada do fundador do movimento surrealista francês resultou em uma grande aproximação de Maria com o círculo de artistas do surrealismo, tendo, inclusive, se envolvido amorosamente com o artista Marcel Duchamp, muito próximo ao grupo surrealista, fato bastante comentado em estudos recentes sobre sua vida e sua obra, e que afetará a obra de ambos.[58]
Partilhando do interesse por culturas «primitivas», vistas como uma possibilidade de renovação para Europa,[59] a artista até mesmo participou com duas obras na Exposição Internacional do Surrealismo de 1947, e ficou reconhecida como integrante do movimento. Maria, contudo, não gostava de rótulos, como disse certa vez em entrevista a revista Módulo:
Não tolero nenhum dos ismos muitas vezes tão valorizados hoje. A arte existe apenas como expressão individual, com uma linguagem própria, e uma mensagem nascida de uma força e um entusiasmo que despertam a sensibilidade receptiva, que então aplaude, ou repelem de imediato esta sensibilidade, que então se afasta horrorizada. É um erro crasso achar que a arte necessariamente segue leis pré-estabelecidas ou estilos predefinidos (abstração, surrealismo, figurativismo, etc.).[60]
Considerações Finais
Ao longo das pesquisas sobre o projeto Amazonia, analisando aspectos como temática, forma, representação, plasticidade, material e técnica, consideramos que a grande mudança da obra de Maria está antes vinculada às influências do cenário artístico de efervescência cultural das vanguardas europeias refugiadas em New York, no qual a artista convivia –em especial o grupo dos surrealistas–, do que a um impulso romântico da escultora de reafirmar suas origens por meio de temas brasileiros. Amazonia foi um ponto de mudanças muito significativas e de determinadas rupturas na obra da artista, mas é também permeado por aspectos de transição, o que se adequa melhor à realidade do que uma visão idealizada que divide uma trajetória artística em momentos estanques.
Foi relevante perceber como Maria amarra toda a produção de Amazonia a partir do conceito de metamorfose em um período em que sua própria obra está passando por uma grande transformação. É como se Amazonia viesse para celebrar e anunciar os rumos que o trabalho da artista tomaria dali em diante. As lendas escolhidas por Maria e as formas como ela as representou, em poemas e esculturas, além de fornecerem indicações sobre a fase da artista, também dizem muito acerca de suas concepções sobre arte e até mesmo sobre aspectos da vida, como, por exemplo, relacionamentos, sexualidade e o feminino.
Com a intenção de melhor entender o impacto e repercussão em longo prazo das obras aqui estudadas, trocamos e-mails com cada uma das instituições nas quais elas se encontram a fim de obter maiores informações sobre o histórico de suas exposições até os dias atuais. Excetuam-se desse levantamento Aiokâ, obra não localizada, e também Amazonia e Cobra Grande, que estão em coleções particulares. Concluímos que, salvo raras exceções, as obras permaneceram nos museus desde os anos 1940, sem circulação interinstitucional. [61]
Yemenjá, que se encontra no Detroit Institute of Art (Michigan), está na reserva técnica, mas talvez seja colocada, em breve, em uma exibição de longa duração no museu, próxima a uma pintura de Portinari. Iacy, doada para o The Museum of Fine Arts (Houston); Yara, para o Cleveland Museum of Art (Ohio); Boto, para o Albright-Knox Art Gallery (New York) e Boiuna, para o Art Museum of the Americas (Washington), também se encontram acervadas, com baixa ou nenhuma visibilidade, à exceção de Boiuna, que, segundo informações obtidas do museu, já foi nele exibida em diversas ocasiões, inclusive no ano passado.
Ressalte-se porém, que as obras da mostra de 1943, com exceção de Aiokâ e Yara, fizeram parte da importante retrospectiva Maria Martins: Metamorfoses, organizada em 2013 no Museu de Arte Moderna de São Paulo, com curadoria de Veronica Stigger. Amazonia, segundo os dados levantados, é a que tem registrada a aparição mais recente, na exposição coletiva Amazônia: Os Novos Viajantes, ocorrida em 2018, no Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia (MuBE), de São Paulo. É muito provável que essas esculturas também tenham aparecido em outras ocasiões, visto a quantidade de exposições nas quais figuraram obras de Maria antes e depois de sua morte, como, por exemplo, a grande retrospectiva póstuma The Surrealist Sculpture of Maria Martins, com 31 trabalhos, ocorrida na André Emmerich Gallery (New York) em 1998, com curadoria de Francis Naumann. Embora Maria não seja uma artista canônica ou altamente requisitada, o interesse por sua obra ressurge em diversos momentos, especialmente por sua ligação com importantes nomes da arte do século XX, com destaque para os surrealistas, estreitada, como vimos, a partir do projeto Amazonia.
Notas.
[1] Flávio de Aquino, «Maria Martins», Diário de Notícias, 25 de junho de 1950.
[2] Mário Pedrosa, «Maria, a escultura», en Aracy Amaral (dir.), Dos murais de Portinari aos espaços de Brasília, São Paulo, Perspectiva, 1981, pp. 87-89. Artigo publicado originalmente no Jornal do Brasil, 27 de abril de 1957.
[3] Yolanda Penteado, Tudo em cor de rosa, São Paulo, ed. da autora, 1976, p. 178.
[4] A soma de nossos dias integra o acervo do Museu de Arte Contemporânea da USP.
[5] Maria Martins, «Poeira da Vida», em Veronica Stigger (dir.), Maria Martins: Metamorfoses, cat. exp., São Paulo, Museu de Arte Moderna de São Paulo, julho 2013, p. 212.
[6] Manoel José Canada afirma que Maria se iniciou como escultora em 1926, na cidade de Quito, no Equador, durante uma missão diplomática na qual acompanhou o marido. Na cronologia apresentada no livro Maria, organizado por Charles Cosac, também aponta-se o ano de 1926 como seu início na escultura, mas não fica claro se isso se dá no Equador.
[7] A presença das filhas em sua obra é significativa. Além de utilizá-las como modelo e de retratá-las em algumas ocasiões, como em Cabeça de Nora (1941), Maria, na famosa escultura Não te Esqueças Nunca que Eu Venho dos Trópicos (1942), aborda seu sentimento de perda: do ventre de uma figura feminina disforme, saem cinco protuberâncias semelhantes a chamas, representando as filhas que teve.
[8] Manoel José Canada, Maria Martins: Um imaginário esquecido, Dissertação de mestrado, Universidade Estadual Paulista (UNESP), São Paulo, 2006, p. 21.
[9] Renata Gomes Cardoso, «As exposições de Arte Latino-americana no Riverside Museum de New York em 1939 e 1940: trâmites da organização da seção brasileira», MODOS. Revista de História da Arte, vol. 3, nº 1, Campinas, 2019, pp. 9-24. Também Susanna Temkin, em artigo sobre o mesmo tema, afirma que «as únicas obras de outro artista submetidas pelo Brasil em 1940 foram três esculturas de Maria Martins. Embora hoje aceita como uma importante artista brasileira do século XX, a inclusão de sua obra carregava conotações políticas, uma vez que Martins era a esposa do embaixador brasileiro». Susanna Temkin, «A Pan-American Art Exhibit for the World of Tomorrow: the 1939 and 1940 Latin American Exhibitions at the Riverside Museum», The Rutgers Art Review, vol. 27, 2011, pp. 49-67.
[10] Maria Martins, Christ [Cristo], 1941, madeira, 240 x 48,2 x 49,5 cm, MoMA, New York. A obra foi doada ao Museu por Nelson Rockefeler. Ver: https://www.moma.org/collection/works/81589?classifications=any&date_begin=Pre-1850&date_end=2020&locale=pt&page=1&q=Christ+Maria+Martins&with_images=1.
[11] Maria Martins, Salomé, 1940, bronze, dimensões desconhecidas, coleção particular. Ver: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra14912/salome.
[12] Maria José Justino, «Maria Martins, Uma poética do Desejo», p. 2.222, en http://www.anpap.org.br/anais/2011/pdf/chtca/maria_jose_justino.pdf. Acesso 28 de janeiro de 2019.
[13] Vídeo: MARIA: não esqueça que eu venho dos trópicos, Direção de Elisa Gomes e Francisco C. Martins, São Paulo, Pandora Filmes, 2017.
[14] Os nomes das esculturas podem ter grafias ligeiramente diferentes dependendo da fonte bibliográfica. Nesta pesquisa utilizamos a grafia adotada pela própria artista, presente no catálogo Amazonia by Maria. A maioria dos mitos é de origem indígena, com exceção de Yemenjá, orixá afro-brasileira.
[15] Veronica Stigger, «Maria Martins: Metamorfoses», en Maria Martins: Metamorfoses, cat, exp., São Paulo, Museu de Arte Moderna de São Paulo, julho 2013. Esta foi a segunda mostra de Mondrian na Vallentine Gallery, tendo a primeira ocorrido entre janeiro e fevereiro de 1942, com 21 pinturas e oito desenhos.
[16] Canada, op. cit., p. 70.
[17] Agradecemos a prontidão de Gabrielle Carlo, funcionária do museu, em enviar as informações que dispunha em seu arquivo. A obra Boto pode ser vista en: https://www.albrightknox.org/person/maria-martins.
[18] Apud Canada, op. cit., p. 115.
[19] Trata-se de site que divulga o extenso trabalho sobre o tema conduzido por Julia May Boddewyn, pesquisadora independente que reside em New York e investiga a F. Valentine Dudesing e a Valentine Gallery desde 1995. Ver: http://www.thevalentinegallery.org.
[20] Francis Naumann, «A Escultura Surealista de Maria Martins: 1940-1950», em Charles Cosac (dir.), MARIA, Rio de Janeiro, Cosac & Naify, 2010, p. 49.
[21] Cabe lembrar que para a exposição de 1946, nessa mesma galeria, a artista também produziria um catálogo especial intitulado Maria. Na ocasião, foram feitas tiragens numeradas e assinadas, acompanhadas de cinco gravuras em metal e do poema Explication, de autoria da artista, também gravado em metal. Um exemplar deste catálogo encontra-se na coleção do MoMA e pode ser visto em: https://www.moma.org/collection/works/9552?sov_referrer=artist&artist_id=3767&page=1.
[22] Stigger, op. cit., p. 17.
[23] Ibidem, p. 23.
[24] Maria Martins, «Amazonia», en Amazonia by Maria, cat. exp., New York, Valentine Gallery, março 1943.
[25] Dawn Ades, «Criaturas Híbridas», em Charles Cosac (dir.), op. cit., p. 116.
[26] Já mencionadas anteriormente.
[27] Apud Stigger, op. cit., p. 22.
[28] Apud Larissa Costa da Mata, As máscaras modernistas: Adalgisa Nery e Maria Martins na vanguarda brasileira, Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, 2008, p. 101.
[29] Martins, «Cobra Grande», en Amazonia by Maria, op. cit.
[30] Martins, «Yara», en Amazonia by Maria, op. cit.
[31] Ibidem.
[32] Mata, op. cit., p. 89.
[33] A coroa, nas imagens mais recentes da obra, é quase irreconhecível por ter sido danificada.
[34] Martins, «Amazonia», en Amazonia by Maria, op. cit.
[35] Ibidem.
[36] Ibidem.
[37] Mata, op. cit., p. 82.
[38] Vídeo: MARIA: não esqueça que eu venho dos trópicos, op. cit.
[39] Para imagem da obra, ver: https://revistausina.com/wp/wp-content/uploads/2015/08/l_huitic3a8me-voile-1949.png. Cabe lembrar que Maria executara outra escultura em que representa Salomé (1940), neste caso de forma totalmente humana e com o sexo coberto por um véu. Ver nota 12, acima.
[40] Para imagem da obra, ver: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra35220/o-impossivel.
[41] Agradecemos o acesso e a eficiência da biblioteca em atender a nossa solicitação de consulta.
[42] A obra não foi assinalada como fazendo parte da exposição de 1943 em nenhuma fonte por nós pesquisada. Embora seja o único relevo presente no catálogo, esteja desacompanhado de um poema e sua plástica seja muito diferente de todas as outras esculturas da série Amazonia, sua temática e forma de representação aproximam-se muito do que Maria expusera em suas duas mostras anteriores, nos trabalhos intitulados Samba (1941). Na página do catálogo em que consta a reprodução de Babassú, é possível ver a assinatura da artista e identificar que se trata do mesmo papel e fonte utilizados no restante da publicação. Contudo, tudo indica que Babassú não participou da exposição de 1943 e sua inclusão no catálogo permanece um enigma.
[43] Mata, op. cit., p. 87.
[44] Ibidem, p. 86.
[45] Ver nota 22.
[46] Apud Stigger, op. cit., p. 28.
[47] Na ocasião, Greenberg afirma que «a série de cera-perdida, em bronze, da escultora brasileira Maria Martins (na Valentine Gallery), é talvez a mais viva manifestação de escultura acadêmica. A natureza do metal é quase negada nessa proliferação monstruosa e contente de formas de plantas e animais. O impulso é barroco, não moderno, atingido pelo arranjo colonial latino e pela opulência tropical». Apud Mata, op. cit., p. 77.
[48] Mata, op. cit., p. 83.
[49] Esta não é uma opinião unânime entre os estudiosos da obra de Maria. Veja-se uma interpretação contrária en: Michael R. Taylor, «‘Don’t Forget I Come From the Tropics’. Reconsidering the Surrealist Sculpture of Maria Martins», Journal of Surrealism and the Americas 8:1 (2014), 74-89.
[50] Stigger, op. cit., p. 21.
[51] O personagem, na obra de Andrade, transforma-se em planta e depois em bicho para flertar com Iriqui, a esposa do irmão.
[52] Naumann, op. cit., p. 52.
[53] Apud Canada, op. cit., p. 68.
[54] Ibidem, p. 147.
[55] Jorge Zarur, «The Legend of the Origin», en Amazonia By Maria, op. cit.
[56] Ibidem.
[57] Apud Naumann, op. cit., p. 55.
[58] Ver, por exemplo, Raúl Antelo, Maria con Marcel. Duchamp en los trópicos, Buenos Aires, Siglo XXI Editores, 2006.
[59] Mata, op. cit., p. 71.
[60] Apud Naumann, op. cit., p. 82.
[61] Ressaltamos que atualmente essas instituições disponibilizam imagens e informações gerais sobre as obras em seus acervos online, facilmente acessíveis.