Pintores no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: a preservação dos “bens móveis e integrados” no Brasil entre 1937 e 1976

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> autores

María Sabina Uribarren

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Pós-doutoranda junto à linha de pesquisa “História do Imaginário” do Museu Paulista da Universidade de São Paulo (MP USP), Brasil. Doutora e Mestre em História da Arquitetura e do Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). Ex-bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Recibido: 20 de junio de 2017

Aceptado: 18 de octubre de 2017





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> como citar este artículo

María Sabina Uribarren; «Pintores no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: a preservação dos “bens móveis e integrados” no Brasil entre 1937 e 1976». En Caiana. Revista de Historia del Arte y Cultura Visual del Centro Argentino de Investigadores de Arte (CAIA). N° 11 | Año 2017 en línea desde el 4 julio 2012.

> resumen

O artigo considera a articulação estabelecida entre o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e os pintores que exerceram funções na preservação dos “bens móveis e integrados”, uma categoria abrangente que incluía singulares obras de arte do Brasil. O artigo analisa a valorização da escultura, da talha e da pintura no conjunto dos discursos e da ação do IPHAN sob a direção de Rodrigo Melo Franco de Andrade, e como, nesse contexto, surgiram espaços para a introdução de artistas como conservadores-restauradores, além dos reconhecidos arquitetos do instituto. A incorporação de pintores foi propiciada pelas responsabilidades que o próprio IPHAN assumiria no ambiente das artes plásticas cariocas a partir de 1937. Melo Franco de Andrade fomentou a formação desses artistas no estrangeiro, em diversos quesitos vinculados à preservação das obras de arte. Entre esses pintores, Edson Motta seria alçado a chefe do Setor de Recuperação de Obras de Arte do IPHAN, cargo a partir do qual exerceu uma notável ascendência na definição do papel do restaurador-conservador de obras de arte no Brasil. O trabalho discute também algumas contribuições que o IPHAN proporcionou em relação ao campo das artes no país.

Palabras clave: patrimônio cultural, pintores, Edson Motta, IPHAN, Brasil

> abstract

This article considers the relationship between the Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) and painters who would exert key functions in the preservation of the «movable and integrated assets”, a comprehensive category created by the Institute in order to include unique works of art from Brazil. It also analyses the sculpture, carving, and painting appreciation in the set of discourses and practices of IPHAN under the direction of Rodrigo Melo Franco de Andrade and how, within this context, opportunities for the introduction of artists were created, in addition to the acknowledged architects from the Institute. The incorporation of painters was possible due to the responsibilities that IPHAN itself assumed in the world of the carioca plastic arts from 1937 on. Melo Franco de Andrade encouraged these artists to study abroad, taking into account of their background education several aspects of the preservation of works of art. Among those painters, Edson Motta was promoted as head of the IPHAN Works of Art Restoration Sector, what enabled him to have a remarkable ascendancy over the definition of the role of the conservator-restorer of works of art in Brazil. This article discusses some of IPHAN contributions to the field of arts in the country, as well.

Key Words: cultural heritage, pPainters, Edson Motta, IPHAN, Brazil

Pintores no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: a preservação dos “bens móveis e integrados” no Brasil entre 1937 e 1976

Introdução

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),[1] a partir de sua criação provisória em 1936, foi a instituição brasileira que, com pleno aval do Estado Nacional, se debruçou na construção discursiva de Nação como “comunidade imaginada”,[2] por meio de ações abrangentes e complementares, entre elas notadamente o uso do instrumento do tombamento, com o objetivo de determinar as evidências materiais da nação e de proteger sua anterioridade no passado.

Ao ser aprovado o Regimento Interno do órgão (1946), estabelecia-se que o IPHAN teria “por finalidade inventariar, classificar, tombar e conservar monumentos, obras, documentos e objetos de valor histórico e artístico”.[3] O intuito protetor do Instituto e a legislação na qual ele se apoiava referiam-se a um amplo espectro de bens culturais, no entanto diversos autores[4] verificaram como, durante a gestão do primeiro diretor da instituição, Rodrigo Melo Franco de Andrade,[5] a priorização da proteção da arquitetura através de seu tombamento foi central.

A ênfase do IPHAN na preservação de um patrimônio de “pedra e cal”, todavia, não foi homogênea nesse período. Como este artigo pretende discutir, foram também realizadas importantes ações com o objetivo de valorizar e proteger outros tipos de bens, muitos deles obras de arte, sendo que essas ações requereram a intervenção de indivíduos com uma qualificação diferente daquela que possuíam as personalidades que usualmente são destacadas nos trabalhos acadêmicos sobre o IPHAN. Em geral, as análises centram-se sobre as figuras de Lucio Costa e dos arquitetos, do diretor Melo Franco de Andrade e dos intelectuais que com ele colaboraram na instituição, como responsáveis pelas elucubrações e decisões que definiram o patrimônio cultural brasileiro a partir da instituição definitiva do IPHAN, em 1937.[6] O órgão, no entanto, era composto por uma miríade de profissionais outros, que não costumam ser percebidos e analisados. Muito recentemente novas abordagens vêm atentando para os fotógrafos, artistas plásticos, historiadores ou museólogos que trabalharam no IPHAN, contribuindo para um alargamento de sua história.[7]

O presente artigo[8] considera a valorização da escultura, a talha e a pintura no conjunto dos discursos e da ação do IPHAN sob a direção de Melo Franco de Andrade, e como, nesse contexto, surgiram espaços para a introdução de indivíduos formados em arte. Analisa, ainda, a articulação estabelecida entre o IPHAN e os pintores que, a partir da década de 1940, exerceram funções fundamentais na preservação dos “bens móveis e integrados”, categoria abrangente criada no instituto, a qual incluiu obras singulares da produção artística brasileira e que ficaria sob os cuidados do Setor de Recuperação de Obras de Arte, chefiado pelo pintor Edson Motta. O trabalho, finalmente, chama a atenção sobre como o recrutamento desses artistas foi facilitado pela ação que o IPHAN procurou ter no ambiente das artes plásticas cariocas a partir de 1937.

 

O IPHAN e os Bens Móveis e Integrados à Arquitetura

Nos discursos construídos e chancelados pelo órgão federal de preservação, os bens de “excepcional valor artístico” eram organizados em três categorias: 1) arte erudita –que incluía os monumentos arquitetônicos dos séculos XVI, XVII e XVIII, assim como as obras de pintura e escultura integradas a eles, e ainda as pinturas de cavalete posteriores à independência nacional–; 2) as artes aplicadas; 3) as obras de arte popular.[9] Dentro do primeiro grupo a arquitetura assumia primazia, promovida graças à ação dos arquitetos que ocupavam posições de destaque no IPHAN. Seguindo esta linha de pensamento, no caso da produção artística mineira, Melo Franco de Andrade considerava:

«A pintura e a escultura antigas, no território mineiro, foram concebidas e executadas quase exclusivamente com destino à ornamentação dos edifícios religiosos e civis. As obras dos pintores e escultores do período colonial, em Minas Gerais, ainda quando móveis em si mesmas, não se podem considerar, portanto, como produções artísticas independentes da espécie particular dos recintos a que se tinham que aderir, para efeito ornamental da obra arquitetônica».[10]

Para corroborar tal afirmação, de dependência da pintura e da escultura à arquitetura, o diretor citava Germain Bazin,[11] quem definia,

«A arte da talha submete-se à arquitetura, graças ao gênio de um homem que pratica com igual talento uma e outra; as divergências entre o escultor e o arquiteto apagam-se; na totalidade de seu ser, o monumento apresenta-se, pois, com uma unidade perfeita e até os mínimos entalhes da madeira dourada são ordenados com o mesmo ritmo que comanda o garbo da fachada e o movimento das torres».[12]

No mesmo texto, e assumindo as palavras de Bazin, o diretor do IPHAN separava e confrontava a pintura com a arquitetura e a escultura, “o gosto dos pintores, de uma parte, e o gosto dos arquitetos e entalhadores, de outra parte”, e reforçava a unidade destes últimos, ressaltando desta forma Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, arquiteto-escultor, síntese da brasilidade para o órgão e objeto privilegiado dos trabalhos de pesquisa do IPHAN. A pintura, ao mesmo tempo, era relegada a outro patamar hierárquico, inferior, ou, como afirmava o autor, uma “produção de arte subsidiária”. Através dessas ideias, fica evidente que embora o intuito primário do IPHAN não tenha sido o de promover uma preponderância de uma arte sobre as outras, finalmente a supremacia da arquitetura ecoava a posição hegemônica dos arquitetos na instituição, destacando-se do princípio modernista de integração das artes[13] que eles mesmos defendiam.

O fato de artes como mobiliário, talhas, esculturas e pinturas estarem incorporadas aos edifícios tombados –eram definidas pelo IPHAN como “bens integrados”–[14] acabava por requerer um posicionamento por parte do Instituto, no sentido de valorizá-las e protegê-las. Consequência disso era a realização de uma pesquisa histórica necessária para tais ações; pesquisas com vistas à determinação da autenticidade das obras de arte, ou ainda, de sua materialidade, no ensejo de fomentar sua restauração. Tais ações promoveram a incorporação ao IPHAN de artistas plásticos, com o objetivo de que realizassem interpretações sobre autoria, dirigissem intervenções materiais ?como limpezas de agregados, eliminação de vernizes ou completamento de lacunas? a partir de seu conhecimento empírico e habilidade artística[15] e administrassem instituições dedicadas a proteger esses bens.

 

A autenticação das obras de arte

A ideia de Melo Franco de Andrade de que “estudiosos pertencentes à instituição ou ligados a ela”[16] possuíam um critério técnico apurado, capaz de definir a autoria de monumentos e a autenticidade de pinturas e esculturas foi detectada em artigos jornalísticos e em entrevistas realizadas com o primeiro diretor, uma vez que a determinação da autenticidade se vinculava ao intuito de ratificar determinado patrimônio como verdadeiramente nacional.

Com base em estudos documentais e na análise “acurada” de obras de arte, a instituição pretendia realizar um trabalho crítico de atribuição de autoria, para o qual o IPHAN estivesse capacitado não apenas para perceber as características positivas do trabalho dos artistas, mas também as “suas próprias baldas”,[17] quer dizer as imperfeições próprias do trabalho artesanal como sinais da mão do executor. Para a autenticação dos autores das obras arquitetônicas foram analisados tanto documentos escritos como “riscos”,[18] ou desenhos de projetos de autoria já comprovada, alguns localizados e estudados pelo diretor da Divisão de Estudos e Tombamentos do IPHAN, Lucio Costa, que subsidiaram as análises com base na comparação estilística.[19] Quando os documentos não eram suficientes, ou simplesmente não eram localizados, eram analisados “os subsídios que a própria edificação oferece”,[20] para estabelecer a identidade do autor; cabendo destacar aqui que para isto se requeria um especialista com uma preparação técnica específica para essa análise, a de arquiteto.[21]

Na atribuição de autoria a obras de talha e escultura, além da já mencionada pesquisa documental, ganhou escopo as análises dos detalhes, dos defeitos e das minúcias compositivas como norteadoras da identificação. Para a elaboração desse trabalho foram contratados peritos em belas-artes, como Eduardo Bejarano Tecles, que colaborava na identificação junto com indivíduos de destacada autoridade institucional, como Lucio Costa. Tecles foi representante do IPHAN, em Ouro Preto[22] e realizou, a partir de 1938, por encomenda do órgão reproduções em gesso da obra escultórica atribuída ao Aleijadinho. Segundo o próprio Tecles, Melo Franco de Andrade o convidou para realizar “um trabalho que jamais fizera –modelagem direta […]– utilizando, o que se fez por primeira vez no Brasil, moldes de cera pura”.[23] Foi uma dessa modelagens a que permitia a Costa identificar, por exemplo, “talvez a primeira escultura de pedra-sabão” do Aleijadinho e as bases referenciais que podiam ter inspirado suas “principais composições de arquiteto, entalhador e estatuário”.[24]

Em relação à identificação da autoria de pinturas, o método aplicado às obras de arte mineiras pretendia basear-se, mais uma vez, na análise de documentos, mas, apesar da extensa pesquisa promovida pela organização, tal identificação tinha sido praticamente impossível durante a primeira década de funcionamento da instituição.[25] Melo Franco de Andrade salientava que, embora os estudiosos, aos quais o IPHAN solicitara uma pesquisa,[26] tivessem detectado o trabalho de 45 artistas na região de Minas Gerais no século XVIII, eram poucas as obras pictóricas de autoria indiscutível. As pesquisas tinham se aprofundado apenas em relação a alguns artistas e obras de destaque, tais como Antônio Caldas, Manuel José Rebelo de Souza, José de Carvalhais[27] e, principalmente, Manuel da Costa Ataíde, “mestre pintor que permitiu e determinou a contribuição mais valiosa e expressiva de nosso país para o domínio das artes plásticas, depois da que foi prestada pelo mestre Antônio Francisco Lisboa”.[28]

A mesma dificuldade foi apontada por Hanna Levy[29] no que diz respeito à pintura no Rio de Janeiro. Nesse sentido, ela descrevera a dificuldade de classificar uma obra simplesmente a partir de análises estilísticas, posto que outros documentos auxiliares fossem importantes ?tais como atas e processos, inventários, testamentos e legados, livros de irmandades e inscrições nas próprias obras? e que nem sempre eram encontrados.[30]

Rodrigo Melo Franco de Andrade demonstrou uma preocupação ativa em relação à aplicação de um método confiável para definir a autoria das pinturas, e, para isso, orientaria artistas plásticos que atuavam no Rio de Janeiro a aperfeiçoarem-se nesse quesito fora do Brasil. Esses indivíduos, tais como os pintores Ado Malagoli, Edson Motta e João José Rescala, foram incentivados pelo diretor a se formarem não apenas para autenticar, mas também para atuar nas outras duas situações que se entendiam necessárias para a proteção das obras de arte: restauração e administração de museus. Dessa forma o diretor Rodrigo pretendia contar com profissionais gabaritados para exercer dentro do IPHAN posições de chefia na preservação integral das obras de arte e na formação dos quadros indispensáveis para realizar tarefas de restauração.

 

A restauração

Como foi dito, a restauração da arquitetura, principalmente religiosa, foi uma rotina privilegiada nos afazeres da fase inicial do IPHAN, o que implicou intervenções não apenas em edifícios, mas também em outros elementos que faziam parte deles, como portas, janelas, pisos, forros, talhas e esculturas (de pedra e de madeira) e pinturas.

Márcia Chuva ao analisar os critérios defendidos por Rodrigo Melo Franco de Andrade sobre a restauração da igreja do Antigo Seminário de Belém, em Cachoeira (Bahia), feita em 1937, considera,

«[…] a descrição criteriosa e técnica de Melo Franco de Andrade do método que deveria ser utilizado no tratamento das peças de madeira do interior da igreja é surpreendente. Ela condizia, stricto sensu, com a ideia da conservação e da menor restauração possível ao se intervir no monumento».[31]

Esse critério de menor intervenção nas pinturas foi detectado em nossas pesquisas em outros momentos da ação do instituto, principalmente no decorrer da década de 1930 (Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Cachoeira, Bahia, 1939). Mas, em numerosas ocasiões, o IPHAN se deparou com pinturas em igrejas que tinham sido bastante alteradas, por devotos ou religiosos, e que mereceram uma avaliação negativa do órgão. No caso da igreja matriz de Santa Rita Durão,[32] por exemplo, segundo Melo Franco de Andrade, “a [pintura] do teto, em consequência de ter sido repintada sem o menor escrúpulo, por mão inábil, só se presta ao estudo do ponto de vista do partido adotado na composição, pois o próprio colorido do conjunto parece ter sofrido alteração brutal”.[33] E, quando se detectava uma intervenção que comprometia o valor “original” da obra, o arquiteto Lucio Costa não duvidava em determinar uma intervenção de “reversão”, como no caso de imagens religiosas do Rio Grande do Norte, em 1962, que tinham sido pintadas pelos devotos. “Remover a pintura vulgar e não criar caso”,[34] solicitava o arquiteto, expressão que denota como Costa considerava que a sua era a palavra final.[35]

Documentos analisados[36] indicam como foi usual a manifestação dos arquitetos quanto às decisões a serem tomadas em relação aos elementos integrados à arquitetura. Acompanhando essas posições institucionais, poderíamos cogitar que se as talhas e pinturas não tinham razão de ser fora da arquitetura para a qual tinham sido concebidas, e arquitetos e entalhadores se confundiam, ficando a pintura em um patamar de importância inferior, mas essencial, seria lógico que os arquitetos da repartição se sentissem com autoridade para definir como agir materialmente sobre aqueles bens. E tal critério devia ser, como definido por Lucio Costa, o de remover os agregados.

Em 1937 Melo Franco de Andrade reconhecia que “refazer ou recompor os dourados ou pinturas de peças antigas é dificílimo e quase sempre lamentável”,[37] o que nos indica que algum tipo de restauração foi cogitado no período, mas acabou por ser abandonado, dada a ausência de técnicos capazes para estes misteres nos anos iniciais do IPHAN. Percebe-se aqui um espaço de ação não absorvido pelos arquitetos que deve ter levado o diretor Rodrigo a cogitar na inclusão de outros profissionais aptos para intervir nos bens móveis e integrados à arquitetura.

 

Os museus

No contexto de criação de mecanismos de proteção, outras das ações eficazes, realizadas pelo IPHAN em prol dos bens móveis e integrados à arquitetura do Brasil, foram as tarefas vinculadas à organização de museus. Facilmente compreendemos a importância dos museus para a proteção das obras de arte. No caso dos bens integrados “formando parte da arquitetura, por seu alto valor artístico muitas vezes eram separados de seu suporte arquitetônico passando a circular tanto em coleções de museus quanto de particulares, por meio do mercado de artes”.[38]

O IPHAN promoveu a criação de museus regionais durante a primeira década de funcionamento da instituição.[39] Desde a criação dos museus da Inconfidência (1938), das Missões (1940) e do Ouro (1945) às colaborações com restaurações realizadas nos museus Nacional e Histórico Nacional e com projetos como o “Museu de Moldagens”, destinado a abrigar os modelos realizados por Eduardo Tecles sobre os originais das esculturas do Aleijadinho, a importância dos museus, como espaços de guarda e conservação,[40] logo foi percebida pelo IPHAN conforme indicam as datas de criação dessas entidades colocadas sob a sua tutela. Seu interesse no assunto e a percepção das especificidades requeridas para o seu funcionamento foram reforçados pelos contatos estabelecidos com a UNESCO, especificamente com o Conselho Internacional de Museus (ICOM),[41] criado em 1946 e dedicado aos programas que envolviam aquelas instituições.

Melo Franco de Andrade mantinha contatos com figuras destacadas do mundo dos museus no Brasil, como foi o caso de José Antônio do Prado Valadares,[42] diretor do Museu do Estado da Bahia. Conhecedor da experiência de formação vivenciada por Valadares nos Estados Unidos, uma bolsa para estudar museologia, o diretor do IPHAN requereu uma ajuda da Fundação Rockefeller para que um dos seus colaboradores, o pintor Edson Motta, pudesse se formar na administração dessas instituições em Harvard.

 

Pintores no IPHAN

Tendo estabelecido a existência das especificidades exigidas nas ações de preservação das obras de arte, móveis ou integradas, que culminariam na contratação de profissionais com formação especializada, procuraremos, agora, analisar como se estabeleceu o vínculo entre aqueles artistas e o IPHAN, e aprofundar sobre o papel exercido pelos pintores dentro da instituição, no período de 1944 a 1976.

Às ações do IPHAN em prol da classe artística, que serão devidamente examinadas no final deste artigo, devemos acrescentar que Lucio Costa, diretor da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) entre 1930 e 1931 e posteriormente membro destacado do órgão de preservação, despertava as simpatias de artistas plásticos que não compartilhavam os critérios de ensino acadêmicos então vigentes, nem o sistema de outorga de prêmios das Exposições Gerais,[43] também questionados pelo próprio Costa quando dirigia a instituição. Costa tinha sido designado para o cargo da ENBA por indicação de Melo Franco de Andrade ao Ministro de Educação, Francisco Campos, e suas responsabilidades ficaram maiores com a dissolução, também em 1931, do Conselho Nacional de Belas-Artes. O arquiteto determinou a organização da XXXVIII Exposição Geral de Belas-Artes de 1931, promovendo a difusão dos artistas modernos e gerando, como consequência, uma reação negativa dos academicistas da ENBA.[44]

Costa contava, especificamente, com o reconhecimento de alguns membros do denominado Núcleo Bernardelli(Fig. 1).[45] A criação do Núcleo, em 1931, coincidiu com o curto período da direção de Lucio Costa na ENBA, e seus membros estavam inteirados das propostas de mudanças que estava vivendo a instituição à época, sendo que alguns dos fundadores do Núcleo, como Edson Motta e João José Rescala, se inscreveram na XXXVIII Exposição. Motta (1910- 1981), pintor oriundo de Juiz de Fora, discípulo de Cesar Turatti e Rodolfo Chambelland participou do denominado Salão Revolucionário[46] com a pintura “Meu Berço” e o carioca Rescala (1910- 1986) com as obras “Uahibe na intimidade”, “Matando as saudades” e “Recanto do Andarahy”.[47]

Embora não tenhamos localizado interações diretas entre Costa e o Núcleo Bernardelli, as declarações do seu primeiro presidente, Edson Motta, ao Jornal O Globo do Rio de Janeiro, em relação à discussão do novo regulamento para as Exposições Gerais de Belas-Artes, assunto de grande repercussão nos jornais cariocas dos primeiros anos da década de 1930, denotam o conhecimento da ação de Costa na Escola, bem como a posição do próprio Motta nessa querela que envolvia a definição de espaços de poder dentro do panorama das artes brasileiras:

«Os artistas também deram, depois de 1930, seu grito renovador. Para a Escola de Belas-Artes foi um moço na idade e no espírito – Lucio Costa. Trabalhou, fez coisas úteis. Organizou o Salão Revolucionário de 1931, que pôs pânico na velharia secular já desmemoriada do nosso ambiente artístico […]».[48]

Tanto os membros do Núcleo Bernardelli quanto os modernos incomodavam o poder estabelecido. Os primeiros “[…] centraron sus ataques al foco neurálgico que sustentaba al academicismo en el País: Escuela, Salón y Consejo Nacional de Bellas Artes, instituciones que cercaban la dominación y legitimaban la marginación artística”,[49] instituições também questionadas pela gestão do arquiteto modernista.Assim, não por acaso, vários membros do Núcleo continuaram participando dos concursos promovidos pela ENBA e obtiveram os máximos galardões do Salão Nacional: Motta alcançou o Prêmio Viagem ao Estrangeiro em 1939 (Fig. 2); Rescala, o Prêmio Viagem ao País em 1937 e ao Exterior em 1943; já Ado Malagoli obteve ambos, em 1942 e em 1949, e José Pancetti e Milton Dacosta também foram premiados.

O IPHAN assumiria, a partir de 1937, a responsabilidade referente aos prêmios de viagem outorgados pela Exposição Geral de Belas-Artes. Assim, dos participantes do Núcleo premiados, os três primeiros mencionados mantiveram, durante o usufruto de suas premiações, e depois delas, correspondência com Melo Franco de Andrade, e tentaram ou conseguiram formar-se como restauradores nos Estados Unidos durante a década de 1940 (diretamente estimulados pelo diretor do IPHAN), e também trabalharam ou pretenderam fazê-lo para o órgão de preservação.

O primeiro dos artistas do Núcleo Bernardelli que estabeleceu vínculo concreto com Melo Franco de Andrade, João José Rescala, comentava que tinha sido o diretor do IPHAN quem o auxiliara a completar os trâmites da Viagem Prêmio ao País, realizada em 1938 a diversos estados do Brasil.[50] Durante o percurso, Rescala informava o órgão sobre o estado dos monumentos que observava nos seus deslocamentos, e enviou a Andrade um aviso do que estava acontecendo no estado do Espírito Santo:

«Em Vitória, eu fui pintar. Na igreja da Penha, eu soube que o padre estava reunindo uma porção de peças, pratarias, quadros, essas coisas, para vender a um antiquário. As peças não eram propriedade do padre, portanto não podia vender; nem sei se ele sabia que o Patrimônio tinha sido criado. Achei que devia telegrafar para o Dr. Rodrigo. Telegrafei e a coisa deu resultado. Ele tomou as medidas necessárias, e a venda foi impedida. Partiu daí, na realidade, a vontade dele de que eu trabalhasse para o Patrimônio».[51]

Depois de seu regresso ao Rio de Janeiro, na segunda e na quarta reuniões do conselho consultivo do IPHAN (14 de junho de 1938 e 10 de agosto de 1938), Rescala relatou as viagens que realizara pelo Brasil como consequência da premiação[52] e começaria a trabalhar para o órgão, contratado para registrar e fotografar monumentos no Ceará e em Goiás.[53] Posteriormente a esses trabalhos, Rescala passou a trabalhar como funcionário do Museu Histórico Nacional, apesar da solicitação que lhe fizera o diretor Andrade para continuar viajando para o órgão por ele dirigido. Entretanto, o contato de Rescala com a instituição federal continuou, incentivado pelo fato de o artista obter o prêmio Viagem ao Estrangeiro, em 1943, distinção que acabaria cumprindo nos Estados Unidos em virtude da impossibilidade de estudar na Europa,[54] sendo motivado por Andrade, segundo seu próprio depoimento, para se formar restaurador de obras de arte naquele país:

«[…] Rodrigo me deu carta para o Robert Smith, me deu cartas para várias pessoas, para vários museus. Então, entra o Rodrigo de novo, que me pediu para estudar restauração nos Estados Unidos. Mas, apesar das cartas, dele e do Ministro Capanema,[55] ninguém quis me aceitar. Me deixavam entrar, observar mas, enfim, ensinar propriamente não. Aí eu perguntava: “Mas por quê?” E eles me respondiam: “É que você não veio especificamente para isso. Você é um artista. Você veio como prêmio de viagem, você não vai estragar o seu tempo estudando restauração! Nós só podemos lhe ensinar com uma bolsa”.[56]

Ado Malagoli, artista do Núcleo Bernardelli, também viajaria aos Estados Unidos e tentaria estudar restauração no Fogg Museum de Harvard no contexto da Viagem Prêmio ao Exterior, contudo, não conseguiu seu propósito devido à rejeição dos cientistas daquela instituição, os quais questionavam a sua formação apenas artística.[57] Como consequência, Malagoli permaneceu nos Estados Unidos entre 1944 e 1946 cursando História da Arte e Museologia nas Universidades de Nova Iorque e Columbia,[58] atividades também requeridas pelo IPHAN para as ações destinadas à preservação das obras de arte.

Em relação a Edson Motta, os primeiros registros por nós localizados que testemunham seu vínculo com o IPHAN também foram consequência do Prêmio de Viagem ao Estrangeiro outorgado a ele pelo Salão Nacional de Belas-Artes em 1939. Foi a partir da obtenção dessa distinção que o futuro restaurador do IPHAN entraria em contato sistemático e começaria a trocar correspondência com Melo Franco de Andrade.

Iniciando sua Viagem Prêmio em 1940 (Fig. 3), Motta percorreria Portugal, a Itália e a Espanha, tendo identificado nossa pesquisa diversas atividades desenvolvidas pelo artista durante essa viagem: envio de relatórios ao diretor do IPHAN, aprendizado e aprimoramento de técnicas artísticas, visitas a museus, execução de pinturas e redação de crônicas sobre suas andanças que foram publicadas em jornais do Rio de Janeiro.

De Lisboa enviou seu primeiro informe sobre a viagem, observando que, com ele, cumpria as obrigações estabelecidas pelo prêmio, satisfazendo simultaneamente ao pedido expresso de Andrade que o incumbia de estudar as escolas portuguesas de pintura ?uma solicitação certamente conectada com o intuito do IPHAN de identificar escolas brasileiras como forma de comprovar a existência de uma arte nacional–. Nesse relatório, datado de setembro de 1940, Motta relatava suas visitas a museus e a exposições em distintas cidades do país com o intuito de analisar “obras dos primitivos e contemporâneos portugueses”.[59]

Incumbido de detectar as bases documentais sobre as quais se apoiavam as atribuições de autoria realizadas por diversos especialistas relativamente a artistas metropolitanos, Motta advertia que as reflexões elaboradas por alguns daqueles mostravam “uma grande facilidade para classificar e oferecer autores a obras que, em boa verdade, pessoa alguma poderia autenticar”. Para Motta a própria designação “Escola Portuguesa” era “pretensão ou exagerado patriotismo dos nossos irmãos lusos”,[60] considerando que as pesquisas raramente se apoiavam em documentação fidedigna.

Em relação à prática artística realizada por Motta durante a viagem, uma série de paisagens, naturezas-mortas e retratos foram pintados em diversas localidades europeias, aos quais se somou a realização de afrescos, cujo processo teria aperfeiçoado na Itália. Embora não tenhamos localizado menção sobre como ou com quem tenha realizado tal aprendizado, em artigo de jornal carioca de 1942, encontramos comentários que apresentavam Motta como “a maior autoridade brasileira no terreno da técnica do afresco”,[61] e respaldado nisso ele justificaria alguns métodos aplicados no começo de 1945, durante suas primeiras restaurações realizadas em pinturas por encomenda do IPHAN. Durante sua Viagem Prêmio ao Estrangeiro, Motta também enviaria artigos ao jornal carioca Bellas Artes,[62] entre esses se destacava o realizado sobre o Museu do Prado.

Cabe refletir como boa parte das atividades desenvolvidas por Motta durante a sua viagem europeia o envolviam com assuntos de interesse do IPHAN: autenticação de obras de arte, técnicas aplicáveis à restauração e museus. Andrade convidaria Motta para se integrar ao IPHAN em seu regresso ao país, em 1942, o artista plástico, todavia, rejeitou o aceno para se dedicar a um projeto de formação de pintores na sua cidade natal, Juiz de Fora. Mas o curso de artes que o pintor fundou não vingou e, em outubro de 1944, se estabelecia definitivamente no Rio de Janeiro, iniciando, em primeiro de novembro desse ano, no estado do Espírito Santo trabalhos para o órgão federal de proteção do patrimônio.

Conhecedor das limitações conceituais e metodológicas de Edson Motta nos quesitos de interesse do IPHAN, Andrade faria gestões para a obtenção de uma bolsa de estúdios da Fundação Rockefeller para o pintor (Fig. 4). A tenacidade do diretor aparece como um fator decisivo para superar possíveis interferências para a consecução de uma bolsa de estudos para o IPHAN. Assim mesmo, entendemos que, ao lado da persistência do diretor Rodrigo, devamos destacar a perseverança e ousadia de Motta, que, com escassíssimos conhecimentos de inglês e nenhum recurso em ciências, conseguiu ser aceito no Fogg Museum de Harvard, em 1946 (notemos aqui que apenas dois latino-americanos foram estagiários no museu durante os anos 1930 e 1940: a mexicana Carmen Daheza e Motta).[63] A abrangência dos aprendizados de Motta naquela instituição foi notável, contemplou desde a restauração de pinturas e esculturas de madeira, passando pelo tratamento de obras de arte em papel,[64] completando a sua formação com a assistência ao conceituado curso sobre administração de museus ditado por Paul Sachs no departamento de Belas-Artes de Harvard.[65]

De regresso ao Brasil, em março de 1947, Motta passaria a ser o responsável pelo Setor de Recuperação de Obras de Arte do IPHAN, área em que seria o encarregado de coordenar a restauração dos bens integrados a igrejas e a monumentos civis, assim como de pinturas e esculturas de madeira pertencentes a museus brasileiros e outras instituições (Fig. 5). Motta, nessa posição, convocaria a incorporação dos antigos colegas do Núcleo Bernardelli, Rescala e Malagoli, para colaborarem com ele nas tarefas restaurativas. Malagoli, todavia, passaria a se dedicar ao ensino e à administração de museus, fora da alçada do IPHAN,[66] já Rescala, sim, chegaria a ser o responsável do IPHAN pela restauração de bens móveis e integrados na Bahia (Fig. 6).

Motta esbarraria com inúmeras limitações ao tentar transladar os aprendizados adquiridos em Harvard ao ambiente brasileiro. Essas limitações contemplaram desde a dificuldade em aplicar métodos científicos na restauração à falta de uma planificação sistematizada na formação de técnicos qualificados para colaborarem com as tarefas por ele dirigidas, passando pela carência de recursos econômicos suficientes para aplicar ao restauro e à conservação das obras de arte. A sua ação em prol do cuidado das obras de arte, todavia, é reconhecida como pioneira no país, pela adaptação que fez dos seus conhecimentos ao contexto brasileiro. A tarefa, sem pausa, de Motta fez, assim mesmo, com que, na década de 1960, o restaurador fosse convidado a colocar suas experiências preservacionistas em um livro financiado pela Organização dos Estados Americanos, Restauração de bens móveis: técnicas empregadas no São Bento,[67] e a participar de diversas missões na América Latina, destinadas a prestar assessoria para o restauro de pinturas, talhas e esculturas, missões essas que foram patrocinadas pela Organização dos Estados Americanos e pela UNESCO.

Em relação às outras tarefas almejadas por Andrade para serem cumpridas pelos artistas plásticos em relação às obras de arte, e para as quais Motta adquiriu recursos nos Estados Unidos, o pintor realizaria grandes limpezas das pinturas que recobriam igrejas e esculturas, com o objetivo de detectar os traços “originais” da arte nacional. Esses sinais foram avaliados em conjunto com outros especialistas do órgão para definir a autoria. Motta sim se dedicaria a autenticar, individualmente, obras de arte fora do âmbito do instituto, em parceria com outras instituições e até com leiloeiros, apoiado na autoridade simbólica que lhe conferia seu pertencimento ao IPHAN.[68]

Um caso paradigmático do trabalho de Motta foi a restauração da Igreja do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo, Minas Gerais, durante a segunda metade da década de 1950, oportunidade na qual também sofreram limpezas as esculturas dos passos do Aleijadinho. Outros trabalhos destacados nos quais Motta realizou limpezas de grandes superfícies pictóricas foram a recuperação da Matriz de Nossa Senhora da Conceição em Sabará (1961-1965) e a restauração da igreja do Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro durante a segunda metade da década de 1960.[69]

Por último, sem ter cumprido no IPHAN atividades em prol dos museus, atividade para a qual tinha obtido habilitação no curso ministrado por Sachs em Harvard, Motta se retiraria do instituto do patrimônio em 1976, para, aí sim, assumir a direção do Museu Nacional de Belas-Artes, no Rio de Janeiro, até a sua morte em 1981, posição que lhe conferia prestígio e reconhecimento.

 

O IPHAN: contribuições para o campo das artes

Em depoimento ao Projeto Memória Oral do IPHAN, Judith Martins[70] faz referência a uma ação que, segundo ela, teria sido a primeira levada a cabo por um especialista de restauração de pintura no órgão federal de preservação: trata-se do trabalho da artista Anita Orientar. Anita era uma pintora que colaborou com o IPHAN em duas ocasiões: na restauração de painéis que compunham o retábulo da Igreja de São Lourenço dos Índios, em Niterói, e em telas procedentes do Mosteiro de São Bento de São Paulo, ambos os trabalhos realizados no começo da década de 1940.[71] Segundo Judith Martins,

«O primeiro serviço de restauro […] foi feito por uma senhora estrangeira chamada Anita Orientar, que se apresentou aqui como restauradora. Dr. Rodrigo entregou-lhe a Igreja de São Lourenço dos Índios, em Niterói, para restaurar os painéis, que estavam repintadíssimos, horríveis. E ela fez até um serviço bem bonzinho. Ela tirou a camada de cima, e estava perfeita a camada de baixo».[72]

Cabe destacar que, embora nascida na Bahia, 1896, Orientar tinha morado na Alemanha desde sua infância e, ao voltar ao Brasil em 1939, já havia se formado em Arte em Berlin, obtido um doutoramento em Filosofia também na Alemanha e desenvolvido trabalhos como pintora de cenas religiosas em uma igreja da região do Lago de Garda,[73] na Itália. A partir dessa experiência foi contratada como restauradora pelo diretor do IPHAN.[74]

O caso de Anita Orientar é comum a outros. Além dela, artistas plásticos com pouca ou nenhuma experiência em restauração ou tratamento do patrimônio foram contratados pelo IPHAN nesse período, como foram os casos dos pintores Rescala e Motta. Isso foi facilitado por a lei número 378, de janeiro de 1937, determinar que o IPHAN passasse a exercer funções que definiam questões importantes para a classe artística. O artigo 130 da citada lei estabelecia “Fica extinto o Conselho Nacional de Belas-Artes, cujas funções passarão a ser exercidas pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e pelo Museu Nacional de Belas-Artes”.[75] As funções desse conselho eram, resumidamente, a organização das Exposições de Belas-Artes e a outorga dos prêmios estipulados pela exposição. A partir desse momento, os artistas plásticos passaram a ter um contato mais assíduo com o IPHAN e particularmente com o seu diretor, que, como vimos, colaborava na concretização das viagens dos artistas premiados, facilitando contatos, solicitando informações pertinentes aos temas de seu interesse e fomentando a formação desses artistas no estrangeiro em assuntos importantes para o órgão.

Foi em 1840 que o governo imperial do Brasil aprovava uma proposta de Félix-Émile Taunay para transformar as exposições dos alunos da Academia Imperial de Belas-Artes, instituição que então dirigia, em Exposições Gerais.[76] Com a reformulação da Academia e a sua transformação em Escola Nacional de Belas-Artes, após a proclamação da República, as exposições seriam mantidas, segundo estipulado nos estatutos da instituição. Conforme explica Ancora da Luz,

«é somente a partir da República que essas grandes mostras tomam o nome de Salão Nacional de Belas Artes. Em 1940 vem a dividir-se em duas seções, a de Belas Artes e a Moderna. Finalmente, em 1951, a Divisão Moderna dá origem ao Salão Nacional de Arte Moderna, numa coexistência que se alonga até 1976, ano de sua edição última».[77]

Em outubro de 1845 foi realizado o primeiro concurso para um Prêmio Viagem ao Estrangeiro, e as exposições gerais, já no período republicano, vão também outorgar prêmios de viagem. O “Prêmio de Viagem ao Estrangeiro, oferecido pelo Salão Nacional de Belas-Artes, o qual deixava o artista livre para criar ou percorrer museus, enfim, aproveitar o prêmio para fazer o que desejasse”;[78] já o Prêmio Viagem ao País, outra das distinções do Salão, permitia ao artista percorrer pelo menos 6 estados brasileiros durante um ano, exercitando nesse percurso sua arte.[79]

Os prêmios de viagem ao estrangeiro[80] foram, desde o século XIX, sumamente importantes para os artistas brasileiros, pois eram uma das poucas possibilidades que possuíam para aperfeiçoarem-se nas capitais artísticas, como Roma, Paris, especialmente. O estágio no exterior era também um capital simbólico de grande importância para os artistas, porquanto a presença num Salon, um comentário na imprensa, uma crítica elogiosa recebida no estrangeiro tornava suas chances de sucesso maiores na volta ao país. Com isso, aumentavam as possibilidades de obter encomendas públicas ou conquistar a seleta, e diminuta, clientela existente no Brasil.[81]

Era por isso que o controle do Salão, responsável pela outorga das bolsas de viagem, era importante. Na ata da sessão inaugural do Conselho Consultivo do IPHAN, de 10 de maio de 1938, lê-se o seguinte pedido de Andrade, presidente do conselho do instituto, endereçado ao Ministro Gustavo Capanema:

«Como se tratava de assunto especializado, pedia permissão para indicar que as questões relativas ao Salão fossem confiadas a uma comissão composta pelos Srs. Profs. Corrêa Lima, Marques Junior, Carlos Leão e mais o Sr. Diretor do Museu Nacional de Belas-Artes, sob a presidência do presidente deste Conselho [quer dizer ele mesmo]».[82]

Percebe-se que há um desejo do IPHAN de controlar, por intermédio de seu diretor e conselheiros, certos aspectos do ambiente artístico do país. Outro dado a esse respeito provém do modo como o órgão participou em outros empreendimentos que procuravam difundir, desenvolver e apurar o conhecimento do patrimônio histórico e artístico nacional; acerca da presença do Brasil na Exposição Internacional, ocorrida em Paris, em 1937:

«A Comissão organizadora da Representação do Brasil na Exposição Internacional de Paris, convidou, por intermeio do Sr. Celso Kelly, que representa aquela Comissão, […] os Srs. Rodrigo Mello Franco de Andrade, do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a esculptora Adriana Jamacopelus, o pintor Candido Portinari e o crítico de arte musical Annibal Macedo, para constituir a sub-comissão encarregada de escolher vinte quadros e quatro esculpturas que serão expostos no Pavilhão Brasileiro e para organizar um álbum de arte, com vinte reproduções».[83]

O próprio Conselho do IPHAN determinava ações que incentivavam os contatos continentais, estipulando que,

«[…] fossem tomadas as providencias adequadas para, em retribuição à iniciativa da Exposição de Arte Brasileira realizada em Buenos Aires, serem convidados os artistas argentinos a participar da Exposição Nacional de Belas-Artes, criando-se prêmios especiais para lhes serem conferidos, sob as denominações de prêmio Aleijadinho e prêmio Almeida Junior, respectivamente pelos melhores trabalhos de escultura e pintura».[84]

E não apenas em escala internacional se promovia a ação artística: pelo menos uma das iniciativas estabelecidas pela Seção Paulista do órgão federal do patrimônio estimulou diretamente a consideração dos monumentos arquitetônicos por parte dos artistas, como foi o concurso destinado a desenhar a Capela de São Miguel e o conjunto de Embu.[85] Com júri formado por Mario de Andrade e Bruno Giorgi, o concurso contou com a participação de 35 artistas plásticos autores de 68 obras ao todo, sendo as técnicas requeridas “desenho e guache”.[86]

Em relação a estas ações destinadas à classe artística, que originalmente não estavam previstas para o órgão, Melo Franco de Andrade explicava:

«Atividades que não competem à repartição costumam lhe ser incumbida, por determinação superior, como a organização anual do salão oficial de belas artes e providências diversas relacionadas com o movimento atual das artes plásticas no país».[87]

Sem poder ter estabelecido nesta pesquisa de quem pode ter partido este desejo, nem até quando podem ter durado estas responsabilidades, destacamos que o texto do diretor Rodrigo citado data de 1952, e assim pode-se dizer que o IPHAN teve realmente um peso decisório no ambiente artístico, e não apenas patrimonial, do país, promovendo um campo ampliado de patrimônio e artes plásticas.

 

Considerações Finais

Até meados da década de 1940, existiam no IPHAN lacunas operacionais e funcionais que não tinham sido preenchidas completa ou satisfatoriamente pelos arquitetos, colaboradores destacados do órgão, a saber: a administração de museus, a identificação da autoria das obras de arte e a restauração de pinturas, esculturas e talhas. Estas tarefas eram consideradas importantes para a definição e proteção de um patrimônio que representasse o Brasil, enquadrando-o nos parâmetros abrangentes requeridos em uma primeira instância pela instituição e na compreensão de que na arte brasileira, tanto antiga como moderna, a integração das diversas expressões artísticas, tuteladas pela arquitetura, era uma característica fundamental.

O preenchimento desses espaços de ação era desejado pelo diretor Rodrigo Melo Franco de Andrade, que ?a par da proeminência que assumiu no campo das artes plásticas a partir da extinção do Conselho Nacional de Belas-Artes, em 1937? se empenhou na incorporação de pintores qualificados para colaborar nas atividades empreendidas pelo IPHAN para a valorização e a proteção do patrimônio móvel e integrado à arquitetura. O contato do IPHAN com esses especialistas derivou-se das necessidades surgidas da ampliação do campo de atuação da instituição, que, conforme pretendemos mostrar, a partir de 1937 transcendeu o caráter patrimonial e chegou a alcançar setores da produção artística, tais como a organização dos Salões Nacionais, a participação nas escolhas dos prêmios de viagem etc.

Coerente com o intuito de valorização desses bens, Rodrigo Melo Franco de Andrade engajou-se pessoalmente em viabilizar que os pintores próximos ao IPHAN, entre eles especialmente Edson Motta, obtivessem nos Estados Unidos recursos que os qualificassem para desempenhar as tarefas requeridas. Nossa pesquisa não localizou dados que explicassem por que o diretor Rodrigo escolheu Motta para usufruir a bolsa de estudos outorgada pela Fundação Rockefeller entre os artistas plásticos que a ele se aproximaram. Cogitamos, todavia, que o pintor possuísse uma série de atributos que o fizeram adequado para o projeto do IPHAN: tinha liderança e ambição, era conhecido no ambiente das artes pelos seus prêmios e exposições, relacionava-se com jornalistas e críticos de arte e foi suficientemente ousado para assumir responsabilidades em um campo de atuação que começava a se esboçar no Brasil.

Ao regressar ao país, depois de usufruir da bolsa no Fogg Museum, em Harvard, Motta consolidaria a sua posição no IPHAN como restaurador, convocando seus antigos colegas do Núcleo Bernardelli para ajudá-lo e formando colaboradores como Jair Inácio, pouco se dedicando às demais atividades que Melo Franco de Andrade buscava fomentar em prol das obras de arte. Além de sua própria boa disposição em relação à restauração e sua habilidade manual e técnica, deve ter contribuído para tanto a incorporação de Lygia Martins Costa[88] às atividades da instituição: uma “estudiosa do patrimônio”, formada em museologia.

É neste contexto que começa a se delinear dentro do IPHAN o campo da proteção dos bens móveis e integrados, e entre eles o das obras de arte ?espaço pouco estudado pela historiografia relacionada à instituição–. A posição pioneira de Motta, como especialista em restauro, legitimada por sua formação no Fogg Museum de Harvard, colocou-o em um lugar de destaque no órgão, já que a restauração integral dos edifícios coloniais, cerne das atividades levadas a cabo pelo IPHAN em suas primeiras décadas, incluía o restauro dos bens a eles integrados; com essa posição é delineado o habitus de Motta como pioneiro da restauração no país, habitus a partir do qual seus sucessores e concorrentes se pensaram, definiram e reinventaram, fomentando a criação de possibilidades de acesso mais concretas para a prática restaurativa das obras de arte do Brasil.

 

 

 

Notas

[1] O órgão federal para preservação de bens culturais do Brasil foi criado provisoriamente em 1936 e instalado definitivamente em 1937, por meio da lei número 378, de 13 de janeiro. O nome original do órgão foi SPHAN: Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Em 1946, foi transformado em DPHAN: Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Nas décadas posteriores o nome mudou recorrentemente, em nosso trabalho nos referirmos ao órgão com a sua atual denominação: IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

[2] Considera-se aqui a ideia de Benedict Anderson, de que “Nação” é um artefato culturalmente “imaginado”, produto de ações, ideias e valores humanos que projetam nessa construção o desejo de uma nação específica. Benedict Anderson, Comunidades Imaginadas, São Paulo, Companhia das Letras, 2015, pp. 32-34.

[3] Rodrigo Melo Franco de Andrade, Brasil: Monumentos Históricos e Arqueológicos, México DF, Instituto Pan-americano de Geografia e História, 1952, p. 79.

[4] Silvana Rubino, As fachadas da história: os antecedentes, a criação e os trabalhos do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1937-1968 [Dissertação], Departamento de Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 1991; Maria Cecília Londres Fonseca, O Patrimônio em Processo. Trajetória Política Federal de Preservação no Brasil, Rio de Janeiro, UFRJ/Minc/IPHAN, 2005; Márcia Regina Romeiro Chuva, Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil (anos 1930-1940), Rio de Janeiro, UFRJ, 2009.

[5] Rodrigo Melo Franco de Andrade ocupou a direção do IPHAN entre 1937 e 1967.

[6] Refiro-me, além dos trabalhos mencionados de Rubino e Chuva, ao livro de Simon Schwartzman, Tempos de Capanema, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1984.

[7] Ver os seguintes trabalhos: Adriana Sanajotti Nakamuta, Hanna Levy e o SPHAN: História da arte e patrimônio, Rio de Janeiro, Série de Pesquisa e Documentação do IPHAN, n° 5, Rio de Janeiro, IPHAN-MinC, 2010; Eduardo Augusto Costa, Arquivo, Poder, Memória: Herman Hugo Graeser e o Arquivo Fotográfico do IPHAN [Tese], Departamento de História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 2015.

[8] O presente artigo baseia-se na pesquisa de doutorado realizada pela autora na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Brasil, entre 2011 e 2015. A tese foi publicada em 2016 com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo: María Sabina Uribarren, Contatos e intercâmbios Americanos no IPHAN: O Setor de Recuperação de Obras de Arte (1947-1976), São Paulo, FAPESP-Intermeios, 2016.

[9] Rodrigo Melo Franco de Andrade, “Possuímos joias de arte e monumentos que chamam a atenção de técnicos mundiais”, em Rodrigo e o SPHAN. Coletânea de textos sobre patrimônio cultural, Rio de Janeiro, Ministério da Cultura, Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Fundação Nacional Pró-Memória, 1987, pp. 27-30.

[10] Rodrigo M. Franco de Andrade, “Panorama do patrimônio artístico e histórico de Minas”, em Rodrigo e o SPHAN. Coletânea de textos sobre patrimônio cultural, Rio de Janeiro, Ministério da Cultura, Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Fundação Nacional Pró-Memória, 1987, p. 78.

[11] Germain Bazin, curador chefe da Seção de Pinturas do Museu do Louvre (1950-1965) contribuiu com a consolidação da arte barroca como paradigma da produção artística colonial do Brasil.

[12] Rodrigo Melo Franco de Andrade, “Panorama do patrimônio…”, op.cit., p. 76.

[13] A substituição da arte por uma “nova unidade plástica” integradora da arquitetura, pintura e escultura, foi declarada nos princípios do De Stijl. Para este movimento “a nova unidade plástica seria coletiva já que era fruto da estreita colaboração de pintores, escultores e arquitetos”. Pere Hereu et al., Textos de Arquitectura de la Modernidad, Madrid, Nerea, 1994, pp. 221-222. Segundo o texto citado “os resultados aos quais chegou a arquitetura neoplástica do De Stijl determinaram alguns dos aspectos mais característicos do movimento moderno”, op. cit., p. 205.

[14] Lygia Martins Costa, “Bens integrados – conceituação e exemplos”, em Clara Emília Monteiro de Barros (org.), De museologia, arte e políticas de patrimônio. Lygia Martins Costa, Rio de Janeiro, Patrimônio, 2002 (1981), pp. 318-319.

[15] Os artistas plásticos que se dedicavam à restauração de obras de arte eram uma realidade de longa data na Europa. Os denominados connoiseurs registravam muitas vezes suas experiências em manuais ou tratados com orientação sobre técnicas e formas de intervenção nas obras de arte. Foi a partir dessa prática que a figura do “restaurador-artista” como personagem com formação não científica voltado à colocação da obra de arte no mercado, se consolidou, gerando críticas e desvalorização da participação do artista plástico na restauração.

[16] Rodrigo Melo Franco de Andrade. “As obras do Aleijadinho para a fazenda da Jaguara”, em Rodrigo e seus tempos. Coletânea de textos sobre artes e letras, Rio de Janeiro, Ministério da Cultura?Fundação Nacional Pró-Memória, 1986, p. 128.

[17] Rodrigo Melo Franco de Andrade, “O Aleijadinho imaginário”, em Rodrigo e o SPHAN. Coletânea de textos sobre patrimônio cultural, Rio de Janeiro, Ministério da Cultura, Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Fundação Nacional Pró-Memória, 1987, pp. 134-135.

[18] Rodrigo Melo Franco de Andrade, “As obras do…”, op.cit., p. 128.

[19] Cabe indicar que se a comparação estilística foi considerada altamente confiável no caso das pinturas e esculturas ? e foram utilizados métodos de análise bastante respeitados como o Método Fogg, desenvolvido pelo museu universitário do mesmo nome em Harvard, e com o qual o pintor do IPHAN Edson Motta teve contato ?, no caso da identificação de autoria de arquitetura e dos bens integrados a ela devia ser aplicada com maior parcimônia por ser a produção arquitetônica resultado de trabalhos coordenados de ofícios diferentes, nos quais trabalhavam artífices de especialidades várias, não ficando muito claros, às vezes, os limites da intervenção de cada um.

[20] Rodrigo Melo Franco de Andrade, “As Obras de Restauração em Benefício da Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro”, em Rodrigo e o SPHAN. Coletânea de textos sobre patrimônio cultural, Rio de Janeiro, Ministério da Cultura, Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Fundação Nacional Pró-Memória, 1987, pp. 103-106.

[21] Ibídem, p. 104.

[22] Eduardo Bejarano Tecles nasceu no Rio de Janeiro, em 1889 e faleceu na mesma cidade, em 1965. Pasta de correspondências entre Rodrigo Melo Franco de Andrade e Eduardo Bejarano Tecles. Arquivo Central do IPHAN – Rio de Janeiro. Pastas: Sub-série: Personalidades: Tecles, Eduardo Bejarano – Pasta 393 e Sub-série: Representantes.

[23] “Reformou duas escolas seculares”, A Noite, 1950, Rio de Janeiro, 20 de novembro, 2a. Seção p. 2.

[24]  Rodrigo Melo Franco de Andrade, “Data do nascimento do Aleijadinho e fontes de sua obra”, em Rodrigo e seus tempos. Coletânea de textos sobre artes e letras, Rio de Janeiro, Ministério da Cultura, Fundação Nacional, Pró-Memória, 1986, pp. 170-172.

[25] Neste sentido, Melo Franco de Andrade explicava: “A extensão e o interesse dos elementos fornecidos pela documentação existente no Arquivo Público Mineiro, no arquivo da Cúria de Mariana, nos arquivos das ordens terceiras e irmandades, assim como os cartórios dos ofícios cíveis das comarcas antigas, ultrapassam consideravelmente o alcance das notícias e estudos agora impressos. Não obstante, as buscas até agora realizadas ainda estão muito longe de esgotar aquelas fontes”. “A Pintura Colonial em Minas Gerais”, em Rodrigo M. Franco de Andrade, Rodrigo e seus tempos. Coletânea de textos sobre artes e letras, Rio de Janeiro, Ministério da Cultura? Fundação Nacional Pró-Memória, 1986 (1978), p. 182.

[26] Principalmente Luiz Jardim, Antônio Ferreira de Morais, Manuel José de Paiva Junior e José Higino de Freitas, e ainda Geraldo Dutra de Morais e José Maria Fernandes.

[27] Rodrigo Melo Franco de Andrade, “A pintura colonial…” op.cit., pp. 190-191.

[28] Ibidem, p. 201.

[29] Levy teria sido a responsável pela pesquisa histórica na instituição federal de preservação do patrimônio entre os anos 1940 e 1947. Ler a respeito dela: Adriana Sanajotti Nakamuta, op. cit., p. 29. Ver também Daniela Kern, “Hanna Levi e sua crítica aos conceitos fundamentais de Wölffin”, documento electrónico: http://anpap.org.br/anais/2015/comites/chtca/daniela_kern.pdf, acesso 28 de outubro de 2017.

[30] Hanna Levy, “A pintura colonial no Rio de Janeiro”, Revista do Patrimônio, Rio de Janeiro, 1942, n° 6, pp. 7-77.

[31] Márcia Regina Romeiro Chuva, op.cit., p. 344.

[32] Santa Rita Durão, distrito do município de Mariana, em Minas Gerais. A matriz de Nossa Senhora de Nazaré foi tombada pelo IPHAN em 1945.

[33] Rodrigo Melo Franco de Andrade, “A pintura colonial…”, op.cit., pp. 182-207.

[34] Lucio Costa, apud José Pessôa (org.), Lucio Costa: Documentos de Trabalho, Rio de Janeiro, Ministério da Cultura-Fundação Nacional Pró-Memória, 2004, p. 186.

[35] Se prestarmos atenção às datas das citações, verificaremos que as opiniões de Costa não se limitaram ao começo da ação do IPHAN, nem ao período prévio à ação de grupos dentro da repartição que se especializaram na intervenção em pinturas. O setor organizado por Motta, por exemplo, teve como início 1947.

[36] Trata-se dos pareceres de tombamento de autoria de Lucio Costa, publicados no livro organizado por José Pessôa, op. cit., p. 186.

[37] Rodrigo Melo Franco de Andrade, apud Márcia Regina Romeiro Chuva, op. cit., p. 345.

[38] Lygia Martins Costa, op.cit., pp. 317-320.

[39] Maria Cecília Londres Fonseca, O Patrimônio em… op.cit., p. 101.

[40] Rodrigo Melo Franco de Andrade, “O Patrimônio Histórico e Artístico Nacional”, em Rodrigo e o SPHAN. Coletânea de textos sobre patrimônio cultural, Rio de Janeiro, Ministério da Cultura, Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Fundação Nacional Pró-Memória, 1987, p. 49.

[41] O ICOM é uma organização internacional não governamental de museus e de seus profissionais, o qual mantém relações formais com a UNESCO.

[42] José Antônio do Prado Valadares, diretor do Museu do Estado da Bahia, receberia, em 1943, uma ajuda da Fundação Rockefeller para realizar um curso e estágios, tanto nos Estados Unidos como em outros países Latino-americanos, sobre museus. Como consequência dessa experiência, publicou o livro Museus para o Povo: um estudo sobre museus americanos, de 1946. Suely Moraes Ceravolo, “Cultura baiana em exposição: José Antonio do Prado Valadares ‘Um homem de museu’”, em: III ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, 2007. Salvador: ENECULT, 2007. Documento electrónico: <http://www.cult.ufba.br/enecult2007/SuelyMoraesCarvalho.pdf./>, acesso 14 de agosto de 2012.

[43] A criação das Exposições Gerais, denominadas a partir da República também como Salões, será aprofundada nas próximas páginas.

[44] Maria Lucia Bressan Pinheiro, Neocolonial, modernismo e preservação do patrimônio no debate cultural dos anos 1920 no Brasil, São Paulo, FAPESP, 2011, p. 218.

[45] O Núcleo Bernardelli era uma proposta alternativa para pintores que trabalhavam e não podiam assistir ao curso integral da Escola Nacional de Belas-Artes (Eleine Bourdette, “Pancetti e o Núcleo Bernardelli”, em Anais do Seminário EBA 180 anos, Rio de Janeiro, UFRJ, 1998, pp. 407-414). Motta foi seu primeiro presidente (1931-1935) e Quirino Campofiorito o sucedeu (1935-1941). A composição do Núcleo foi bastante heterogênea: Manoel Santiago, Edson Motta, João José Rescala, Ado Malagoli, Bustamante Sá, Bráulio Paiva, Expedito Camargo Freire, Quirino Campofiorito, Eugênio Proença Sigaud, José Pancetti, Yoshia Takaoka, Yuji Tamaki, Joaquim Tenreiro, Milton Dacosta e José Gomez Correia; artistas que não estiveram identificados por uma expressão de arte homogênea, mas por uma camaradagem que defendia entre outros objetivos a profissionalização da prática artística. A ação do Núcleo Bernardelli se confrontou com um sistema, o da Escola Nacional de Belas-Artes, que era “[…] fundado en valores estéticos inmutables y apartados de la realidad social, transmitidos de manera verticalizada y arbitraria”, Fábio de Macedo, “Núcleo Bernardelli: Una Enseñanza Artística Liberadora en la Construcción del Arte Moderno en Brasil”. Documento electrónico: http://www.dezenovevinte.net/ensino_artistico/nucleo_bernardelli.htm/, acesso 15 de agosto de 2013.

[46] A XXXVIII Exposição de Belas-Artes foi apelidada como Salão Revolucionário. Segundo Lucia Gouvea, “Os jornais noticiam um ‘salon’ inédito, revolucionário em duplo aspecto, tanto na política quanto na arte, apresentando critérios mais inteligentes e sem intransigências”, Lúcia Gouvêa Vieira, Salão de 1931: marco da revelação da arte moderna em nível nacional, Rio de Janeiro, RJ FUNARTE/Instituto Nacional de Artes Plásticas, 1984, p. 27. Neste sentido, como também informa Gouvea, Tina Canabrava publicava no Jornal A Noite “A XXXVIII exposição de belas-artes ou o primeiro salão revolucionário” e Manuel Bandeira contribuía com o texto sobre a exposição “A revolução e as belas-artes” publicado em Para Todos. Lúcia Gouvêa Vieira, op. cit., 1984, pp. 94-99.

[47] Catálogo Exposição Geral de Bellas Artes [Catálogo], Rio de Janeiro, Escola Nacional de Bellas Artes, 1931, pp. 13-22.

[48] “Agita-se a mocidade artística do Brasil”, O Globo, 1933, Rio de Janeiro, 10 de abril, p. 1.

[49] Fábio de Macedo, op. cit.

[50] João José Rescala, Entrevista projeto Memória Oral, SPHAN/Memória Oral/Ministério da Cultura/Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Fundação Nacional Pró-Memória, Rio de Janeiro, 1988, p. 9.

[51] Ibidem, p. 9.

[52] Márcia Regina Romeiro Chuva, op. cit., p. 243.

[53] Analucia Thompson (Org.), Entrevista com Judith Martins, Memórias do Patrimônio, Rio de Janeiro, IPHAN/DAF/COPEDOC, 2009, p. 116.

[54] Brasil tinha suspendido suas relações com a Itália, como consequência da II Guerra Mundial; ademais as viagens eram inseguras, a França já estava ocupada.

[55] Gustavo Capanema (1900-1985) substituiu Francisco Campos no Ministério de Educação e Saúde em 1934, permanecendo nesse cargo até o final do Estado Novo, em 1945.

[56] João José Rescala, op.cit., p. 18.

[57] Edson Motta, Carta a Rodrigo M. Franco de Andrade, Cambridge, 6 de outubro de 1945. Arquivo Noronha Santos, IPHAN, Rio de Janeiro. Série Centro de Restauração de Bens Culturais.

[58] Frederico Morais, Núcleo Bernardelli:arte brasileira nos anos 30 e 40, Rio de Janeiro, Pinakotheke, 1982, p. 83.

[59] Edson Motta, Relatório de viagem, Lisboa, 21 de setembro de 1940, p. 1. Arquivo Noronha Santos, IPHAN, Rio de Janeiro. Série Centro de Restauração de Bens Culturais.

[60] Ibidem, p. 2.

[61] “Declarações de George Biddle a nossa reportagem: ‘Edson Motta é inegavelmente a maior autoridade brasileira na técnica do afresco’”, Movimento, 1942, s/d. Arquivo Noronha Santos, IPHAN, Rio de Janeiro. Série Centro de Restauração de Bens Culturais.

[62] Edson Motta, “Percorrendo os Museus da Hespanha”, Bellas Artes, Rio de Janeiro, s.d.

[63] Francesca G. Bewer, A laboratory for Art. Harvard’s Fogg Museum and the Emergence of Conservation in America, 1900-1950, Cambridge, Harvard’s Art Museum, 2010, p. 237.

[64] Edson Motta, Carta a Rodrigo M. Franco de Andrade, Cambridge, 26 de agosto de 1946. Arquivo Noronha Santos, IPHAN, Rio de Janeiro. Série Centro de Restauração de Bens Culturais.

[65] Ibidem.

[66] Ado Malagoli instalou-se no Rio Grande do Sul, estado no qual criaria, em 1954, o Museu de Arte do Rio Grande do Sul.

[67] OEA. Restauração de bens móveis: técnicas empregadas no São Bento, Washington, Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos, 1969.

[68] “O leiloeiro desfaz confusão: Não está vendendo telas falsas”, O Globo, 1963, Rio de Janeiro, 6 jun, Seção Geral, p. 6.

[69] Para ampliar sobre os trabalhos de Edson Motta no IPHAN consultar o livro Contatos e intercâmbios americanos no IPHAN: O Setor de Recuperação de Obras de Arte (1947-1976), São Paulo, FAPESP- Intermeios, 2016.

[70] Judith Martins nasceu em 1903, em 1936 ingressou no IPHAN, órgão no qual exerceu atividades como secretária de Melo Franco de Andrade, pesquisadora, escritora e chefe da Seção de História.

[71] Analucia Thompson, op. cit, p. 67.

[72] Ibidem, p. 46.

[73] Documento electrónico: http://www.anita-orientar.com/pageID_7656350.html, acesso em 30 de novembro de 2014.

[74] Em Berlim, Anita Orientar foi aluna de Willy Jaeckel e em 1923 defendeu seu doutorado na Universidade Halle Wittenberg, também na Alemanha. Antes de imigrar para o Brasil, em 1939, realizou pinturas em igrejas italianas. Vinculada ao ambiente artístico carioca, Orientar participou, por exemplo, do XLVIII Salão Nacional de Belas-Artes, no Rio de Janeiro em 1942 e realizou exposições em 1944 e 1946. A artista baiana morreu em Zangberg, Alemanha em 1994. Analucia Thompson, op. cit., p. 66.

[75] BRASIL, Lei n° 378 de 13 de janeiro de 1937, documento electrónico: http://www.portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=225/, acesso em 10 de dezembro de 2012.

[76] Elaine Dias, Paisagem e academia: Felix-Emile Taunay e o Brasil (1824-1851), Campinas, Unicamp, 2009, pp. 159-160.

[77] Ângela Ancora da Luz, “Salões Oficiais de Arte no Brasil – um tema em questão”, documento electrónico: http://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-content/uploads/2012/01/ae13_angela_ancora.pdf, acesso 28 de outubro de 2017.

[78] Ângela Ancora da Luz. “O Salão Nacional de Arte Moderna e a Escola Nacional de Belas-Artes”, em Sonia Gomes Pereira (Org.), 185 anos de Escola de Belas-Artes, Rio de Janeiro, Escola de Belas-Artes ? UFRJ, 2001-2002, p. 201.

[79] Ibidem, p. 199. Mariano Filho, diretor da ENBA desde 1926, promoveria viagens de estudantes de arquitetura e jovens arquitetos a Minas Gerais, com o intuito que entrarem em contato com a arquitetura colonial. Esses patrocínios de Mariano Filho consistiram em bolsas de viagem obtidas da Sociedade Brasileira de Belas-Artes. Maria Lucia Bressan Pinheiro, op. cit., p. 141. Essas experiências fixaram bases a partir das quais a valorização das artes brasileiras como elemento fundamental para a construção da identidade nacional esteve cada vez mais presente, sendo central nos discursos do IPHAN.

[80] Em relação aos prêmios de viagens consultar: Elaine Dias, op.cit.; Ana Paula Simioni, A viagem a Paris de artistas brasileiros no final do século XIX, Tempo Social, São Paulo, v. 17, jun. 2005, N° 1, p. 343-366,e Laura Malosetti Costa, Los primeros modernos: arte y sociedad en Buenos Aires a fines del Siglo XIX, Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2007.

[81] Sobre o mercado artístico na passagem do XIX para o XX, ver: Lucia Stumpf, A terceira margem do rio: mercado e sujeitos na pintura de história de Antônio Parreiras [Tese]. Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São Paulo, 2014. Durante o modernismo: Sergio Micelli, Nacional Estrangeiro: história social e cultural do modernismo artístico em São Paulo, São Paulo, Companhia das Letras, 2003.

[82] Conselho Consultivo do IPHAN, “Ata da Sessão Inaugural realizada no dia 10 de maio de 1938”. Documento electrónico: http://portal.iphan.gov.br/uploads/atas/1938__00__Sesso_inaugural__10_de_maio(2).pdf, acesso 4 de dezembro de 2017.

[83] “A arte brasileira na Exposição de Paris”, A Noite, 1937, Rio de Janeiro, 6 de maio, p. 5.

[84] Conselho Consultivo do IPHAN, “Ata da 4ª. Sessão Ordinária realizada no dia 10 de agosto de 1938”. Documento electrónico: http://portal.iphan.gov.br/uploads/atas/1938__04__4a_reunio_ordinria__10_de_agosto(2).pdf, acesso 4 de dezembro de 2017.

[85] “Inaugurada a exposição de desenhos e guaches promovida pelo DEIEP”, Folha da Noite, 1941, São Paulo, 7 de agosto, p. 2.

[86] Maria Cecília Franca Lourenço, Operários da Modernidade. São Paulo, HUCITEC/EDUSP, 1995, pp. 88-89.

[87] Rodrigo Melo Franco de Andrade, Brasil: Monumentos Históricos… op.cit., p. 98.

[88] A museóloga Lygia Martins Costa foi integrada ao quadro do IPHAN em 1956, quando passou a ser conservadora dos museus do órgão. Desde 1966 ficou encarregada da Seção de Artes subordinada à Divisão de Estudos e Tombamentos, e substituiria Lucio Costa na direção desta última de 1972 até 1980.