Krieg in Paraguay: a itinerância das imagens na obra de Adolf Methfessel
Krieg in Paraguay: a itinerância das imagens na obra de Adolf Methfessel
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> autores
Lúcia Klück Stumpf
É pesquisadora residente na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin da Universidade de São Paulo (USP)/Brasil. Doutora em Antropologia Social pela USP (2019). Prêmio LASA Brazil Section (2020). Visiting Student Research Collaborator, Global History Department, Princeton University (2016/2017). Mestre pelo Instituto de Estudos Brasileiros da USP (2014). Co-autora do livro: A Batalha do Avaí: a beleza da barbárie (2013).
Recibido: 21 de diciembre de 2019
Aceptado: 20 de abril de 2020
Esta obra está bajo una Licencia Creative Commons Atribución-NoComercial-CompartirIgual 4.0 Internacional.
> como citar este artículo
Klück Stumpf, Lúcia; “Krieg in Paraguay: a itinerância das imagens na obra de Adolf Methfessel”. En caiana. Revista de Historia del Arte y Cultura Visual del Centro Argentino de Investigadores de Arte (CAIA). N° 16 | Primer semestre 2020, pp. 1-17
> resumen
O presente artigo parte da análise dos desenhos realizados por Adolf Methfessel (1836-1909) quando acompanhava as tropas argentinas durante a Guerra do Paraguai (1864-1870), encontrados na Biblioteca Brasiliana da USP. Da aproximação entre osregistros gráficos produzidos no fronte de batalha, reunidos em um caderno intitulado Krieg in Paraguay, e as gravuras que compõem o conjunto de litografias denominado Álbum Methfessel: Escenas de la Guerra del Paraguay, intenta-se iluminar a potência contida nas operações de deslizamentos das imagens entre diferentes suportesnesse momento de expansão das novas tecnologias de reprodução. A relação produtiva que resulta da circulação e das trocas entre o “original” e seus múltiplos será ainda discutida a partir do diálogo entre a produção de Methfessel e as aquarelas de José Ignácio Garmendia (1841-1925). Tais itinerâncias de forma e conteúdo serão vistas à luz das relações encadeadas entre os dispositivos técnicos de reprodução e os meios de publicação e difusão das imagens, quandoestas assumem a natureza deum novo gênero de mercadoria,no momento em que se autonomizam das belas artes.
Palabras clave: Adolf Methfessel, José Ignacio Garmendia, Guerra do Paraguai, cultura visual, economia visual
> abstract
This article is based on the drawings by Adolf Methfessel (1836-1909) while he followed the Argentine troops during the Paraguay War (1864-1870), found in the USP’s Brasiliana Library. From the approximation between the graphic records produced on the battle front and gathered in a notebook entitled Krieg in Paraguay and the engravings known as Methfessel Album: Escenas de la Guerra del Paraguay, this paper intends to illuminate the potency contained in the sliding operations made between different medias at the Age of mechanical reproduction of images. The productive relationships that results from the circulation and exchanges between the “original” and its multiples will be further discussed from the Methfessel works and José Ignácio Garmendia’s (1841-1925) watercolors. Such itinerancy of form and content will be seen in the light of the visual economy.
Key Words: Adolf Methfessel, José Ignacio Garmendia, Paraguayan War, visual culture, visual economy
Krieg in Paraguay: a itinerância das imagens na obra de Adolf Methfessel
Krieg in Paraguay: a itinerância das imagens na obra de Adolf Methfessel
Em 14 de abril de 1971, a revista O Cruzeiro, publicada no Rio de Janeiro, anunciava “A Guerra do Paraguai vista por um pintor suíço”, em “originais apresentados pela primeira vez”. A matéria divulgava a existência de um “precioso álbum de desenhos a lápis e a bico de pena”, apresentado ao jornalista pelo proprietário da Livraria Kosmos. O caderno de desenhos de autoria de Adolf Methfessel (1836-1909) seria mais tarde comprado por Rubens Borba de Moraes (1899-1986), bibliófilo que se dedicou à coleção de livros raros sobre o Brasil. Atualmente depositado na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, na Universidade de São Paulo, esse material ainda não mereceu um estudo detido, sendo, portanto, até onde se pode apurar, objeto inédito de análise (Fig. 1).[*]
A encadernação em papel cartonado leva na capa a inscrição “Adolfo Methfessel | Buenos Ayres |1868 | Krieg in Paraguay |”, escrita abico de pena. Logo abaixo, uma etiqueta adesiva do Museu de Bern, na Suíça, identifica a antiga guarda desse material, que é lembrada também no carimbo com a inscrição “K. M. Bern” (KunstMuseum Bern) ao pé de cada página.[1] Em 47 folhas de formato in-4º maior (29 x 22,5 cm), há 69 desenhos feitos em grafite, nanquim e aguada de nanquim, apresentados em diferentes formatos e acabamentos. As notas escritas aparecem ora em espanhol, ora em alemão, sempre subsidiárias às notas gráficas. A maior parte das folhas é utilizada em verso e reverso. A montagem do álbum no atual estado foi feita a posteriori, o que se evidencia na separação de desenhos em formato de panorama ocupando duas folhas.
Um naturalista suíço na guerra do Paraguai:
Félix Ernest Adolf Methfessel (1836-1909), suíço, formado em “arquitetura de jardins” pela escola de Sans Souci, em Potsdam, chegou à Argentina em 1864, aos 28 anos. Não se sabe o que o levou a Buenos Aires, onde viveu até 1895, quando retornou definitivamente a Bern, sua cidade natal. Ebe Julia Peñalver, autora da pesquisa seminal que traça um panorama amplo da vida e obra do artista, publicada originalmente em 1983,[2] ao destacar a falta de dados que indiquem as motivações dessa viagem, aponta que, em 1865, 18 mil suíços emigraram devido a razões econômicas.[3] Além disso, é mister lembrar que nesse mesmo período uma nova onda de viajantes naturalistas desembarcava na América. Entre eles, outro suíço, Louis Agassiz (1807-1873), e o bávaro Albert Frisch (1840-c. 1905), que, assim como Methfessel, aportou em Buenos Aires, alguns anos mais cedo, em 1861, antes de se estabelecer no Brasil.
Pouco se sabe sobre o período inicial da vida de Adolf Methfessel na América do Sul. Há uma lacuna documental entre os anos de 1864 e 1870, principalmente no que se refere à sua atuação na Guerra do Paraguai. Por outro lado, é bem conhecida sua trajetória junto à comunidade científica argentina a partir do fim do conflito.[4]
Pouco lembrado no Brasil, Methfessel é citado especialmente por pesquisadores argentinos ao lado de Vitor Meirelles (1832-1903), Cândido Lopez (1840-1902) e José Ignácio Garmendia (1841-1925), como artista que atuou no teatro da guerra do Paraguai, recebendo a chancela de testemunha ocular do conflito.[5] Peñalver afirma que “durante quatro anos [Methfessel] seguiu os sucessos da guerra acompanhando as tropas [aliadas]”,[6] dado que carece de fontes, mas será repetido por diversos comentadores[7]. A partir da análise do conjunto de desenhos reunidos sob o título de Krieg in Paraguay, só podemos afirmar a presença de Methfessel no teatro da guerra entre 1868 e 1869.
Uma carta reproduzida pelo jornal La Tribuna apoia essa datação, ao citar a atuação do artista suíço junto às tropas argentinas em dezembro de 1868. Nela, o missivista afirma que:
Este jovem é o único artista que segue o exército aliado, desenhando todos os lugares que conquistam nossas armas, levantando planos e formando croquis das batalhas. Aquele companheiro, poeta e artista, era de todo nosso agrado. […] Nosso artista levava sua caderneta debaixo do braço e um bastão para apoiar seu corpo.[8]
Os desenhos do caderno de Methfessel não são datados. Quanto às localidades citadas de diferentes maneiras identificamos: Tuyu-Cuê; Humaitá; Paso San Solano; Villa Pilar; Las Palmas; Vila Mercedes; Curupaiti; Tebicuari; Santa Tereza (Chaco); Arroio Surubi; Villeta; Loma Valentina; Angostura; Assunção, todas no Paraguai. Enquanto alguns registros evidenciam a presença do artista em cena, conformando um caráter testemunhal, não é possível afirmar que Methfessel tenha estado em todos os locais citados, como ficará claro adiante.
Os eventos e locais assinalados correspondem à fase da guerra que sucedeu o período estacionário, compreendido entre setembro de 1866 e julho de 1867, quando as tropas aliadas estiveram acampadas em Tuiuti. Uma nova ofensiva sobre o território paraguaio começou em fins de julho de 1867, e seguiria até a tomada da capital, Assunção, em janeiro de 1869. Todas as notas encontradas neste caderno de Methfessel, ainda que sem indicação de datas e sem ordenamento linear, são coerentes com os movimentos bélicos desenvolvidos pelas tropas aliadas nesse período. Supomos, por meio do cruzamento das informações recolhidas, que a localização e data anotada na folha de rosto do caderno (Buenos Ayres, 1868) faça referência ao início do registro, indicando o ano e a cidade de onde o pintor partiu rumo ao território paraguaio, onde esteve, pelo menos, até janeiro de 1869.
Quanto ao que motivou, ou quem lhe favoreceu tal viagem, persistem as incertezas. Não encontramos documentos que nos permitam inferir a origem do empreendimento de Methfessel rumo ao Paraguai. Parte considerável dos esboços e notas contidos nesse caderno serviu de base às litografias impressas pela oficina de Pelvilain entre 1869 e 1871.[9] Mas, disso, não é possível depreender se o artista foi comissionado para a tarefa pelo proprietário da oficina, ou se ofereceu os desenhos ao litógrafo no seu retorno a Buenos Aires.
As mesmas estampas impressas em litografia ilustraram, posteriormente, o livro do alemão Albert Amerlan (1842 -?) Nächte am Rio Paraguay: Kriegsbilder und Charakterskizzen (Noites no Rio Paraguai: imagens de guerra e esboços de personagens), publicado pela primeira vez em 1886.[10] Mais tarde, Methfessel pintou uma série de aquarelas e alguns quadros a óleo sobre episódios da guerra, compreendendo todo o período do conflito, de 1865 à morte de Solano López (1827-1870), ocorrida em 1º março de 1870. Essas obras teriam sido feitas por encomenda de Estanislao Zeballos (1854-1923), a fim de aparecer no compêndio historiográfico sobre a guerra, organizado pelo intelectual argentino, e que não chegou a ser publicado.[11] Por fim, algumas dessas gravuras voltarão a aparecer nas páginas do jornal Álbum de la Guerra del Paraguay, publicado entre os anos de 1893 e 1896, em Buenos Aires.[12]
Desenhos do front: a guerra em primeira pessoa
O conjunto de 69 desenhos que compõe o caderno de Methfessel depositado na Biblioteca Brasiliana da USP conforma uma crônica ilustrada do conflito bélico que situa a presença do artista suíço no teatro da guerra. Os deslocamentos feitos por terra deram ao naturalista a oportunidade de exercitar o registro da vegetação densa e diversificada encontrada na região alagadiça do chaco paraguaio, palco do conflito em meados de 1868, como se percebe no desenho que registra uma cena de acampamento na localidade de Santa Teresa (Fig. 2).[13]
A suntuosidade das árvores se destaca frente à escala diminuta das figuras que animam o episódio. No primeiríssimo plano, uma carroça irrompe da margem criada pelo artista, provocando uma tensão que implode os limites do espaço representativo. Sua entrada apenas parcial no enquadramento evidencia o que foi excluído da cena, que, dessa forma, se estende ao que não é mostrado. No mesmo sentido, o movimento congelado do homem de chicote em riste, do passo do cavalo que cruza a ponte e do soldado abaixado logo em frente, dão relevo à intenção de representar a captura do instantâneo, gerando a percepção de transitoriedade do tempo ali contido.
Nesse desenho, Methfessel se valeu de uma perspectiva elevada, como a voo de pássaro, para criar o ângulo aberto exigido pela composição. Em outras anotações, o artista evidencia o ponto de vista adotado no momento do registro, em um recurso voltado a apoiar a composição final, que acaba por reforçartambém sua condição de testemunho ocular dos eventos. Tal expediente se revela, por exemplo, nas duas imagens apresentadas lado a lado, em duas folhas de seu caderno (Fig. 3).
O desenho da folha à direita, identificado pela legenda como “Mirador en la avanzada de Las Palmas”, apresenta um posto de observação – ou mangrulho –que desponta acima da copa de uma árvore. O interesse da composição se volta a evidenciar a altura daquela estrutura, a serviço do monitoramento do movimento inimigo. Bem no centro da cena, um homem em plano médio dá escala aos demais elementos. Partindo dessa figura, na mesma linha vertical, o olhar do observador segue o tronco até chegar ao “mirador”, que se ergue sobre as folhagens. Acima de todo o conjunto, flamula uma bandeira da Argentina, simbolizando o domínio daquele território.
Além de desenhar o mangrulho em seu contexto, Methfessel registrou, na imagem à esquerda, a vista que se obtinha do alto dele, como informa pela legenda: “Sierra Paraí. Vista del Mirador de la avanzada de Las Palmas”. Um desenho muito menos rico em detalhes mostra um perfil de serras, delimitando um horizonte em que não há nenhum indício de ação humana, nem vegetação que se destaque sobre o descampado. Feita de manchas e esfumaçamento, a composição rápida pode responder às condições impostas pelo local improvisado de onderealizou o desenho, servindo mais como registro do feito de ter escalado o mangrulho do que como uma nota sobre a paisagem local.
No mesmo sentido, no esboço que fez da batalha de Loma Valentina, Methfessel anotou sua condição de testemunha ocular reiteradas vezes (Fig. 4). Na legenda escrita junto à margem inferior da folha lê-se: “Loma Valentina || Sierra alta (Loma de Lopez) || (Piquiziri) || Sacado durante combate || Aufgenommen während dem Gefecht”. Aos dados que localizam o evento bélico, o artista acresceu a informação de que o desenho foi tomado durante a batalha, registrada em espanhol e em alemão. Além da declaração expressa em dois idiomas, Methfessel multiplicou sua presença em cena, demarcando nas duas cruzes pretas as posições que ocupou para fazer tais registros.[14] A sinalização dos locais de onde assistiu ao combate, além de reforçar o conteúdo testemunhal do feito, servia como dado importante para apoiar a composição final do desenho.
Álbum Methfessel: crônica visual dos bastidores da guerra
A partir da análise dos desenhos contidos no caderno de Alfred Methfessel, produzido, segundo supomos, durante os deslocamentos do autor junto às tropas aliadas entre 1868 e 1869, é possível aferir dados sobre o território paraguaio, o cotidiano das tropas e, principalmente, sobre os interesses visuaisdo artista. Na aproximação destes desenhos com as litografias impressas em Buenos Aires pela oficina Pelvilain, reunidas sob o título Álbum Methfessel: Escenas de la Guerra del Paraguay,[15] cremos ser possível entrever o processo de criação do artista, associado ao fim comercial a que tais imagens se destinavam.
Jules Pelvilain (1813-1871), dono da oficina que produziu o álbum, era um litógrafo francês, que iniciou suas atividades profissionais em Paris, no ano de 1837.[16] Antes de se fixar em Buenos Aires, na década de 1850, Pelvilain e sua esposa passaram pelo Rio de Janeiro, onde geriram uma oficina litográfica entre os anos de 1843 e 1845.[17] Mas foi na capital argentina que Pelvilain prosperou no ofício. Em 1864, sua oficina produziu o Album Pallière: Escenas Americanas, composto por 52 litografias, feitas a partir de obras de Jean León Pallière (1823-1887).[18] Essencialmente voltado a cenas de gênero, retratando aspectos do cotidiano de populares, notadamente os costumes dos gaúchos argentinos, no que se convencionou chamar de costumbrismo, o álbum de Pallière foi um sucesso de vendas.[19] Na mesma linha editorial, Pelvilain publicou, também na década de 1860, litografias do artista inglês Charles Uhl, retratando vistas rurais, e de D. Dulin, com cenas urbanas da Argentina.
Durante a guerra do Paraguai, Pelvilain foi um dos litógrafos responsáveis pelas ilustrações do jornal Correo del Domingo, que fez uma cobertura ilustrada do conflito. Além do álbum de Methfessel, sua oficina publicou ao menos outras cinco litografias sobre a guerra, feitas a partir de desenhos do brasileiro Raphael Mendes de Carvalho.[20]
O álbum de Methfessel, em cujo título não podemos deixar notar referência à bem-sucedida publicação de Pallière, deve ser entendido, portanto, no contexto de um mercado de estampas em plena expansão, agenciado por um litógrafo atento à atuação de artistas estrangeiros em Buenos Aires e ao potencial editorial de cenas de gênero e de imagens de guerra,como a que estava em curso.
É significativo notar que a maior parte das litografias que conformam o álbum, feitas a partir de desenhos anotados no caderno de Methfessel, se referem a cenas do cotidiano das tropas. Impresso após o término da guerra, aquele conjunto de imagens não se prestava a informar sobre a ocorrência dos acontecimentos, como a imprensa ilustrada buscou fazer ao longo do conflito. Os resultados das batalhas e das manobras militares já eram de pleno conhecimento público no momento em que o álbum de litografias passou a ser comercializado. Dessa forma, as imagens ali apresentadas deveriam, antes, atender à curiosidade de uma audiência que já sabia dos gestos de heroísmos dos oficiais, mas não conhecia as atividades cotidianas desenvolvidas pelos soldados nos intervalos das batalhas, ou o cenário que conformava os acampamentos em que as tropas aliadas passaram a maior parte do tempo em que estiveram sobre solo estrangeiro.
A crônica visual voltada ao registro dos bastidores da guerra aparece, por exemplo, na litografia intitulada “Iglesia de Villeta convertida en hospital de sangre paraguayo” (Fig. 5). A composição transposta à pedra litográfica foi criada, provavelmente, a partir do esboço registrado pelo artista em seu caderno, quando de sua passagem pela localidade de Villeta, situada na beira do rio Paraguai, distante 30 quilômetros de Assunção (Fig. 6).
No desenho, Methfessel concentrou a atenção na descrição da igreja, avariada como resultado das batalhas ocorridas naquele local. A construção foi transposta à litografia de maneira quase literal, indicando a preocupação com a verossimilhança do cenário representado. Na versão impressa, porém, o entorno ganhou mais personagens e detalhamento de elementos, demonstrando liberdade criativa na composição da cena.
Os paraguaios, em maior número, são identificados pelo torso nu, vestidos apenas com um chiripa e levando um quepe à cabeça, no que configura uma convenção de época para representação do exército de López.[21] A precariedade da vestimenta, além de indicar a penúria a que os soldados paraguaios foram submetidos como consequência da guerra, servia à construção visual do discurso oficial da Tríplice Aliança, que justificava o intento bélico como uma luta da civilização contra a barbárie.[22]
Junto à margem inferior, no centro, dois homens de muletas caminham ao lado de uma mulher e uma criança. Próximo a esse grupo, um paraguaio aparece ajoelhado no chão, com uma mão estendida em direção a homens bem vestidos, provavelmente membros do exército aliado, o que sugere um gesto de mendicância, que é replicado por outro personagem em um plano mais afastado. Na margem esquerda, um paraguaio, de costas, conversa com três homens de quem se diferencia pelo traje, sustentando, apesar disso, uma postura altiva que não sugere subordinação. Mais ao fundo, um casal aparece de mãos dadas, em uma demonstração do afeto que se impõe mesmo frente a condições desumanas.
A presença de mulheres no teatro da guerra é fato conhecido, ainda que tratado com desinteresse pela historiografia militar.[23] Mulheres brasileiras que acompanhavam seus maridos por opção ou falta dela, já ficariam desassistidas sem o provento do cônjuge. Mulheres paraguaias que além de se somar aos exércitos de seu país, às vezes se uniam às tropas aliadas como última alternativa de sobrevivência, frente à terra arrasada que seguia o roteiro do conflito. A violência da guerra protagonizada por homens atingia sobremaneira as mulheres. Silenciadas nas imagens grandiloquentes das batalhas, sua presença emerge no registro dos momentos de intervalo do confronto, como os realizados pelo artista suíço.
Methfessel costurou, nessa cena, elementos narrativos que equilibram a denúncia do pauperismo e sofrimento imposto à população paraguaia, com a afirmação de um tratamento humanitário por parte do Exército Aliado. A correção que o artista faz na legenda que acompanha o desenho em seu caderno é significativa nesse sentido: a igreja foi transformada em um hospital “para los paraguayos”, gerido pelos Aliados, em sentido diferente do que teria a simples referência a um hospital “de los paraguaios”, como havia escrito inicialmente. Além disso, a presença de mulheres e crianças e a livre circulação dos homens naquele espaço indicam que, ainda que sejam prisioneiros de guerra, os paraguaios não estão confinados ou sofrendo privações além daquelas inerentes ao conflito. A tropa de mulas carregadas junto à margem direita sugere a chegada de suprimentos àquele local. Curioso, por fim, perceber as estacas que sustentam a igreja avariada pelas bombas aliadas, replicadas nas muletas que apoiam os paraguaios feridos. Ambos insistem, apesar das adversidades, em manter-se em pé, erguidos pelas suas próprias forças.
As cenas de batalhas desenhadas por Methfessel não se afastam, no sentido geral, daquelas que retratam situações cotidianas. O artista evita os oficiais ou o gesto heroico nos seus enquadramentos. Boa parte dessas composições é criada de forma a sugerir um ponto de vista ao nível do chão, aproximando o observador do evento. Dessa forma, os primeiros planos se destacam, concentrando a ação, e a profundidade da cena é limitada. O momento captado parece, em alguns casos, quase aleatório, o que reforça o sentido testemunhal que pretende afirmar. Como consequência, as cenas resultam, muitas vezes, desordenadas, de forma que nem sempre fica claro quem está atacando ou se defendendo.
O desenho registrado no caderno de esboços, que tem como legenda “Ataque por Gal. Osório en Humayta. 18 Julio de 1868” (Fig. 7), mostra um momento de avanço das tropas aliadas em direção ao reduto fortificado, identificado pela torre da igreja que se destaca entre a fumaça em plano afastado. A partir desse ponto de vista, as tropas paraguaias não se fazem visíveis. O soldado brasileiro levando a flâmula do Império, em primeiro plano, parece atirar contra o vazio. A fumaça ocupa quase ¾ do espaço representativo e dessa forma, na ausência da representação do inimigo, o drama da batalha é simbolizado pela árvore de galhos quebrados e sem folhas, próxima à margem esquerda.
O ataque comandado pelo general Osório sobre a fortaleza de Humaitá em 18 de julho de 1868 resultou em uma derrota aliada, em um episódio marcado por dissensos entre os oficiais do exército brasileiro. Depois de uma intensa troca de tiros, as tropas foram obrigadas a recuar, resultando em centenas de baixas. O evento nada enaltecedor pode explicar o grande “x” que atravessa a composição, feito sobre o desenho.
Se o registro desta derrota não pode incorporar o álbum de litografias, talvez por uma decisão que não coube a Methfessel, é curioso perceber que a única prancha que faz referência direta ao General Osório, comandante brasileiro de grande prestígio junto aos exércitos aliados, parece guardar certa ironia. A litografia intitulada La caballería gloriosa del Gal. Osório (Fig. 8) apresenta em primeiro plano animais desorientados, desmontados de seus cavaleiros. No centro da imagem, um amontoado quase disforme reúne corpos agonizantes de ao menos um cavalo, um paraguaio e um soldado do exército aliado, caídos ao chão. Nesse mesmo ponto, mais ao fundo, um paraguaio aparece de costas, montado em um cavalo representado em escorço, preparando o golpe a ser desferido contra um aliado que avança em sua direção. Este grupamento que conforma o ponto de tensão da cena é completado por um terceiro personagem, paraguaio, que aparece de pé entre os dois cavaleiros, desequilibrando o iminente duelo, que não parece ter desfecho desfavorável ao aliado.
Em várias litografias, Methfessel demonstra atenção ao público a que o álbum se destinava, fazendo referências à ação das tropas argentinas, a quem acompanhava mais de perto, e não perdendo oportunidade de inserir a bandeira daquele país sempre que fosse pertinente.
A série de batalhas denominada Lomas Valentinas, que marca o fim da “Dezembrada” e do último foco de resistência paraguaia frente à tomada de Assunção pelos aliados, guarda um dos momentos destacados da atuação das forças armadas argentinas na guerra do Paraguai. No dia 22 de dezembro de 1868, enquanto as tropas brasileiras se reorganizavam na retaguarda após um revés ofensivo, os exércitos uruguaio e argentino avançaram sobre o reduto paraguaio, o que foi decisivo para a conquista definitiva daquele ponto, concretizada poucos dias mais tarde.
No álbum de Methfessel há duas litografias que retratam as batalhas de Lomas Valentinas. Uma delas resulta do esboço analisado acima (Fig. 4). A distância segura em que o artista se mantém, a partir de um ponto elevado, propicia uma visão panorâmica que resulta em uma vista do cenário sobre o qual aquele episódio se desenrolou, mais do que uma cena de batalha, propriamente. É mais um registro do testemunho ocular do artista do que uma celebração à tão importante vitória.
Para isso, Methfessel criou uma cena que difere das imagens de batalha analisadas até aqui, desde a apresentação da prancha litográfica, cujo título, autocelebrativo, é, de maneira pouco usual, grande e ornado (Fig. 9). Nessa litografia, Methfessel se aproxima dos esquemas representativos clássicos de batalhas, de convenção pictórica, ao utilizar tópicas como a bandeira em destaque próxima à margem esquerda, os mortos espalhados na parte baixa da composição, um núcleo de ação centralizado bem marcado em primeiro plano, seguido de várias outras narrativas visíveis em planos afastados.
A gravuravoltada a exaltar as glórias nacionais, guarda, porém, em detalhes nem tão sutis, o tom crítico que escorre de algumas das composições do artista suíço. O paraguaio rendido no centro da imagem é representado de costas, evidenciando as espaldas em relevo. A faca que leva presa à cintura, porém, em contraponto à sua magreza, impede uma percepção de fragilidade dessa figura e deixa em aberto uma possível reviravolta na cena em suspenso. Ainda que a vantagem argentina seja evidente, pela posição defensiva dos paraguaios, que são também os únicos representados mortos, há homens ao chão de um e outro lado. A violência crua da guerra se faz perceber no gesto do soldado argentino que arma o golpe contra um franzino e ajoelhado paraguaio, a quem aponta a lança da baioneta, já sem munição. Outro soldado paraguaio em primeiríssimo plano junto à margem direita caminha para fora da cena, no que poderia ser lido como um gesto de covardia, não fosse o olhar desolado, antes do que assustado, que lança ao episódio do qual busca se afastar.
A litografia intitulada Prisioneros paraguayos (Fig. 10) é, à primeira vista, uma vitrine de tipos, criada sob o olhar científico do artista naturalista. Ambientada em um acampamento, com o rio ao fundo e palmeiras ornando a cena, são apresentadas várias figuras de diferentes perfis que conformam um friso em plano médio.
Os homens paraguaios usam os trajes típicos, poncho e chiripa, em diferentes composições, e levam o indefectível quepe à cabeça, com exceção de um, que porta um chapéu redondo de palha, indicando sua origem campesina. Vários deles trazem colares de contas com pingentes que se assemelham a patuás. Nos dois extremos do grupo, há crianças e jovens. São esses os mais magros e menos vestidos, cobertos apenas com trapos. Um deles, além de esquálido, tem uma perna e um braço machucados. Três mulheres aparecem na cena: uma carrega um jarro de barro na cabeça, remetendo a uma tópica da representação de mulheres guaranis nos desenhos de viajantes, outra está sentada sob uma tenda em frente ao grupo, acompanhada de seu marido e filho, no que parece compor um pequeno núcleo familiar, e uma terceira pode ser vista de costas, ao fundo, conversando com outros dois homens. Um oficial e um soldado, negro, do exército aliado, trajando uniforme completo e portando armas, completam o grupo. No caderno de esboços, Methfessel fez notas de várias das figuras que, com algumas variações, foram utilizadas na composição apresentada na litografia (Fig. 11). A legenda indica, em alemão, tratar-se de prisioneiros paraguaios reunidos na localidade de Villeta, e é possível que algumas dessas figuras tenham sido criadas a partir de fotografias (Fig. 12). Junto a cada indivíduo há uma anotação que o identifica, ora pelo nome, no caso do oficial, ora pela patente militar. Se as mulheres são identificadas apenas pelo gênero, os dois jovens são descritos como “soldados”, denunciando o destino que tiveram muitas das crianças paraguaias durante a guerra.[24] A presença de um e de outro na litografia cujo título enfatiza a condição de “prisioneiros”, denota o envolvimento, ainda que involuntário, de todo o povo paraguaio no conflito que assolou aquele país.
Além de um registro sobre o tipo paraguaio, a litografia guarda um conteúdo crítico, marcado sobretudo pelos detalhes em destaque no primeiríssimo plano. Um jarro, igual ao que a mulher leva à cabeça, e um instrumento que parece ser uma flecha aparecem quebrados, no que consiste em uma tópica pictórica que remete, de forma alegórica, ao aniquilamento de uma cultura nativa frente à ação colonizadora. Além do sofrimento imposto àqueles indivíduos, visível em seus corpos esquálidos e mutilados, a guerra deixaria marcas perenes no Paraguai, que Methfessel não deixou de perceber, nem de denunciar.
Imagens em movimento:
Ainda que na vasta obra memorialística deixada por José Ignácio Garmendia (1843-1925) não se encontre qualquer referência expressa a Adolf Methfessel, é muito provável que o militar argentino e o artista suíço tenham convivido durante a campanha do Paraguai. Em 1868, Garmendia era tenente-coronel da Primeira Companhia do Primeiro Batalhão da Divisão de Buenos Aires, grupamento citado por Methfessel em seu caderno. Nessa função, o oficial participou das mesmas batalhas que foram anotadas em esboços pelo artista, sendo ferido no combate de Loma Valentina, assistido in loco pelo suíço.Atento à importância da documentação pictórica dos eventos históricos, Garmendia não teria deixado de notar a presença do artista estrangeiro que acompanhava as tropas argentinas na marcha sobre o território paraguaio.
Garmendia dedicou sua vida pública às forças armadas argentinas. Ainda assim, o rótulo de militar é insuficiente para definir seus feitos. Como tal, atuou ao longo de quase cinco anos na campanha da guerra contra o Paraguai, ausentando-se apenas por alguns meses, em 1869, quando convalescia de cólera. Como homem de Estado, cumpriu diferentes funções políticas, entre as quais foi deputado provincial, secretário do Ministério da Guerra, diretor do Colégio Militar, presidente do Conselho Supremo de Guerra e Marinha.[25] A este currículo, somam-se dezenas de livros publicados, especialmente dedicados à historiografia militar, pelo que José Ignácio Garmendia costurou suas memórias pessoais à construção de uma certa história nacional. Movido pela voga positivista, Garmendia pensava a escrita da história a partir do acúmulo e compilação de memórias e documentos diversos. Nesse processo, o militar creditava à pintura um papel instrumental de destaque.[26]
Sob essas premissas, Garmendia exercitou, ele mesmo, de maneira amadora, um registro pictórico de cenas sobre a Guerra do Paraguai.[27] A coleção que leva seu nome, depositada no Museo Histórico Municipal de Buenos Aires, é composta por 124 pinturas, sendo a maioria executada em aquarela e uma parte menor em aguada sobre papel, com suporte de dimensões variadas e irregulares, nunca maiores do que 20 x 30 cm.[28] Garmendia denominou a reunião de suas pinturas de Álbum de la Guerra del Paraguai, que descreveu como:
[…] um conjunto de aquarelas mal pintadas por este que escreve, mas verídicas em sua essência, a maior parte executada no próprio teatro da monumental contenda, sujeitando-me estritamente aos modelos ali existentes, tanto em figura quanto em panorama […].[29]
Apesar desta afirmação, os comentadores da obra pictórica de Garmendia concordam em datar as aquarelas em um período bastante posterior à guerra. Ademais, sobressai no conjunto a citação a imagens conhecidas, especialmente fotografias de autores variados e litografias de Methfessel, de que o militar faz livre uso para compor suas cenas.[30] Sobre isso, o pesquisador Roberto Amigo ressalta que:
Não há [na obra de Garmendia] preocupação com a originalidade, mas a consciência da legitimidade do uso das imagens dos outros para a elaboração da iconografia nacional, uma vez que estas não correspondem a uma autoria artística, mas são fontes documentais.[31]
Concordando com esta afirmação, nos interessa, porém, demarcar a opção de Garmendia quanto à natureza das imagens que escolhe citar, frente às opiniões expressas por ele mesmo sobre a importância do testemunho ocular e a “essência verídica” das pinturas que compõem seu álbum. Para isso, nos deteremos especialmente no papel reservado aos registros de Methfessel nessa produção.
Daquilo que pudemos conhecer da obra de um e outro, percebe-se a citação a desenhos de Methfessel em ao menos dez aquarelas do álbum de Garmendia.[32] Na que resulta mais evidente, o militar transpõe de maneira literal a imagem reproduzida na litografia de Methfessel intitulada El cuartel de S. E. el General B. Mitre em Tuyuti (Fig. 13).
A aquarela é assinada com as iniciais do militar, JIC, no canto inferior direito, no mesmo local em que se pode ver a assinatura de Methfessel na litografia. Junto ao título, o militar acresceu a notação “copiado del natural” (Fig. 14). O destaque soa especialmente curioso acompanhando esta imagem, dado que Methfessel criou a cena a partir de uma fotografia, alterando os elementos a serviço da composição, ao retratar um cenário que não se pode afirmar que conheceu in loco. Ao mesmo tempo, é pertinente presumir que Garmendia, como oficial destacado do exército argentino, conheceu pessoalmente tanto o “Cuartel General de Mitre”, quanto a fotografia citada por Methfessel no desenho reproduzido em gravura. Ainda assim, ao copiar o registro de Methfessel em seus detalhes peculiares, Garmendia anota junto ao título a expressão “copiado del natural”.
Segundo Roberto Amigo, o uso que Garmendia faz da fotografia não se explica apenas pela “facilidade técnica ou intento de veracidade do historiador, mas serve também à legitimação de seu estilo de cronista.”[33] O pesquisador Miguel Ângelo Cuarterolo identifica em Garmendia o artista que mais se valeu da fotografia para a criação pictórica sobre a Guerra do Paraguai, no que afirma ser fruto, por parte do militar, do reconhecimento deste meio como um “registro da verdade”.[34] Junto a isso, o autor destaca o fato de Garmendia citar esta referência quando faz acompanhar o título dado às aquarelas com a nota “a partir de fotografia”, o que configurava uma prática não usual. Ambos os autores apontam, portanto, o uso da fotografia como recurso mobilizado por Garmendia para agregar legitimidade ao sentido testemunhal de suas pinturas, dada a valoração da técnica entendida à época como “registro do real”.
Entre as 124 aquarelas que compõem o álbum de Garmendia, 28 aparecem anotadas como “copiada del natural” e 10 como “de una fotografia” ou “de un daguerreotipo”. Essas são as únicas inscrições agregadas às legendas anotadas pelo próprio militar que, no mais das vezes, fazem referência à localidade ou episódio retratados, sem outra qualificação.
Assim sendo, “copiado de una fotografia” e “copiado del natural” serviam, de maneira semelhante, como indicação do testemunho ocular “terceirizado” pelo artista. Se à fotografia era atribuída a objetividade fria da técnica, que lhe assegurava a verdade do conteúdo, como já analisado pelos comentadores da obra de Garmendia acima citados, o olhar testemunhal, mesmo quando emprestado por outro documentarista, tinha a mesma condição de atestar que aquelas imagens eram “verídicas em sua essência”, como afirmou o militar sobre o conjunto expresso em seu álbum.[35]
Com isso, se infere que os desenhos de Methfessel, fruto da observação direta, copiados por Garmendia a partir de seu caderno de esboços ou das impressões litográficas, foram valorados pelo militar como portadores da mesma chancela de legitimidade que a fotografia era capaz de ofertar a uma imagem nesse momento. Ao menos seis desenhos de Methfessel aparecem citados nas aquarelas de Garmendia acompanhados da nota “copiados del natural”.
Em um sentido oposto, mas que reforça o mesmo argumento, Garmendia valeu-se de um cenário criado por Methfessel para compor uma cena cujo conteúdo narrativo ele modifica. Por esse deslocamento de sentido dado ao registro documental de Methfessel, apesar da referência formal explícita ao desenho encontrado no caderno do artista, Garmendia não usa em sua aquarela a expressão “copiado del natural”.
O desenho do caderno de Methfessel (Fig. 15) acompanhado da legenda “En el comercio de Las Palmas” apresenta um mercado montado próximo ao acampamento aliado como palcosobre o qual desfila uma variedade de tipos, uniformes e nacionalidades que conviviam naquele contexto. Hotéis, boticas, bodegas e até uma loteria identificados com bandeiras de diferentes países oferecem produtos e serviços aos soldados que se divertem em seu momento de folga. Na aquarela intitulada 3 de Noviembre de 1868. Los paraguayos sorprendidos robando en el comércio de Tuyuti Garmendia repete o mesmo cenário apresentado no desenho de Methfessel (Fig. 16). Não se pode deixar de notar a bandeira da Suíça acrescida pelo militar sobre uma das barracas, no lado direito, em um gesto que parece explicitar a referência ou antes homenagear o artista vindo daquele país. Porém, na aquarela de Garmendia o mercado ambienta um episódio em tudo distinto ao desenho de Methfessel. A descontração que emana do primeiro dá lugar a uma cena de batalha, com corpos espalhados no chão e semblantes desesperados dos que tentam fugir à emboscada inimiga.
Por sua vez, é possível que Methfessel tenha criado o desenho a partir da fotografia datada de 1868, sem autoria identificada, que circulou acompanhada da legenda “Vista do comercio em Lambaré” (Fig. 17). O fotógrafo parece ter recorrido a figurantes que posaram à meia distância em um momento específico do dia em que aquele local se encontrava vazio. Tal recurso atenderiaao limite da técnica, que exigia a imobilidade do retratado durante o registro. De um suporte a outro, a itinerância das imagens[36] gerava novos sentidos e possibilidades, em uma rede de contágios e sobrevivências. A fotografia, que pela contingência técnica só podia retratar o comércio vazio, lhe dando outros significados; o desenho do cronista, registrando a diversidade cultural que palpitava por trás das trincheiras; e a aquarela do militar, que enxergaa violência da guerra por toda parte.
A insolente liberdade das imagens:
Na carta publicada no jornal La Tribuna, para elogiar Methfessel o autor contrasta a atuação do artista com a dos comerciantes que, como ele, seguiam as tropas.
Sua figura se destaca sobre os que observam de perto as peripécias de nossa luta, como se destaca a palmeira sobre as ervas que cobrem a superfície da terra. A arte é sua estrela; o negócio é o que move os que seguem nossas bandeiras, como os abutres seguem os exércitos. Esses se alimentam com o sangue dos mortos, aqueles com o ouro dos vivos.[37]
Ao mesmo tempo em que denuncia o interesse vil dos comerciantes, a quem compara a abutres, o missivista enaltece Methfessel afirmando que seu único propósito é a arte. A sentença que repete o clichê romântico passadista sobre a pretensa autonomia da arte, guarda, além disso, sentidos interessantes a presente análise.
Ao contrapor Methfessel aos comerciantes para fazer a defesa da arte desinteressada, o autor da carta provoca o oposto, e evidencia o lugar ocupado pelo artista suíço naquele contexto. Methfessel encarnou como poucos a transformação da imagem em mercadoria de massa no processo de construção de uma iconografia da Guerra do Paraguai, o que lhe aproxima, no sentido final, aos caixeiros viajantes que seguiam as tropas. Sem submeter a avaliação de sua obra a esse aspecto, ou fazer disso juízo de valor, Methfessel é, entre todos os artistas junto a quem aparece citado nas análises modernas sobre a iconografia da guerra, o único que vinculou sua atividade estritamente ao emergente mercado editorial de gravuras.
Como já dissemos, nas análises sobre sua obra, Methfessel aparece ladeado por Victor Meirelles, Cândido Lopez, Eduardo de Martino, igualados como artistas a quem se incute a chancela de “testemunha ocular” do conflito. Ainda que isso seja verdade, tal condição não basta para reuni-los sob as mesmas lentes. Com muitas nuances e particularidades que não nos interessam aqui discutir, Meirelles, Lopez, de Martino, a quem podem ser acrescidos Pedro Américo e Manuel Blanes, realizaram suas pinturas voltadas ao Estado e suas instituições, quer por encomenda, quer para oferecimento posterior. Não havia outro cliente possível àquele tipo de arte que se estava produzindo. A clareza quanto ao destino projetado às obras regeu seus processos artísticos do início ao fim, o que resulta em uma iconografia vinculada aos processos nacionalistas em curso naquele momento, em suas variações e especificidades.
Methfessel, por sua vez, produziu, desde seus esboços, imagens destinadas a tornarem-se múltiplas, voltadas ao consumo na forma de gravuras, e não aos museus e grandes exposições. Mesmo as “obras únicas” que realizou, como é o caso das aquarelas encomendadas por Zeballos, devem ser lidas nessa mesma chave, uma vez que foram feitas para ser transpostas a uma publicação, antes do que para circular de maneira autônoma, como a conhecemos hoje. Entendê-lo a partir da mudança de status que se operava nesse momento de autonomização da imagem, quando ela se desassocia da arte e assume a forma de mercadoria de massa, é essencial à justa análise de sua obra.[38] Dessa forma, ombreá-lo aos pintores acima citados, eclipsa o papel de Methfessel na conformação da cultura visual produzida pela guerra do Paraguai, antes de enaltecê-lo.
Um segundo aspecto que emerge da sentença quase ingênua do missivista de 1868 reside em evidenciar a convivência de Methfessel junto à turba que se deslocava pelo interior do Paraguai. O artista suíço era mais um civil em meio aos soldados e sua entourage, compartilhando esta condição com os “tropeiros”, no que o diferencia uma vez mais dos demais pintores que retrataram a guerra contra o Paraguai. A visão de bastidores que ele oferece em suas litografias pode ser entendida como fruto dessa vivência pela qual Methfessel se aproxima aos Special Artists que cobriram a Guerra Civil dos Estados Unidos,[39] papel que desempenhou quase sozinho, dadas as características da cobertura realizada pela imprensa ilustrada dos países aliados durante a guerra do Paraguai.[40]
De tudo isso, resulta uma obra de características muito próprias. Nas soluções formais, seus desenhos respondem à tradição dos gravadores. A ação concentrada no primeiro plano, o ponto de vista aproximado da cena, são elementos que atendem aos usos destinados a eles. O pressuposto da rápida apreensão do conteúdo, que contava com a descrição textual indissociada, compunha a essência dessas imagens, que seriam lidas como um livro ilustrado, no conjunto de um álbum, antes do que contempladas isoladamente.
O Álbum Methfessel foi um empreendimento comercial, que operou em intersecção entre a inovação editorial e o desenvolvimento técnico e estilístico das formas de impressão e reprodução de imagens. Aproximava-se, nesse sentido, ao já citado álbum de Pallière, voltado ao registro dos costumes locais da população dos pampas, o que também explica a predominância das cenas de gênero em meio ao cotidiano das tropas. Tal característica não tira, ao mesmo tempo, o conteúdo político de suas imagens.
Referências elogiosas aos exércitos aliados e suas vitórias compartilham espaço com críticas à desumanidade da guerra, ainda que essas últimas sejam apresentadas como detalhes. Não podemos, pois, deixar de notar que, ainda que o artista suíço não faça eleição por um ou outro lado beligerante, os desenhos de Methfessel foram criados a partir das fileiras argentinas e, além disso, destinados ao público consumidor daquele país que lhe havia recebido anos antes, e para o qual ele retornaria, finda sua aventura pelo Paraguai.
Se depois de impressas as estampas ganhavam autonomia, o processo de criação que antecedia essa circulação em forma de gravura também era prenhe de transmutações e contágios, como pretendemos ter demonstrado a partir da itinerância daimagem plasmada na obra de Methfessel. A fotografia emergia na litografia através da apropriação de seu conteúdo formal, o que é sempre lembrado, mas também pela falta, ou seja, quando nas gravuras se buscava realizar aquilo que os limites da técnica impediam à fotografia. É o que se percebe, por exemplo, nos enquadramentos que se querem quase aleatórios, de forma a evidenciar a captura do instantâneo, resultando no rompimento dos limites de tempo e espaço representativos. Ou nos desenhos que preenchem de vida os cenários forçosamente vazios a que a fotografia se voltava.
A obra produzida por Methfessel sobre a guerra contra o Paraguai, dos esboços do caderno às aquarelas, passando pelo álbum litográfico, é um exemplo acabado da não fixidez dos conceitos de autoria e de original nesse momento em que a “insolente liberdade” das imagens, na feliz expressão cunhada por Michel Foucault[41], só encontrava o encarceramento no retrato dos cativos de guerra. Paraguaios famélicos, alquebrados e maltrapilhos seguiam, porém, de pé, e devolviam com altivez o olhar a quem lhes observava em uma litografia, a partir do conforto do sofá da sua sala de estar, enquanto folheava um álbum de estampas recém adquirido.
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Notas
[*] O presente artigo reproduz em parte o capítulo 3 da tese de doutoramento da autora, texto inédito, defendida no departamento de antropologia da Universidade de São Paulo. A tese intitulada Fragmentos de guerra: imagens e visualidades da guerra contra o Paraguai, pode ser acessada em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8134/tde-20082019-112907/pt-br.php. Acesso em 17 de dezembro de 2019.
[1] Junto ao caderno encontra-se guardada a documentação que registra sua circulação no Brasil, entre as décadas de 1960 e 1970, e indica o Kunstmuseum Bern, na Suíça, como instituição de origem. O museu, localizado na cidade natal do pintor e que ainda hoje detém parte de seu espólio, atestou a autenticidade do material em carta datada de 19 de setembro de 1968, endereçada ao marchand francês André Bénéteau, proprietário da Galeria de Arte Ita, em São Paulo, entre os anos de 1943 e 1971.
[2] Ebe J. Peñalver, “Adolf Methfessel (1836-1909)”, Boletín. Instituto de Historia del Arte Argentino y Americano, La Plata, año 7, n° 5, 1983, pp. 114-138. Uma parte desse texto foi posteriormente reproduzido no catálogo da exposição realizada por ocasião do 150º aniversário das relações entre Suíça e Argentina, promovida pela embaixada do país europeu em Buenos Aires. Ver: Adolf Methfessel (1836-1909). Buenos Aires: Museu Nacional de Bellas Artes, 1984.(Catálogo de Exposição).
[3] Ebe J. Peñalver, op. cit., p. 115.
[4] Methfessel teve uma carreira profícua como desenhista de expedições científicas, sobre a qual discorrem, entre outros: Máximo E. Farro, Historia de las colecciones en el Museo de la Plata 1884-1906: naturalistas viajeros, coleccionistas y comerciantes de objetos de historia natural a fines del siglo XIX. (Tese: Doutorado). Facultad de Ciencias Naturales y Museo, UNLP, 2008. Disponível em: http://naturalis.fcnym.unlp.edu.ar/repositorio/_documentos/tesis/tesis_0991.pdf. Acesso em 28 de fev. de 2019. Patrícia Arenas, Antropologia en la Argentina, Buenos Aires, Museo Etnográfico “J. B. Ambrosetti”, 1991, pp. 61-6. O artista também pintou quadros de paisagens e de gênero, sobre o que recomendamos a leitura de Marta Penhos, Mirar, saber, dominar: dibujos de viajeros em Argentina, Buenos Aires, Museo Nacional de Bellas Artes, 2007, (catálogo de exposição). Da mesma autora, ver, ainda: “Modelos globales frente a espacios locales”. Studi Latinoamericani n° 4, 2008. Sobre a pintura paisagística e a atuação de Methfessel como naturalista na Argentina, ver: Patrícia Arenas, “Naturaleza, arte y americanismo: Felix Ernst Adolf Methfessel (1836-1909)”, Société suisse des Américanistes Bulletin n° 66-67, 2002-2003, pp. 191-198. Disponível em: http://www.sag-ssa.ch/bssa/pdf/bssa66-67_23.pdf. Acesso em 28 de fev. de 2019. Em 1876 Methfessel, que já havia criado e dirigido um Jardim Botânico em sua cidade natal, Berna, ganhou um prêmio pela reforma dos parques de Palermo, na Argentina.
[5] Ver: Miguel A Cuarterolo, “Images of war: photographers and sketch artists of the Triple Alliance conflict”, em Hendrik Kraay e Thomas L. Whigham (orgs), I die with my country, Lincoln e London, University of Nebraska Press, 2004; Roberto Amigo, “Imágenes en guerra: La Guerra del Paraguay y las tradiciones visuales en el Río de la Plata”, Nuevo Mundo Mundos Nuevos [online], Colloques. Disponível em: http://journals.openedition.org/nuevomundo/ 49702. Acesso em 28 de fev. de 2019. Roberto Amigo, “Representar la Guerra Guasú: Cándido López, Adolf Methfessel, Modesto González, José Ignacio Garmendia”, enLa épica y lo cotidiano. Imágenes de la Guerra Guasú, (catálogo de exposição), Corrientes, Museo Provincial de Bellas Artes Dr. Juan R. Vidal, 2008. Cecília Cavanagh, José Ignácio Garmendia: crónica en imágenes de la Guerra del Paraguay, Buenos Aires, Pabellon de las Bellas Artes UCA, 2005. F. Doratiotto e M. A. De Marco, “Guerra de la Triple Alianza. Memoria Histórica e iconográfica”, Museo Roca História Visual Argentina, n° 48, Buenos Aires, 2016.
[6] Ebe J. Peñalver, op. cit., p. 118.
[7] Sobre a controvérsia da datação proposta por Peñalver ver: Lúcia Klück Stumpf, Fragmentos de guerra: imagens e visualidades da guerra contra o Paraguai, Universidade de São Paulo, 2019. Tese (Doutorado), pp. 268-270. Texto inédito, disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8134/tde-20082019-112907/pt-br.php
[8]La Tribuna, Buenos Aires, 5 de janeiro de 1869, p. 1. Apud: Peñalver, op. cit., p. 118. (tradução da autora).
[9] A impressão das litografias não é datada, de forma que estabelecemos esse intervalo de tempo a partir das imagens que retratam Assunção ocupada pelas tropas brasileiras, o que só ocorre em janeiro de 1869, e o ano em que a oficina de Pelvilain é fechada em Buenos Aires, depois da morte de seu fundador, em 1871.
[10] Albert Amerlan, Nächte am Rio Paraguay: Kriegsbilder und Charakterskizzen, Buenos Aires, H. Tjarks & Co., 1886. O livro foi traduzido para o inglês (Nights on the Rio Paraguay: scenes of war and characterscetches) e para o espanhol (Bosquejos de la Guerra del Paraguay) e mereceu diversas reedições, sempre acompanhadas das ilustrações de Methfessel.
[11] O projeto de Zeballos previa uma publicação de 12 tomos, em que a guerra seria contada “em primeira pessoa”, a partir de entrevistas concedidas por diversos participantes do conflito. O autor morreu antes de finalizá-lo, deixando o material, que acabou se dispersando, inédito. Para realizá-lo, Zeballos percorreu os sítios pelos quais a guerra se desenrolou, em duas viagens ao Paraguai, nos anos de 1887 e 1888, quando, segundo alguns comentadores, Methfessel o teria acompanhado a fim de realizar novos desenhos do natural. Hoje são conhecidas 25 aquarelas de autoria de Methfessel que compunham parte do arquivo de Zeballos, doado ao Museo de Lujan, na Argentina, onde permanecem. No ato da doação, feito por um filho de Zeballos, em 1935, teriam sido entregues ao museu 42 aquarelas e guaches de Methfessel, algumas das quais se perderam. Há uma inconsistência quanto à datação dessas aquarelas, que merecem um estudo mais detido, não tendo sido objeto de análise da presente pesquisa. Peñalver as registrou no catálogo da exposição de 1984, com data de 1872-73, afirmando, no texto, que foi nesse intervalo de tempo que Methfessel acompanhou Zeballos nas viagens de pesquisa para um livro que elas deveriam ilustrar. (Ver: Ebe J. Peñalver,op. cit.) Porém, a principal estudiosa da obra inconclusa de Zeballos, Liliana Brezzo, afirma que o autor só iniciou a pesquisa para o referido livro em 1887, ano em que teria, então, realizado a viagem e a partir de quando poderia ter feito a encomenda a Methfessel. Disso se inferem duas hipóteses: ou as aquarelas foram feitas por Methfessel entre 1872 e 1873, como indicado por Peñalver, sendo posteriormente compradas por Zeballos, o que descaracterizaria a comitência das obras para o fim de publicação; ou as aquarelas foram feitas por encomenda de Zeballos, nesse caso com data posterior a 1887. Sobre o projeto historiográfico de Estanislao Zeballos, ver: Liliana Brezzo (ed.), La Guerra del Paraguay en primera persona. Testimonios inéditos. Fondos Estanislao Zeballos, Asunción, Tiempo de História, 2015. Um artigo da mesma autora, apresentando a pesquisa que deu origem ao livro, quando ainda estava em andamento, pode ser acessado em: Liliana M. Brezzo, “La guerra del Paraguay a través de la memoria de sus actores: el proyecto historiográfico de Estanislao Zeballos”, Nuevo Mundo Mundos Nuevos [online]: Disponível em: http://journals. openedition.org/nuevomundo/1677. Acesso em 28 de fev. de 2019.
[12] Álbum de la Guerra del Paraguay foi um jornal ilustrado, editado em Buenos Aires, com circulação também em Montevidéu, entre 1893 e 1896, promovido pela Asociación Guerreros del Paraguay, que reunia ex-combatentes do conflito. Sobre o Álbum, ver: SebastiánDíaz-Duhalde, “Estudios iconológicos en la prensa ilustrada del siglo XIX. El Álbum de la guerra del Paraguay y la visualidad de “lo igualmente visible”, Cuadernos de música, artes visuales y artes escénicas, 9 (2), 127-146, 2014. Disponível em: http://dx.doi.org/10.11144/Javeriana.mavae9-2.eipi. Acesso em 28 de fev. de 2019.
[13] A atenção reservada à notação da natureza nos registros de Methfessel é destacada por Roberto Amigo em: “El alba con la noche”, Separata año IX, n° 14, octubre de 2009, pp. 3-13.
[14] Junto às cruzes, lê-se: “Mein erster Standpunkt || Mein 2ter Standpunkt”, em português, “Meu primeiro ponto de vista || Meu segundo ponto de vista”.
[15] Não foi possível nesta pesquisa precisar o formato completo do referido álbum. As litografias que consultamos durante esta pesquisa compõem o acervo da Biblioteca Nacional de Asunción, no Paraguai, e da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Nestes dois conjuntos pudemos reunir 25 pranchas assim denominadas: 1) “Em marcha”; 2) “Paraguayos emboscados”; 3) “Muito bom tempo, muito mal tempo” 4) “El cuartel general Brasil em Tuyuti”; 5) “El cuartel de S. E. el General B. Mitre em Tuyuti”; 6) “Salida de la armada Brasileira de Tuyuti”; 7) “Um passo entre Tuyuti y Curupayti (Linea Negra); 8) “Entre Tuyuti y Curupayti. El Mangrulho ó Mirador. Casamata de los paraguayos”; 9) “El rio Paraguay en Curupayti”; 10) “Proveedurías en Curupaity”; 11) “Humaitá, del lado Paso-Pucú”; 12) “La batería de Londres, Humaitá”; 13) “El interior de la de la Iglesia de Humaytá”; 14) “Las bocas del lobo en el Paso-Pucú”; 15) “30 Dezembro 1868. La Angostura”. 16) “La Gloriosa caballería del General Osório en la Batalla de la Villeta”; 17) “Iglesia de la Villeta.”; 18) “La Loma Valentina”; 19) “Vila la Legión Militar! Toma de la Loma Valentina por los aliados. El 27 Diciembre 1868”; 20) “Retrato de los prisioneros paraguayos tomados en la Loma Valentina”; 21) “La Asunción”; 22) “El puerto de la Asunción”; 23) “El Palacio nuevo en la Asunción”; 24) “La Estación del Ferro Carril en la Asunción”; 25) “Naranjales en los alrededores de la Asunción”.
[16] Corinne Bouquin, Dictionnaire des imprimeurs-lithographes du XIXe siècle. Paris: École Nationale des Chartes, 2013. Disponível em: http://elec.enc.sorbonne.fr/imprimeurs/. Acesso em 28 de fev. de 2019.
[17] Orlando da Ferreira, C., Imagem e Letra, São Paulo, Edusp, 1994. p. 389.
[18] Sobre Pallière e a viagem que originou as cenas do álbum, ver: R. Gutiérrez e M. Solá, Leon Pallière. Diario de viaje por la América del Sud, Buenos Aires, Peuser, 1945.
[19] Marta Penhos aproxima de forma crítica a obra de Methfessel e de Leon Pallière para pensar a paisagem e o costumbrismo na Argentina, a partir da produção dos artistas viajantes na segunda metade do século XIX. Ver: Marta Penhos, 2007, op. cit.
[20] Ver: Catálogo da Exposição de História do Brasil, Rio de Janeiro, Typ. de G. Leuzinger & Filhos, 1882, tomo 2, pp. 1481 e 1482
[21] Chiripa é uma vestimenta típica dos gaúchos na região do Prata, que consiste em um pano sem costura enrolado na cintura e perpassado entre as pernas, finalizado com uma amarração e usado sobre a bombacha. Durante a guerra, a escassez de tecidos que atingiu o Paraguai fez desse recurso muitas vezes a única vestimenta disponível às tropas. Além da denúncia do pauperismo que afligiu a população local, é mister notar o índice de estranhamento e exotismo que essa vestimenta ganha pelos olhos de artistas estrangeiros, como Methfessel.
[22] Ver: Carlos Lima jr., Lilia Moritz Schwarcz e Lúcia Klück Stumpf, A batalha do Avaí: a beleza da barbárie, Rio de Janeiro, Sextante, 2013, pp. 59-64.
[23] Sobre a participação feminina na Guerra do Paraguai, ver: Maria Teresa Garritano Dourado, Mulheres comuns, senhoras respeitáveis: a presença feminina na Guerra do Paraguai, Dissertação de Mestrado, Campo Grande, UFMS, 2005. Hilda H. Flores, Mulheres na Guerra do Paraguai, Porto Alegre, Edipucrs, 2010. Alberto M. R. Silva, La noche de las kygua vera: la mujer y la reconstrucción de la identidad nacional en la posguerra de la Triple Alianza (1867- 1904), Asunción, Intercontinental Editora, 2010.
[24] O motivo do soldado infante retornaria anos mais tarde, naquela que talvez seja a mais conhecida aquarela de Methfessel. A partir do retrato fotográfico de um menino paraguaio muito jovem e de aparência frágil, mutilado no conflito, o artista criou uma cena alegórica de denúncia dos custos da guerra. A pintura chamada El Paraguay después de la Guerra atualmente compõe o acervo do Museo Enrique Udaondo, em Lujan, Argentina.
[25] Para uma biografia de Garmendia, ver: Néstor Auza, José Ignácio Garmendia: militar e escritor, Buenos Aires, Círculo Militar, 1982.
[26] Ver: J. I. Garmendia, La Cartera de un soldado. Bocetos sobre la marcha, Buenos Aires, Casa Editora, 1889, p. 35.
[27] A formação artística de Garmendia se limitou a aulas particulares tomadas do professor Eustaquio Carrandi, pintor e retratista, que foi também o titular das classes de desenho no Colégio Republicano Federal. Alberto. G. Piñeiro (org.), El horror de la guerra: personalidades y escenas de la guerra de la triplealianza contra Paraguay por José Ignacio Garmendia y J. Serena, Buenos Aires, Museo Histórico de Buenos Aires Cornelio Saavedra, 2006. p. 23.
[28] A coleção de aquarelas de autoria de J. I. Garmendia compõe atualmente o acervo do Museo Histórico de Buenos Aires Cornelio de Saavedra. Sobre a coleção ver: Alberto G. Piñeiro (org.) El horror de la guerra: personalidades y escenas de la guerra de la triple alianza contra Paraguay por José Ignacio Garmendia y J. Serena. Buenos Aires, Museo Histórico de Buenos Aires Cornelio Saavedra, 2006. Cecilia Cavanagh (dir.), José Ignácio Garmendia: crónica en imágenes de la Guerra del Paraguay. (Catálogo de exposição), Buenos Aires, Pabellon de las Bellas Artes, 2005.
[29] J. I. Garmendia, Del Brasil, Chile y Paraguay. Gratas reminiscências. Primera Parte, Buenos Aires, Librería La Facultad, de Juan Roldán, 1915, p. 208.
[30] Alberto G. Piñeiro, 2006, op. cit., Cavanagh, 2005, op. cit., Roberto Amigo, 2009, op. cit.
[31] Roberto Amigo, 2009, op. cit.
[32] Referimos-nos às aquarelas registradas no Museo Saavedra sob os títulos: Cuartel general del Ejército argentino. Carpa del gal. Bartolomé Mitre – copiado del natural; Cuartel General del Marques de Caxias. Tuyuti; Vista del rio Paraguay Curupayti – copiado del natural; Curupayti – vista del rio Paraguay – copiado del natural; Linea Negra – entre Tuyuti y Curupayti – copiado del natural; Un paso entre Tuyuti y Curupayto (linea negra) – copiado del natural; Emboscada de los paraguayos a una descubierta del Sn.Marín – frente Curupayti 1868; 3 de noviembre de 1868. Los paraguayos soprendidos robando en el comercio de Tuyuti; Humayta vista de Paso-Puco – copiado del natural; Asalto de Humayta por Gral Osorio, el 18 julio de 1868.
[33] Roberto Amigo, 2009, op. cit.
[34] Miguel A Cuarterolo, 2004, op. cit., p. 170.
[35] J. I. Garmendia, Del Brasil, Chile y Paraguay. Gratas reminiscências. Primera Parte, Buenos Aires, Librería La Facultad, de Juan Roldán, 1915, p. 208.
[36] Usamos este termo à luz do que Eduardo Cadava e Gabriela Nouzeilles propõem em referência à relação produtiva que resulta da circulação e das trocas entre o “original” e seus múltiplos, no momento de expansão das novas tecnologias de reprodução das imagens. Ver: E. Cadava, e G. Nouzeilles, The itinerant languages of photography, Princeton, Princeton University Art Museum, 2014.
[37] La Tribuna. Buenos Aires, 5 de janeiro de 1869, p. 1. Apud: Peñalver, 1983. op. cit., p. 118 (tradução da autora).
[38] S. Bann, Distinguished images, New Haven, Yale Press, 2013; Deborah Poole, Vision, Race and Modernity, Princeton University Press, 1997.
[39] Special Artists é como eram chamados os correspondentes da imprensa ilustrada na época da Guerra Civil Americana. Os special artists eram profissionais reconhecidos como um tipo especial de jornalistas. Possuíam treinamento variado em artes, mas não eram, em geral, artistas. Acompanhavam as tropas como civis, vivendo sob as mesmas condições dos soldados ou, quando tinham sorte e bons contatos, dos oficiais.
[40] Para uma análise sobre as particularidades da cobertura sobre a Guerra do Paraguai produzida pela imprensa ilustrada da corte brasileira ver, entre outros: Lúcia Klück Stumpf, 2019, op. cit. Especialmente capítulo 1.
[41] Michel Foucault se referiu ao período que se seguiu ao nascimento da fotografia como a fase em que as imagens gozaram de uma “insolente liberdade”, em que nada as repugnava mais do que permanecer idênticas a si mesmas. Ver: Michel Foucault, La pintura fotogênica. Catálogo da exposição de Gérard Fromanger: Le désir est partout. (1975). Tradução:, A. P. Valencia, Revista Colombiana de Pensamiento Estético y Historia del Arte n° 4, jul-dec. 2016, pp. 114-127.